O ministério francês do Interior anunciou 35 mil regularizações de imigrantes não documentados em 2013, um crescimento de mais de 50% em relação ao ano anterior. O aumento foi uma das promessas de campanha do presidente François Hollande, que, em 2012, publicou uma circular tornando as regras de concessão de residência mais claras e objetivas. Com estes resultados, a França ultrapassa pela primeira vez a barra das 200 mil entradas de moradores estrangeiros legais no país por ano, entre eles estudantes, trabalhadores e exilados.
A campanha de regularização de imigrantes sem documentação é chamada de “admissão excepcional de estadia”, já que o indivíduo normalmente não se encaixa em nenhuma categoria de imigração formal, apesar de muitas vezes também não poder ser expulso do país por ter outros vínculos, como filhos na escola. Os beneficiários não ganham a cidadania francesa, apenas um documento que permite seu trabalho e estadia. Até a publicação da circular em novembro de 2012 pelo então ministro do Interior, Manuel Valls, hoje primeiro-ministro da França, o processo era analisado caso por caso, o que dava margem a diferentes decisões, dependendo da boa vontade das prefeituras.
Casos excepcionais continuam sendo examinados de perto, porém o documento unificou grande parte dos processos. Por exemplo, o estrangeiro que estiver há pelo menos cinco anos na França e tiver um filho escolarizado no país por um mínimo de três anos, está apto a pedir sua residência. Ana Margareth Jesien, uma brasileira que está há quase doze anos na França, foi uma das beneficiadas de 2013 (leia abaixo). “Fiquei mais de 10 anos ilegal aqui. A eleição do François Hollande me deu otimismo, mas eu tinha um excelente dossiê”, conta Ana, que obteve sua carte de séjour com validade de 10 anos. Sem filhos, ela teve que provar que tinha um emprego fixo, um documento geralmente difícil de conseguir para trabalhadores ilegais.
Mas, apesar do aumento das regularizações, Michele Tribalat, diretora de pesquisa no Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined) e especialista em imigração, afirmou à reportagem de Opera Mundi que a ampliação ainda não é significativa e que a política de imigração não mudou tanto em relação à administração anterior: “Foram menos de 15 mil regularizações suplementares, é ainda muito baixo. Até o momento poucas decisões foram tomadas e com o fiasco das eleições municipais recentemente, é pouco provável que o governo se lance neste assunto nos próximos meses”. Tribalat disse ainda que “há uma espera pela reforma do direito de asilo”, mas que ela está “asfixiada pelo aumento de demandas e pela demora interminável dos processos”.
Por outro lado, as expulsões de imigrantes sem documentos se mantiveram estáveis em relação ao ano anterior. O número exato é objeto de controvérsias, já que há fontes que contabilizam apenas expulsões, e não as “saídas voluntárias” (quando o governo ajuda financeiramente imigrantes a voltarem para seus países). Porém, os dados oficiais incluem ambas as situações e apontam que cerca de 21 mil estrangeiros foram expulsos da França no ano passado, uma média de 1.750 por mês. Em 2012, esta média foi de 1.850.
Jovens franceses em debandada
Outro fenômeno migratório que começa a ter cada vez mais espaço na imprensa francesa é o grande número dos jovens que deixam o país. Catherine de Wenden, politóloga especialista em migrações internacionais, explica: “Os jovens franceses estão indo embora por causa da crise econômica e do desemprego dos jovens qualificados. Mas esta nova tendência também pode ser interpretada como uma apropriação da cidadania europeia, com sua liberdade de circulação, trabalho e estadia. Nem todos ficarão muito tempo fora, alguns querem apenas melhorar o currículo”.
Não existem dados precisos, mas especialistas observam que os jovens que deixam a França tendem a ser mais diplomados e qualificados. Wenden aponta que eles teriam mais facilidade para lidar com línguas estrangeiras e mais redes sociais para conseguirem se estabelecer longe de casa.
O fluxo migratório dos jovens franceses qualificados é em parte compensado pela entrada de jovens estrangeiros com menos qualificações. Tribalat explica que entre 2006 e 2010, a diferença do saldo migratório dos franceses de idade entre 19-28 anos foi de cem mil negativos. Ou seja, a diferença entre aqueles que voltaram e aqueles que partiram foi muito significativa. Em compensação, o saldo do fluxo de entrada de estrangeiros na mesma faixa étaria foi de 53 mil positivos. “Isto não compensa o saldo migratório dos nativos da mesma idade. Perdemos quase dois jovens franceses provavelmente muito qualificados para ganhar um jovem imigrante, possivelmente menos dotado e menos familiarizado com a sociedade francesa”, conclui Tribalat.
Depoimento de Ana Margareth Jesien
“Cheguei na França em 2002 e fiquei todo esse tempo ilegal, conseguindo minha regularização apenas no ano passado. Não havia tentado antes pois esperava me beneficiar de uma lei que permitia o visto de residência após 10 anos vivendo em solo francês, mas infelizmente essa lei foi abolida pelo presidente Sarkozy antes que chegasse minha vez. Acabei me encaixando em outra, que exige uma carta de um empregador garantindo um emprego, se a pessoa já estiver há pelo menos 5 anos no país.
A eleição do François Hollande me deu otimismo, mas eu tinha um excelente dossiê. Acabei recebendo a resposta mais rápido do que o esperado, talvez porque eu tinha um “padrinho” – uma senadora do partido Verde que escreveu uma carta me apoiando, que fez parte da minha documentação.
O mais difícil de ficar ilegal é o aspecto psicológico, até porque na França, mesmo nesta situação temos uma cobertura social de 100%. Por outro lado, não temos segurança nenhuma. Eu não conseguia estabelecer objetivos, pois tudo dependia da legalização. Vive-se eternamente na insegurança. Por causa do receio que eu tinha de ser impedida de voltar para a França caso saísse daqui, nunca visitei o Brasil durante todo esse tempo. Perdi muitas pessoas amigas e da família, incluindo meus pais.
Também sofri chantagem. Hospedei uma pessoa que estava desempregada e eu é quem tinha que procurar emprego e alojamento para ela. Desde o primeiro dia em que ela veio morar comigo, deixou claro que se eu pedisse pra ela sair, me denunciaria à polícia. Quando não aguentei mais o convívio, pedi a ela para sair e na mesma hora ela fez um telefonema. Acho que a ligação não completou e ela desligou. Não chegou a fazer a denúncia e consegui que ela fosse embora no dia seguinte.
Com minha regularização, conquistei um “lugar” e teoricamente posso voltar a fazer planos e ter objetivos. E claro, finalmente poderei ir para o Brasil: já estou com as passagens compradas. Ida e volta.”
Fonte: Opera Mundi
Texto: Amanda Lourenço
Data original da publicação: 22/04/2014