Para apagar suas conquistas, velha mídia e patrões acusam-nos de burocráticos e pelegos. Agora, com Emenda Constitucional que pulveriza representação sindical, querem trabalhadores desarmados para reivindicarem seus direitos
Artur Araújo
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 22/10/2019
A maior e mais bem sucedida negociação coletiva de salários do século XXI, em todo o planeta, foi conduzida pelos sindicatos brasileiros sob coordenação unitária de todas as Centrais Sindicais que existem pluralmente no país.
Surpresos, caros leitores? Imagino que sim, depois de décadas de ação ideológica de desinformação sobre os sindicatos do Brasil. Bizarramente conduzida pelo patronato associado a parte da esquerda nativa, há uma campanha de comunicação que martela sem cessar um mantra hipnótico: o movimento sindical brasileiro “herdado da Carta del Lavoro” para nada presta além de “alimentar uma burocracia de dirigentes ‘pelegos’”.
A política de valorização contínua do salário mínimo, iniciada em 2005 e transformada em lei em 2011, beneficiou direta e indiretamente a totalidade dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros, da ativa e aposentados, porque o salário mínimo é a baliza que define toda a estrutura de remuneração do trabalho, de pagamento de aposentadorias e de benefícios sociais. Seus efeitos na dinamização da economia nacional, com ênfase nas pequenas cidades, são mais do que comprovados por estudos e mais estudos e foram totalmente positivos para os mais de 210 milhões de cidadãos.
E tal política foi fruto de um longo e insistente trabalho de reivindicação e organização dos sindicatos, desde centenas de milhares de reuniões em locais de trabalho, dezenas de milhares de assembleias, milhares de ações públicas, até culminar em quase uma dezena de grandes “Marchas a Brasília”. Todas essas atividades foram coordenadas e unificadas em campanha nacional pelas várias Centrais Sindicais, que tão bem identificam o criativo desenho do sindicalismo brasileiro, com unicidade na base e pluralidade na cúpula.
Frente ao fato inconteste da vitória impactante que foi a implantação de uma política de contínua valorização do mínimo, nem é necessário ressaltar os fatos da miríade de conquistas salariais, de melhores condições de trabalho, de benefícios e direitos que os sindicatos do Brasil, vilanizados cotidianamente, obtiveram nos mais de 70 anos de vigência da estrutura desenhada no primeiro governo Vargas.
Mas há fatos de hoje que visam demolir definitivamente essa estrutura – completando o desastre provocado pela extinção da contribuição sindical embutida na deforma trabalhista de 2017 – e desarmar, por um longo período à frente, a capacidade de obtenção de melhorias, salariais e de condições de trabalho, para os assalariados brasileiros.
É um movimento em pinça.
O Executivo, sob a batuta de Rogério Marinho, arquiteto da deforma Temer, criou um tal GAET (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), cujo nome altissonante mascara uma tropa antissindical de triste memória e cuja meta é o desmonte da Justiça do Trabalho e a implantação de um “sindicalismo chileno”, marcado pela completa anarquia, já que admite uma pluralidade caótica na base, em que até sindicatos por andar de empresa seriam permitidos e estimulados.
O GAET é o bad cop, o policial malvado da narrativa em curso.
Do Congresso Nacional – sob o comando dos deputados Rodrigo Maia e Marcelo Ramos e com participação ativa (mais ou menos embuçada) de certos dirigentes de alguma Centrais Sindicais – salta o good cop, o bonzinho policial que, frente às “maldades do governo”, pare uma proposta de emenda constitucional estilo “mal menor”.
A PEC da deforma sindical estreou em meio a uma comédia de erros. Protocolada uma primeira vez, recebeu o número 161 e foi “desprotocolada” porque as assinaturas de apoio “não batiam”. Em uma segunda tentativa, ganhou justo e magnífico ato falho: PEC 171, nome pelo qual nunca deixará de ser conhecida. Nem assim estava formalmente correta e agora é objeto de uma terceira coleta de assinaturas.
Outra idiossincrasia que acompanha a PEC ex-171 é a descoordenação total entre apoios que recebeu por parte de dezenas de deputados das oposições, com destaque para parlamentares do PT, e sua rejeição por parte de Centrais Sindicais de peso (CUT, CTB, CSB, Nova Central).
O fato é que, descontadas as peripécias do parto, essa PEC é tão danosa aos sindicatos e aos brasileiros quanto qualquer coisa que seja destilada pelo GAET. Usando fórmula muito ao gosto da sabujice corrente, diz espelhar-se no “sindicalismo dos Estados Unidos”, cuja trajetória de fato é a acentuada perda de força sindical e ser objeto de críticas ferozes por parte dos trabalhadores norte-americanos.
A PEC “simplesmente” propõe revogar na prática o Artigo 8º. da Constituição, que assegura a existência da estrutura sindical responsável por tantos ganhos para os trabalhadores desde a década de 1940. Transfere toda a regulamentação futura de todo o sindicalismo para um “Conselho do Rolo”, uma clique de 12 neoconstituintes sem voto, dos quais seis nomeados pelos patrões, a quem caberia dizer quais sindicatos podem ou não existir e como devem se financiar. Se já era pública e notória a influência de “fatores extra-republicanos” no reconhecimento de sindicatos balizado pela lei e executado por órgãos de Estado, não é nada difícil imaginar que “fatos” marcarão a atuação do Conselho da ex-171.
A onda de fatos em curso tem objetivo explícito: destruir o poder de defesa dos trabalhadores, há décadas muito bem exercido por seus sindicatos, razão pela qual o bolsonarismo e o patronato querem tirar o sindicalismo de cena.
A cada sindicato – e às Centrais – só resta uma alternativa: rejeitar a PEC e enfrentar de fato mais esse ataque coordenado à sua sobrevivência como elemento insubstituível e civilizatório de contenção dos apetites vorazes do capital e de defesa dos interesses do trabalho e da Nação.
Esses são os fatos. Grandes desafios para os brasileiros e seus sindicatos.
Artur Araújo é administrador hoteleiro, consultor em gestão pública e privada e do Projeto Cresce Brasil, liderado pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE).