Antes da quarentena, a economia já estava parada. Com a pandemia, o inoperante governo de extrema direita usa benefícios para se agarrar aos mais pobres.
Marcio Pochmann
Fonte: RBA
Data original da publicação: 22/06/2020
Antes de começar a quarentena decorrente da pandemia do coronavírus, a economia brasileira já se encontrava quase parada. O resultado disso podia ser observado junto aos diversos sinais de empobrecimento da população, quando a metade dos brasileiros encontrava-se obrigada a ter que sobreviver com R$ 14 diários, conforme informações do IBGE.
Após cinco anos de penúria imposta pelo retorno do receituário neoliberal, desde 2015, o país registrava quase ¼ dos seus domicílios sobrevivendo sem ter acesso à renda do trabalho. O declínio capitalista empurrou multidões a depender de doações e transferência de renda pública e pessoal. E fez com que, no ano de 2019, quase 1/3 dos brasileiros dependesse de algum tipo de benefício do orçamento público para viver.
A chegada da pandemia do novo coronavírus e agravou a paralisação de parte significativa da economia nacional. E não houve ação governamental imediata de medidas de suporte aos micro e pequenos negócios. Assim, as ocupações ficaram congeladas e logo passaram a desaparecer. Numa economia com cerca de 2/3 da força de trabalho ocupada em empreendimentos de até cinco trabalhadores, sendo que quatro a cada cinco são estão na informalidade, o impacto da crise logo se abateu sobre a parcela da população mais vulnerável.
O conjunto de 17,2 milhões de micro e pequenos negócios existentes no país, com 57% compostos por Micro Empreendedor Individual (MEI), por 38% de microempresas e por 5% de pequenas empresas, envolve 62 milhões de ocupados no Brasil. Até o mês de maio de 2020, 40% do total dos micro e pequenos negócios foram os mais afetados negativamente, sendo 8,6% fechados em definitivo, o que levou consigo 9,3% do total das ocupados, segundo informações do Sebrae.
Sem política
Nesta gravíssima situação nacional, o atual governo de extrema direita buscou integrar-se mais diretamente com a pobreza e sua dinâmica de reprodução. Por força da atuação do Congresso nacional, cerca de 56 milhões de brasileiros passaram a ser sustentados por algum benefício novo implementado pela inclusão de 1,2 milhão de famílias – além da multiplicação por três vezes a renda de 95% das 14,2 milhões de domicílios pertencentes ao programa Bolsa família. Bem como a incorporação de 44,8 milhões de pessoas no Auxílio Emergência e de 10 milhões no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e de Renda.
Nestes últimos 40 anos de estagnação da economia nacional, capaz de acumular duas décadas perdidas (1980 e 2010), os governos do ciclo político da Nova República buscaram atuar junto ao brutal e crescente excedente de mão de obra às necessidades da economia. Diante do desemprego aberto no início da década de 1980 gerado pela recessão econômica durante a crise da dívida externa do último governo militar (general. Figueiredo, 1979-1985), o presidente lançou o slogan “tudo pelo social” no mandato presidencial marcado pela hiperinflação e descrédito no enfrentamento das mazelas nacionais.
Collor de Mello, primeiro presidente eleito após 21 anos de ditadura civil-militar, que teve o governo encurtado pelo impeachment (1990-1992), voltou-se ao tema da inclusão dos “descamisados” e classe média através da promessa de modernização do padrão de consumo com o ingresso na globalização. Mas isso somente se tornou possível com algum o sucesso na estabilização monetária alcançada pelo governo Itamar (1992-1994), com o Plano Real.
Base da pirâmide
Tanto assim que Fernando Cardoso (1995-2002) foi eleito e reeleito no primeiro turno em 1994 e 1998 a partir da ampliação e modernização do padrão de consumo possibilitado pela contenção do imposto inflacionário e pela importação generalizada de produtos a partir da valorização cambial. O déficit comercial gerado pela barbeiragem da combinação de moeda supervalorizada diante do dólar com altíssima taxa de juros reais para atrair capital especulativo produziu a crise financeira em 1998, tornando o seu segundo governo traumático e decepcionante.
Nos governos do PT (2002-2016), o sucesso da inclusão social e o novo impulso na modernização do padrão de consumo foram tão acentuados que geraram a expectativa da construção de uma nova classe média. O êxito obtido pela elevação do nível ocupacional, acompanhado da recuperação do salário mínimo, da ampliação dos benefícios dos programas sociais e da generalização do crédito, fortaleceu o mercado interno, ainda que na desindustrialização houvesse dependência crescente da importação de manufaturados.
Na crise fiscal enfrentada pelo decrescimento econômico desde 2015, o desembarque dos pobres do orçamento tornou-se uma realidade. Nos governos pós-golpe de 2016, por exemplo, a Emenda Constitucional 95 congelou recursos públicos não financeiros. E comprometeu áreas como saúde e educação, enquanto a aprovação da deforma da previdência social retira um trilhão de reais de aposentados e pensionistas.
Isso acontece em meio à pandemia da covid-19 que se dá em meio à gigantesca inclusão de empobrecidos em benefícios de renda patrocinados pelo orçamento público. Diferentemente dos governos de F. Cardoso e do PT, não há atualmente a elevação na massa de renda do trabalho e, portanto, sem a modernização do padrão de consumo das massas empobrecidas. Mesmo assim, o governo da extrema direita chega à base da pirâmide social brasileira.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.