Sindicalismo dá mostras de vitalidade no centro do sistema. Jovens que ficaram de fora do “sonho de consumo” impulsionam onda de protestos e greves, desde 2018. Eles já não querem apenas salários melhores — querem voz na política.
Rôney Rodrigues
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 18/04/2019
Trump propagandeia que é o responsável por um boom econômico “sem precedentes” no EUA. O problema é que muitas trabalhadoras e trabalhadores não estão recebendo nenhum pedaço desse grande “bolo de prosperidade” – se é que ele existe. Decidiram, então, lutar por seus direitos, um fato insólito dado o frágil sistema de direitos trabalhistas estadunidense. Por isso, o ano passado foi histórico para os EUA, representando uma efervescência sindical depois de um refluxo de quase cinco décadas.
Afinal, desde a metade dos anos 1970, começou-se uma fase de implantação de políticas neoliberais: além de privatizações e desregulamentações, uma nova organização do trabalho: fragmentação e terceirizações, acompanhadas da transferência de fábricas para regiões com menos sindicatos e legislação trabalhista. Cresceram, também, os macjobs: empregos temporários e precários, sem direitos e sem benefícios e mal remunerados que exploram a força de trabalho principalmente de jovens, mulheres e imigrantes.
Mas vamos recapitular esse intenso 2018 trabalhista dos EUA. Professores de dez estados paralisaram suas atividades reivindicando melhorias na educação pública. Em Los Angeles, foram 300 mil, numa mobilização ruidosa, que tomou as ruas por várias semanas e repercutiu em todo o país. O movimento Fight for $15, que exige que o salário mínimo federal seja aumentado para 15 dólares por hora, ganhou força nas ruas. Milhares de funcionários do Google entraram em greve contra o comportamento inadequado de alguns executivos, acusados de assédio sexual. Funcionários da rede hoteleira Marriott realizaram, conjuntamente, greve em vários estados por melhores salários e condições de trabalho. O Black Lives Matter, movimento organizado contra a violência sofrida pela população negra, também está fortalecido e participou de vários atos pelos direitos civis. A Amazon desistiu de construir uma sede em Nova York, fato motivado, em grande parte, por uma série de denúncias contra suas práticas antissindicais.
As grandes empresas parecem estrangular os trabalhadores – e apesar, ou justamente por isso, cresce o apoio ao movimento sindical. E quem está liderando essa aparente mudança no cenário político dos EUA é justamente uma das faixas mais exploradas em trabalhos estilo macjobs: jovens com menos de 35 anos, a conhecida Geração Millennials.
A nova cara dos sindicatos
Essa “juventude sindicalista” é composta, geralmente, por trabalhadores recém-ingressados no mercado com dívidas estudantis, empregos instáveis e com alugueis caríssimos para pagar no final do mês. Eles não veem outra opção a não ser buscar ferramentas institucionais, como os sindicatos, para reivindicar melhores condições de trabalho e de vida. De acordo com o Bureau of Labor Statistics dos EUA, de 2016 para 2017, aumentou em 400 mil o número de novos sindicalizados com menos de 35 anos, enquanto na faixa etária superior a essa se manteve estável. No entanto, a taxa geral de adesão aos sindicatos estadunidenses está caindo com o passar dos anos.
De acordo com Steven Pitts, professor de trabalho da Universidade da Califórnia, em entrevista para o Quartz at Work, três fatores podem explicar essa mudança na composição dos sindicatos.
1-Algumas indústrias dos EUA com forte taxa de sindicalização, como de empresas manufatureiras e de mineração, estão se contraindo. “Se uma fábrica de aço for desligada”, afirma Pitts, “não são apenas os empregos perdidos. Você também perde muitos sindicalistas ” — alguns com décadas de ação e experiência.
2- Os jovens não se lembram das décadas de 1970 e 1980, quando os sindicatos foram demonizados na imprensa pelas grandes empresas e pelos políticos, acusados de “matar empregos”, “fachada para gângsters” ou “antro de imigrantes”. Logo, não se contaminaram por esse discurso conservador. O professor também vê um paralelo entre a ascensão dos sindicatos e o ressurgimento do socialismo.
3-Trabalhadores de setores não tradicionais, principalmente de serviços ligados a tecnologia, começam a formar seus próprios sindicatos. Promovem comunicação direta com os jovens, por meio de encontros presenciais e mídias digitais. Junto com a perda do poder de compra, nos últimos anos, este diálogo amplia a adesão sindical.
O professor Pitts acredita, no entanto, que o aumento da filiação sindical também é motivado pelo aumento da oferta de empregos: em 2018, os EUA tiveram uma das mais baixas taxas de desemprego em 50 anos, ao mesmo tempo em que não houve um significativo aumento do salário real – e os custos de vida, como em saúde, educação e habitação, aumentaram muito. Ou seja: mais pessoas empregadas com baixos salários resulta em uma maior taxa de sindicalização.
Quais as estratégias de luta dos sindicatos?
Quando Trump paralisou as atividades do setor público estadunidense como chantagem para que o Congresso aprovasse um financiamento para a construção de um muro na fronteira com o México, Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo, uma das mais conhecidas lideranças trabalhistas do país, defendeu arduamente que se realizasse uma greve geral contra a política orçamentária do presidente, o que agitou a militância sindical e os funcionários públicos federais. A Associação de Educação de Professores de Milwaukee (MTEA) – que sempre se manteve distante dos sindicatos e, muitas vezes, até entrando em choques com a população negra estadunidense que atendia – recentemente reinventou-se. Quando o ex-governador de Wisconsin, Soctt Walker, lançou um violento ataque às negociações coletivas dos professores, aproximou-se da comunidade para promover uma visão igualitária e uma educação inclusiva, inspirando outros professores em todo o país.
O que há em comum entre esses dois episódios, e os vários protestos de 2018, é a aposta que a luta sindical deveria ser feita também na esfera política, com negociações em setores mais amplos da economia (ao contrário de antes, onde eram limitadas e fragmentadas por estado, cidade ou empresa).
Nelson Lichtenstein, professor de história da Universidade da Califórnia, entrevistado para um especial da revista Dissent, analisa: os trabalhadores entenderam que, se o capital está articulado sem fronteiras, eles também deveriam fazer o mesmo. O desafio de agora, segundo ele, é construir um poder opositivo e ativo em uma sociedade dominada pelo capital. Afinal, a cada dia, é consenso entre os lideres sindicais que uma reforma da legislação trabalhista estadunidenses é fundamental não somente para corrigir o regime de trabalho e emprego precários, mas também como forma de combater a desigualdade econômica e política no país.
Há um crescente consenso entre os líderes sindicais de esquerda, acadêmicos e especialistas em políticas públicas: a reforma da lei trabalhista fundamental é necessária não apenas para corrigir um regime de trabalho e emprego quebrado, mas também para lidar com a desigualdade econômica e política.
Ruth Milkman, socióloga do trabalho, também em entrevista ao Dissent, destaca que durante muitos anos era recorrente culpar os imigrantes pela precarização do trabalho nos EUA – uma estratégia diversionista já sacada pelo movimento sindical, com exceções na construção civil. Segundo ela, mesmo relativamente enfraquecidos, os sindicatos continuam como o maior contrapeso organizacional ao poder do capital – e essa renovação promovida pelos jovens millennials pode ser um componente crucial para a própria renovação da esquerda estadunidense.
Rôney Rodrigues é jornalista formado da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru) e membro da redação de Outras Palavras.