França: mais de 1 milhão saem às ruas contra reforma da Previdência; greve tem forte adesão no país

Fotografia: Anthony Choren/Unsplash

Centenas de milhares de manifestantes saíram às ruas na França, nesta quinta-feira (19), em mais uma greve que mobilizou diversos setores do país contra a reforma da Previdência defendida pelo presidente Emmanuel Macron. Os transportes foram parcialmente interrompidos, tanto na rede ferroviária quanto no metrô de Paris, e muitas escolas permaneceram fechadas. A jornada de paralisação massiva teve interpelações da polícia e foi um teste político para o presidente centrista, em um contexto social tenso no país.

As manifestações se multiplicaram nas cidades francesas. De acordo com Philippe Martinez, secretário-geral da CGT (Confederação Geral do Trabalho), 2 milhões de pessoas participaram dos atos em toda a França, enquanto a polícia estimou em 1,12 milhão o número de participantes nos protestos. O principal ponto da reforma amplia a idade mínima legal de aposentadoria para 64 anos, contra 62 anos atualmente

Os sindicatos saudaram uma mobilização “bem-sucedida”. Foram 16.000 pessoas nos protestos em Bordeaux, segundo a polícia, mais de 50 mil pelas contas dos organizadores, que não registraram incidentes. Pelo menos 36 mil franceses participaram da passeata em Toulouse (sudoeste), 26 mil em Marselha (sudeste), 25 mil em Nantes (oeste), 19 mil em Clermont-Ferrand (centro), 15 mil em Montpellier (sudeste), 14 mil em Tours (centro), 12 mil em Perpignan (sul). Em Lyon, 23 mil pessoas protestaram. Os manifestantes atiraram projéteis contra os policiais e 17 pessoas foram presas.

Paris: 400 mil manifestantes

Na capital, um cortejo foi organizado por volta das 14h15, hora local, 10h15 pelo horário de Brasília, a partir da praça da República, ao norte de Paris, em direção à praça da Nação. A imensa adesão de participantes atrasou o início da marcha. Cerca de 400 mil manifestantes formaram uma multidão compacta, segundo contagem da CGT, enquanto a estimativa do Ministério do Interior ainda não tinha sido divulgada.

“Dois terços dos franceses são contra a reforma. Essa oposição da opinião pública deve se transformar em mobilização. É dessa forma que ganharemos”, afirmou Benoît Test, da FSU (Federação Sindical Unitária) à reportagem da RFI Brasil. “As pessoas têm que estar convencidas. Temos também que convencer quem está aqui que podemos ganhar. Então, temos que continuar, porque podemos vencer. A questão é sobre o aumento da idade e o aumento da contribuição. E se não nos atenderem sobre isto, então o movimento continua e vai aumentar”, completou.

“Pedimos ao governo para não escolher o caminho da irresponsabilidade. Ao contrário, ser razoável e voltar atrás nesse projeto de reforma, achar meios para ter uma verdadeira melhoria na aposentadoria dos franceses”, disse Laurent Escure, da UNSA (União Nacional dos Sindicatos Autônomos).

“Sou contra a reforma porque não é um projeto social aceitável. As pessoas sofrem no trabalho. É mais isso que temos de acertar. O sofrimento no trabalho, as desigualdades, para preparar o futuro”, disse a funcionária pública Dauphine, em entrevista à RFI Brasil.

“É uma luta global contra o sistema. Desde o começo, Macron nos impõe suas leis liberais, ele não defende o serviço público e agora é a Previdência. Nós queremos uma aposentadoria aos 55 anos para as profissões mais difíceis e 60 anos para as restantes. Nós queremos uma vida digna”, resume Joachim, estudante.

O projeto apresentado pelo governo francês e sua principal medida, o adiamento da idade mínima de aposentadoria para 64 anos, contra 62 atualmente, está enfrentando uma frente sindical unida e hostilidade da opinião pública, de acordo com pesquisas publicadas recentemente.

“Emmanuel Macron gostaria que morrêssemos no campo, que trabalhássemos até os 64 anos”, disse Hamidou, 43, lixeiro em Paris. “Acordamos muito cedo. Tem alguns colegas meus que acordam às 3h da madrugada. Trabalhar até 64, francamente, é demais”, diz.

Em Paris, eclodiram confrontos entre policiais e manifestantes perto da praça da Bastilha, onde manifestantes lançaram projéteis em direção dos policiais, que usaram gás lacrimogêneo para conter os vândalos. A polícia prendeu 30 pessoas durante o cortejo dos grevistas, a maioria por porte de armas, ofensa ou rebelião.

Home office foi privilegiado

A greve teve grande adesão no setor de transportes com quase nenhum trem regional circulando, poucos trens de alta velocidade (TGV), a rede de metrô bem mais lenta, com algumas linhas paralisadas em Paris e nos subúrbios.

As plataformas de metrô quase desertas e muitas estações vazias mostravam que a greve atingiu massivamente o setor do transporte. Porém, sem causar grandes aglomerações na região de Paris. Empresas e funcionários se organizaram para essa jornada de trabalho. Muitos empregadores haviam recomendado que seus funcionários trabalhassem de casa, especialmente nas atividades de escritório.

“Adaptamos nossos horários”, explica Pauline Zamolo, farmacêutica. “Eu, por exemplo, era para começar ao meio-dia, mas não tem metrô depois das 9h30, então vim mais cedo e vou sair mais cedo”, diz. Apesar do esforço coletivo, alguns assalariados viram-se obrigados a tirar um dia de folga. “Temos uma mãe que tem um filho relativamente pequeno e cuja escola está em greve, então ela teve que tirar um dia de folga”, acrescentou Zamolo.

Nos restaurantes, à hora do almoço, foi necessário antecipar uma clientela menor e ajustar a jornada de trabalho. “Muitos clientes habituais nos avisaram que não estariam aqui hoje”, disse Claire Calligaro, gerente do restaurante Mûre, no 2º distrito da capital. “Logicamente reduzimos as quantidades em cerca de 20%”, diz.

Adesão em outros setores

Na função pública, a greve era seguida por 28% dos funcionários públicos ao meio-dia, de um total de 2,5 milhões de servidores.

Na rede pública de ensino, o principal sindicato do setor, o FSU, contabilizava 70% dos professores em greve nas escolas e 65% nas faculdades e escolas secundárias.

Agentes da empresa pública de eletricidade EDF suspenderam a produção de energia por algumas horas, atingindo pelo menos o equivalente a duas vezes o consumo de Paris.

Quanto às refinarias, a CGT TotalEnergies registrou entre 70 e 100% de grevistas.

O porto de Calais também parou devido à adesão dos agentes portuários à greve.

Em nível nacional, a mobilização desta quinta-feira é compatível ​​ou mesmo superior à de 5 de dezembro de 2019. “Estamos claramente diante de uma forte mobilização, além do que pensávamos”, concluiu Laurent Berger, secretário-geral da central sindical reformista CFDT.

Fonte: RFI
Data original da publicação: 19/01/2022

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *