Fiscalização resgata 31 travestis e mulheres trans do trabalho escravo para exploração sexual

Fotografia: Grupo Especial de Fiscalização Móvel

O grupo especial de fiscalização móvel resgatou 31 mulheres transexuais e travestis de condições análogas à escravidão, em Uberlândia (MG) e Criciúma (SC), em operação iniciada nesta terça (15/03). Profissionais do sexo, elas eram forçadas a trabalhar com base em ameaças e fraudes e presas a dívidas contraídas até com o implante de silicone nos seios.

A ação faz parte da sexta fase da Operação Libertas, desencadeada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de Minas Gerais. E contou também com a participação da Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União, da Polícia Militar (em Minas Gerais) e da Polícia Federal (em Santa Catarina).

A investigação do Gaeco mostrou que elas não atuavam como prostitutas com autonomia, mas eram violentamente exploradas por duas organizações criminosas parceiras e obrigadas a permanecer nesse vínculo.

De acordo com o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, que coordenou a fiscalização, o endividamento ocorria, por exemplo, via financiamento de procedimentos estéticos. Um deles, o mais caro, era a colocação de próteses de silicone nos seios, muitas vezes sob condições sanitárias duvidosas. E, segundo ele, silicone industrial era utilizado para alterações em outras partes do corpo, colocando em risco a vida das vítimas.

“Elas se sujeitaram a isso como forma de financiar sua transformação corporal, ou seja, de estar bem com o seu próprio corpo. Se houvesse uma política pública realmente acessível, a maioria não recorreria à prostituição e não seria vítima de violência desde a adolescência”, afirma Magno.

Vale lembrar que os procedimentos de readequação sexual são oferecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que não significa que estejam, de fato, acessíveis a todas.

As cafetinas responsáveis pelas organizações criminosas ordenavam que as vítimas ficassem alojadas em suas pensões, cobrando uma diária, o que também gerava uma dívida. Para poderem trabalhar como prostitutas, elas tinham que se sujeitar a pagar essa diária, mesmo que não usassem a estrutura. Como uma máfia que cobra pelo direito de poder trabalhar.

Segundo a fiscalização, multas eram aplicadas para quem infringisse as regras, como chegar fora do horário, com o objetivo de aumentar ainda mais o endividamento e garantir que elas não conseguissem sair daquela situação. Quanto mais ganhavam com os programas, maior era o valor dessas multas.

Violência e agressão

A auditora fiscal do trabalho Jamile Virgínio destaca o uso do medo como instrumento de controle por parte das empregadoras. Casos de violência e de agressão eram disseminados entre elas, garantindo um controle da vida pessoal e da prestação de serviços de uma maneira eficiente.

“Uma das histórias que circulavam entre elas era o de uma mulher que, por ter desobedecido, teve os implantes de silicone arrancados sem anestesia. Essas histórias geravam medo e mantinham a disciplina”, afirma.

Esse tipo de terror atingiria em cheio qualquer pessoa, mas no caso de travestis e transexuais ganhavam um contorno ainda pior por conta de sua vulnerabilidade. Dado o preconceito, esse grupo sofre com a dificuldade de inserção na sociedade e no mercado de trabalho, sendo muitas vezes empurrado para a prostituição. É aproveitando-se desse contexto que agiam essas organizações criminosas.

“As regras eram tão abusivas que, na prática, elas chegavam a pagar para se prostituir. Trabalhavam em troca de teto, comida e o direito de poderem trabalhador”, afirma Jamile.

Quando alguém não queria se vincular às organizações, era vítima de ameaças e agressões físicas. Há casos de vítimas que quase morreram, espancadas.

A ex-vereadora de Uberlândia Pâmela Volpi é apontada pelo Gaeco como uma das líderes da organização criminosa que explora travestis e mulheres trans. Ela está presa de forma preventiva, desde novembro do ano passado, por conta da tentativa de homicídio de uma travesti. Endereços visitados pela operação de fiscalização estavam em seu nome.

A coluna tentou contato com os advogados da ex-vereadora e trará sua posição tão logo seja possível.

Ameaçadas e endividadas

No sistema de “barracão” (truck system), os trabalhadores ficam presos a uma dívida contraída pela cobrança, a preços abusivos, de instrumentos de trabalho, alimentos e bebidas. Este caso não foge à regra, com a dívida sendo criada ilegalmente sobre elementos que seriam usados pelas profissionais do sexo em seu trabalho, como perucas, lingerie, perfumes, além do silicone já citado.

A fiscalização está calculando o valor devido pelas organizações às trabalhadoras, mas os fiscais do trabalho estimam que, se os empregadores tiverem que pagar todos os direitos e salários atrasados, o montante será de cerca de R$ 3,7 milhões.

Elas já foram cadastradas no seguro-desemprego concedido aos resgatados do trabalho escravo e receberão o benefício por três meses. Vale lembrar que a prostituição é atividade laboral prevista no Código Brasileiro de Ocupações. O que é ilegal é a exploração da prostituição por terceiros e, claro, o trabalho escravo.

Fonte: Repórter Brasil
Texto: Leonardo Sakamoto
Data original da publicação: 21/03/2022

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