A mesa de debates “Democracia participativa e controle social”, realizada na sexta-feira (27), na Assembleia Legislativa do RS, em Porto Alegre, foi um dos destaques da programação do Fórum Social Mundial 2023.
Reuniu lideranças populares, de conselhos de participação social, movimentos sociais, especialistas e personalidades de referência para debater o tema da participação popular nas decisões da vida política do país o controle social na execução das políticas públicas.
Participou da mesa o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macedo. Um dos responsáveis por restabelecer um sistema de participação social nas decisões do governo Lula, ele falou das principais ações que o executivo nacional está adotando.
Além dele, compuseram a mesa do debate o professor Frederico Viana Machado, do Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde da UFRGS; Eliane Martins, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD); Leonardo Pinho, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); o professor Marcelo Kunrath Silva, do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE UFRGS); a integrante do Conselho Nacional de Saúde, representando a União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO), Maria da Conceição Silva; o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Caí e do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Montenegro, o biólogo Rafael Altenhofen; a jornalista e educadora popular Raquel Baster, do Intervozes; o secretário adjunto de Comunicação da CUT e integrante da executiva do FNDC, Admirson Medeiros Ferro Júnior; o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Coban), Edegar Pretto; e Olívio Dutra, ex-governador gaúcho e criador do Orçamento Participativo.
A atividade foi coordenada por Lucas Monteiro, militante do Levante Popular da Juventude.
“Governo Lula vai restabelecer a participação social”
Márcio Macedo afirmou que o governo contará com um conselho formado por 60 entidades da sociedade civil. Disse ainda que será aberto um diálogo para criar as bases para a elaboração de um planejamento aos moldes do Orçamento Participativo.
O ministro pontuou também ações já tomadas no sentido de colocar representantes da sociedade de volta a instâncias consultivas e deliberativas. “O presidente criou a Secretaria de Participação Popular, a Secretaria de Diálogos Sociais, a Secretaria de Políticas Sociais, Secretaria de Juventude e promove a rearticulação dos conselhos”, relatou. Disse ainda que, também nesta terça-feira 31), em um ato no Palácio do Planalto, Lula vai criar por decreto o Sistema Interministerial de Participação Social.
Pensar a participação no presente
Por sua vez, o professor Marcelo Kunrath Silva, do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE UFRGS) avalia que o Brasil precisa avançar no processo de organização social e popular. Disse que as organizações e movimentos sociais têm capacidade de representação da sociedade, mas que esses grupos estão atualmente com alcance limitado de enraizamento social, o que leva a questionamentos da representatividade.
“Não podemos pensar o agora com os olhos voltados para o passado porque as condições são muito distintas dos anos 80 e 90, tempo redemocratização, e foram objetivo de ataque por governos de extrema direita que vieram com o golpe de 2016”, alertou. “Temos que aprender com nossas experiências e corrigir os erros do passado pra de fato democratizar a democracia”, completou.
SUS é participação social
Integrante do Conselho Nacional de Saúde representando a União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO), Maria da Conceição Silva lembrou que democracia participativa e controle social são fundamentos da Constituição Federal de 1988 e do Sistema Único de Saúde (SUS). “A participação em associações, clubes, grupos de trabalho e principalmente na construção das políticas públicas dos conselhos e as instâncias da sociedade são fundamentais para a manutenção da democracia, regulação do Estado e ampliação da participação.”
Recordou que SUS conta com representações em diversos segmentos, como as conferências e os conselhos de saúde, que propõem políticas e atuam na formulação de estratégias e no controle de execuções, respectivamente. Destacou os principais temas de atuação do controle social do SUS atualmente e convidou a população para participar ativamente do fortalecimento do SUS através na 17ª Conferência Nacional de Saúde.
Comitê da Bacia Hidrográfica fragilizados pelo privatismo
Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Caí e do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Montenegro, o biólogo Rafael Altenhofen falou sobre os processos de fragmentação dos conselhos e comitês. Disse que os tempos atuais são de substituição da cooperação pela competição e que a supremacia do interesse público é substituída pelo interesse privado, com governos ficando reféns de empresas.
Comentou que para além de governos fecharem conselhos, “o que não deveria acontecer”, se valem de “mecanismos perversos” que tiram seus poderes desrespeitando o papel deliberativo. Também destacou que existem conselhos sem paridade que não conseguem atuar e ficam na mão do poder econômico. “São problemas a serem levados em conta pra reverter o processo de fragmentação”, disse.
Por fim, explicou o funcionamento de um Comitê da Bacia Hidrográfica, que faz a mediação dos interesses dos diversos grupos sociais que utilizam os rios e levam para órgãos técnicos criarem estratégias, regras e políticas públicas. “A gente só não conseguiu fazer isso porque não é interesse do governo do Estado porque a água é um fator que está sendo estimulado para a privatização”, alertou.
Os desafios da comunicação
A jornalista e educadora popular Raquel Baster, do Intervozes, trouxe sua experiência e os debates de outra mesa sobre o tema do FSM 2023 para pensar a comunicação na participação social. Destacou o cenário “de grande risco de se comunicar no Brasil” que foram os últimos quatro anos. “Tivemos muito medo de serem perseguidos, tivemos companheiros de luta assassinados, jornalistas violentados fisicamente durante o trabalho”, disse.
Destacou um problema que vem desde a época da redemocratização, a concentração midiática, com poucos grupos detendo concessões públicas de radiodifusão. Além disso, chamou a atenção para a necessidade de se repensar as formas de participação nas plataformas digitais. “Quem são os donos dessas plataformas”, questionou, afirmando que a internet ampliou as formas de se expressar, mas continua fazendo recortes sociais discriminatórios.
“Tem que minimamente começar a regular a mídia pensando que já tá na Constituição brasileira, em seu capítulo 5. Regular não é censurar, a censura já está acontecendo a partir do momento em que a gente não tem pluralidade nessa mídia”, assinalou.
“Tirar lições das nossas experiências”
“É preciso construir um mundo de igualdade e paz e não há como construir sem aprendermos uns com os outros e não estivermos dispostos mais a ouvir do que falar”, disse Olívio Dutra, ex-governador gaúcho e criador do Orçamento Participativo (OP) quando prefeito de Porto Alegre. Segundo ele, ao invés de tratar ignorância com ignorância, a militância social deve retomar experiências de base para ter capacidade de enfrentar o atual cenário brasileiro, que passa por uma esperança despertada no início do governo Lula.
Lembrou que o Orçamento Participativo “não foi tirado da manga do colete de uma administração do campo democrático e popular. Veio por dentro do movimento social, popular e sindical”. Exaltou experiências atuais como cooperativas e assentamentos e sugeriu “tirar lições das nossas experiências, dos seus limites, dos seus erros e dos seus acertos e potencialidade”.
“Precisamos de uma reforma tributária”
Um dos temas que Olívio considera relevante ser tratado de forma ampla com a sociedade é a questão tributária. “Como se discute isso? No OP ficamos limitados a discutir a qualificação de serviços tal era a situação da nossa população, principalmente nos bairros e periferias”, comentou.
“Os que pagam pouco imposto ou não pagam e tem enorme capacidade contributiva estão toda a hora dizendo que a carga tributária é pesada, e nós não discutimos isso. Precisamos de uma reforma tributária. A carga tributária não é pesada, é injusta, quem tem menos paga mais e quem tem mais paga menos”, finalizou.
Participação capturada
Em sua fala, Frederico Viana Machado, do Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde da UFRGS, compartilhou aprendizados dos seus estudos, centrados na experiência dos conselhos de participação social. Afirmou que a participação que não dialoga com as bases da sociedade não resolve os problemas.
Retomando um estudo feito sobre documentos das Conferências Nacionais de Saúde, o professor ressaltou que a noção de participação social foi se transformando ao longo do tempo. Partiu de uma consciência de construção conjunta e envolvimento dos atores para, aos poucos, observar a penetração de ideias neoliberais de participação.
Segundo Frederico, ainda citando o estudo, o enfoque da atuação em instâncias participativas, sobretudo nos conselhos, passaram a estar focadas em “formas de burocratização, excessivamente formalizadas e muito mais fiscalizadoras do que propositivas. Essa forma respectiva transforma essas instâncias em algo próximo de um balcão de reclamações de uma repartição pública”.
Brasil de Fato foi lançado no FSM 2003
Eliane Martins, integrante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), recordou os 20 anos de lançamento do Brasil de Fato. O jornal, construído por setores populares e movimentos sociais aconteceu justamente durante o 3° Fórum Social Mundial, em 2003, também em Porto Alegre, tendo ela própria como mestra de cerimônia daquele evento.
Criar terreno para a participação
Conforme recordou, os movimentos sociais têm como referência de participação e trabalho de base o período dos anos 80. “Quando chegamos no momento atual, não encaixa”, disse.
Também afirmou ser necessário fazer o debate entre os movimentos sobre qual é o tipo de participação social que será exigida do atual governo. “Não apenas sentar na mesa pra ouvir, mas também falar”, assertou. Para ela, os métodos precisam ser revistos.
“Como fazer? Desde o golpe em 2016, em qualquer mesa ou atividade da esquerda brasileira, a gente fala sobre retomar o trabalho de base e a formação política. Chega de repetir isso e não falar como fazer isso. É o passo a ser dado agora, será uma engenharia política entre nós movimentos, sindicatos e partidos com o governo”, avaliou.
Eliane também provocou que essa articulação certamente não será fácil, mas elencou algumas ideias. Sugeriu que não bastam as políticas públicas e deixar “as cabeças soltas”, sendo necessário fazer o embate ideológico. “Nós precisamos organizar a disputa das ideias pela prática. Quem faz isso? São os militantes. Precisamos construir formas para criar condições para preparar o terreno da participação, que está destruído.”
Comunicação pública para aumentar a participação
O secretário adjunto de Comunicação da CUT e integrante da executiva do FNDC, Admirson Medeiros Ferro Junior (Greg), adentrou o tema da participação social defendendo a reconstituição imediata do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). “Estamos vivendo um momento especial, nós precisamos capacitar os nossos conselheiros. Para construir as políticas públicas, nós temos que ter quadros, a formação é fundamental”, disse.
Afirmou que o debate é necessário pois o momento é de pensar o que fazer com a comunicação no país. “A necessidade de priorizar isso é por que todas as pessoas e as entidades que estão presentes hoje precisam de uma comunicação pública de verdade, a sociedade civil deve estar presente na construção dos conteúdos que são produzidos nesse país”, defendeu.
Conselhos resistiram a ataques
Leonardo Pinho, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), relatou como o conselho passou por um período em que resistiu a diversos ataques, tentativas de intervenção e retirada de autonomia financeira e política, advindos do governo Bolsonaro. “Não é por acaso que o governo anterior começou reestruturando ministérios e acabando com o Consea. Naquela medida provisória já havia o germe do ataque à participação social. Logo após, houve o ataque e tentativa de desconfiguração de dezenas de conselhos”, relatou.
Afirmou que também não é por acaso que um governo que iniciou suas ações com essas tentativas de atacar a participação social seja o mesmo que termine com uma tentativa de golpe de Estado. “A democracia brasileira construída a partir da luta contra ditadura, que culminou na Constituição e na construção de sistemas de direitos, era o centro do ataque do governo anterior”, disse.
Relatou também que, nesse contexto, o CNDH atuou para garantir sua autonomia, construindo, em parceria com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), uma Comissão Permanente de Participação Social, com o objetivo de questionar os ataques feitos pelo governo aos conselhos.
“Ninguém se organiza com fome”
Edegar Pretto, atualmente presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), fez uma breve saudação, afirmando que está atuando na construção de um novo projeto de país.
Sua atuação na Conab, afirmou, faz parte de uns dos principais compromissos do atual governo, que é o combate à fome. “Ninguém age, se organiza ou se mobiliza se estiver com fome. Nós anunciar de novo pro mundo que o Brasil erradicou a fome”, disse.
Fonte: Brasil de Fato-RS
Texto: Pedro Neves e Marcelo Ferreira
Data original da publicação: 31/01/2022