A França comemorou o aniversário de 15 anos de uma das medidas trabalhistas mais polêmicas da história recente, a redução da carga semanal de trabalho de 39 para 35 horas. A mudança, adotada pelo governo socialista em 2000, visava criar 700 mil postos de trabalho no país – uma meta contestada por estudos e que a própria esquerda admite não ter cumprido.
Depois da chamada lei Aubry, a França se tornou um dos países com a menor carga trabalhista da Europa, ficando atrás apenas da Holanda e da Dinamarca. Em contrapartida, os franceses têm um dos maiores índices de produtividade por trabalhador, um dos argumentos preferidos dos defensores da carga horária reduzida. Os adeptos do sistema também valorizam o maior tempo disponível para as atividades pessoais e familiares, proporcionado pelo regime.
Mas segundo economistas de tendência liberal, em período prolongado de crise, a lei resultou em graves prejuízos pra a competitividade francesa. Marc Touati, autor de “Guérir la France, la thérapie de choc” (Curar a França – a Terapia de Choque”, em tradução livre), defende o fim desse sistema.
“O balanço do regime de 35 horas infelizmente é dramático, porque temos um índice de desemprego de 10,5%, sem crescimento econômico e com um mercado de trabalho extremamente rígido”, avalia. “É verdade que as 35 horas puderam gerar um certo grau de liberdade para algumas empresas e oferecer mais lazer para as famílias. Mas o grande problema é que elas aumentaram o custo do trabalho e o tornaram mais rígido, se transformando em um freio para o emprego na França.”
Balanço incerto
Quinze anos depois, não há consenso sobre a influência da lei na criação de postos de trabalho. Os socialistas garantem que as 35 horas proporcionaram a abertura de 350 mil vagas. Mas críticos à medida afirmam que o custo do trabalho aumentou 10% por causa da carga horária menor, o que resultou em demissões.
“Podemos dizer que as 35 horas conseguiram o inverso do que elas queriam. Partia-se do princípio de que como trabalharíamos menos, poderíamos empregar mais gente para compensar. O problema é que ninguém pode empregar alguém para trabalhar só quatro horas por semana”, destaca. “O sistema não funcionou por uma razão simples: para ter emprego é preciso haver crescimento econômico.”
No poder, direita não abandonou sistema
A crise econômica, que afeta a França há oito anos, levou o país a questionar o regime trabalhista de 35 horas em diversas ocasiões. Mas apesar das críticas, os governos de direita dos ex-presidentes Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy jamais ousaram apresentar abertamente o fim deste sistema, proposta que enfrentaria uma resistência feroz dos sindicatos franceses.
Segundo Touati, a melhor alternativa seria flexibilizar o atual sistema, uma posição defendida pelo ministro da Economia, Emmanuel Macron, e o premiê, Manuel Valls, considerados da ala social-liberal do Partido Socialista.
“Nós não conseguimos aprovar nenhuma reforma, e com as 35 horas é ainda mais difícil. Quando estamos com uma taxa de desemprego bem fraca, é possível trabalhar menos. Mas hoje não é essa a nossa realidade: temos 6,2 milhões de desempregados e vimos que trabalhar menos não vai criar postos de trabalho”, afirma. “Não vai ser fácil acabar com as 35 horas, por isso precisamos deixar os franceses escolherem: quem quiser, trabalha 35 horas e ganha o equivalente a isso, e aqueles que querem trabalhar mais ganharão melhor.”
A última pesquisa de opinião sobre o assunto, publicada em agosto, indicou que 62% da população é favorável a mais flexibilidade na lei, desde que haja acordo com os representantes sindicais.
Fonte: Radio França Internacional
Texto: Lúcia Müzel
Data original da publicação: 03/02/2015