“Eu me submeto 12 horas dentro do carro trabalhando para no final do mês conseguir pagar os meus débitos”. Entrevista com Luiza Mariano da Silva, motorista de plataforma

Seguindo a série de entrevitas com trabalhadores de aplicativos do projeto “Trabalhadores de Apps em Cena”, esta entrevista foi realizada com Luiza Mariano da Silva, motorista de plataforma digital em Fortaleza e Administradora do grupo “Feras no volante”.

Luiza Mariano da Silva. Fotografia: Arquivo Pessoal

Confira a entrevista.

ADALBERTO CARDOSO: Vários entregadores se consideram autônomos, alguns se consideram empreendedores etc. No entanto, houve esse movimento importante, em algumas cidades do Brasil, desses trabalhadores, que se veem como autônomos contra as empresas. O breque dos entregadores é um exemplo. Houve outros. Greve, a gente pode chamar isso de greve. Se a gente fosse pensar que essas pessoas são empregadas de uma empresa, isso seria uma greve, mas chamou-se de “breque”. Ou seja, o “breque” contra uma empresa reconhece que há uma empresa que contrata o trabalho dessas pessoas e que, portanto, essas pessoas são empregadas. Você, ao fazer uma greve desse tipo, você está provocando um prejuízo para a empresa. Então, como é que você vê essa, quase uma contradição, de se chamar de “autônomo” e, ao mesmo tempo, fazer uma greve contra uma empresa que contrata o seu trabalho de autônomo?

Bom, normalmente, as greves que foi feita, as manifestações que, pelo menos, nós, motoristas de aplicativo, fizemos somos a tarifa. Porque a tarifa dos aplicativos hoje é mais baixa, né, mais baixa do que o preço de um litro de gasolina, que a gente tá consumindo. E isso nunca teve reajuste. Desde que vieram pro Brasil, que elas tão atualizando no Brasil. E elas não, não… tem horas que elas cobram um preço absurdo do passageiro. E, quando vai fazer o pagamento pra nós, que somos as pessoas que fazemos esse tipo de trabalho pra ela, o lucro, a margem é muito mais baixa do que o esperado pra gente. Então, hoje, praticamente, motorista de aplicativo tá trabalhando mais pra poder conseguir se manter na profissão.

ALDACY COUTINHO: Você tem algum planejamento para o dia em que não puder mais trabalhar, por questão de idade ou doença? E, se isso acontecer, acha que o Estado deve garantir uma renda mínima para que você e sua família possam sobreviver?

Bom, planos, a gente tem muito, né. A gente sabe que não vai viver o resto da vida como motorista de aplicativo. Então, sim, eu tenho os meus planos. Eu sou empreendedora. Extra, né. Já para garantir que futuramente eu possa ter algum benefício na minha aposentadoria. E eu creio que, sim, o governo possa dar, sim, uma contribuição.

CHRISTIAN DUNKER: Em quais situações você percebeu que a empresa ou o aplicativo exigia de você o aumento de tomada de risco? Você acha que nestes casos a ordem visou apenas o aumento de produtividade ou a transferência do risco para você? Por exemplo: se você quiser fazer esta entrega, neste tempo, nestas condições, o risco será seu e se algo der errado os custos serão só seus.

A partir do momento que ela colocou pra você continuar no aplicativo uma taxa de aceitação, um desempenho dentro do aplicativo, que, se você não tiver uma avaliação, tá entendendo, porque, muitas das vezes, nós, motoristas de aplicativos, não somos avaliados pelo trabalho que a gente prestou, mas sim por alguma coisa que a gente não faz pro cliente. Por exemplo, excesso de passageiro ou fazer uma parada num local que não é permitido. Então, esse tipo de situação, quando você se obriga a ter uma taxa de aceitação, e, pra você ter uma taxa de aceitação, você tem que se sujeitar a fazer várias corridas. E, querendo ou não, você acaba caindo em lugares perigosos. Lugares que colocam a tua vida em risco, tá entendendo. Então, eu acho que nesse requisito é o principal. Já que a gente é autônoma, se eles estão contratando, eles não deveriam taxar uma taxa de aceitação pra você. Porque a gente trabalha na hora que a gente quer. A gente tem que fazer corrida pra onde a gente quer ir. Não pra onde eles determinam. Então, se você começar rejeitar corridas, começar rejeitar corridas, na hora, o aplicativo começa a te mandar mensagem, dizendo que a tua taxa de aceitação tá baixa, que não tá de acordo com aquele local, tá entendendo. Então, isso acaba atrapalhando, eu creio. E, quanto ao fator de risco, cara, é muito difícil, porque eu sou uma motorista que rodo praticamente em todos os lugares, por saber de necessidade de pessoas. Eu acho que a mesma pessoa que tá no centro e na área nobre dentro da cidade tem o mesmo direito de quem tá na periferia, mas a gente acaba rejeitando esses local, por quê? Porque a gente não tem nenhum tipo de respaldo. Nenhum tipo de respaldo do aplicativo. A gente manda pra eles, acontece as coisas com a gente, simplesmente eles dizem que vão tomar as providências deles no aplicativo. E a gente arca com os prejuízos que a gente tomou. Perda de celular, perda de dinheiro, de tudo.

GABRIELA DELGADO: Quanto tempo você fica disponível para um aplicativo aguardando ordens? Há alguma mobilização coletiva que você conheça ou participe, no sentido de reivindicar que o tempo à disposição para a plataforma seja pago?

Pronto, eu trabalho em média 12 horas por dia, no aplicativo, pra mim cumprir, poder fazer uma meta que dá pra mim sobreviver, cumprir com os meus compromissos. E, até o presente momento, a gente não tem nenhum argumento pra fazer manifestação por esse tempo de espera. Não, não. Não conheço nenhuma, não. Até o presente momento, não conheço nenhuma, não.

GUSTAVO TADEU ALKIMIM: Uma das coisas que mais me chama a atenção com relação aos trabalhadores por aplicativos é a absorção do discurso de que são empreendedores e não empregados. Um discurso com viés neoliberal claro, pois traz a ideia de uma suposta liberdade que estimula a competição do trabalhador consigo mesmo e o individualismo. Com isso, mina a expectativa de aglutinação em torno de um sindicato, fazendo com que estes trabalhadores se agreguem mais nos movimentos sociais, desprezando (ou ultrapassando) o projeto de sindicalismo. Minha indagação, então, é se esta análise corresponde a uma realidade e, se sim, como enfrentar este desafio? Em suma, quais as perspectivas de uma atuação coletiva e organizada dos trabalhadores por aplicativo?

Pronto, essa é uma questão muito boa! Sim, o serviço de aplicativo, ele te dá a opção de você criar o seu horário, de fazer as suas outras coisas, que você precisa fazer no seu dia a dia. E, quanto à criação de sindicato, sim, hoje existem associações que já foram criadas pra lutar pela melhoria da categoria. Por exemplo, lugares pra você estacionar nos aeroportos ou rodoviárias. Ter um lugar para você embarcar e desembarcar os passageiros. Porque infelizmente, hoje, pra nós, é muito difícil. Tem lugar que a gente não tem acesso pra fazer embarque e desembarque. Então, existe, sim, associações que já lutam por isso. Pelo menos, aqui, em Fortaleza, tem duas associações que já faz esse tipo de trabalho.

JOSÉ EYMARD: Como você acha que daria para combinar uma maior autonomia no trabalho, com remuneração justa, proteção social, períodos remunerados de descanso e crescimento profissional? E quais responsabilidades você atribuiria para a plataforma que se vale dos serviços e remunera apenas em parte, sem agregar nenhum valor além do preço pelo serviço realizado?

Pronto, justamente. Eu acho que, se o preço da tarifa, principalmente da tarifa que eles cobram da gente por quilômetro, km rodado, vamos dizer, tivesse um reajuste que desse pra nós, motoristas de aplicativo, pelo menos, uma renda melhor, isso sem incluir, porque, muitas vezes, ele super aumenta o valor da corrida pro passageiro e, pra nós, chega muito pouco, então, se fosse estabelecido uma tarifa justa, que desse pro motorista se manter, pagar seus, seus INSS, suas coisas, seria muito melhor pra nós e a gente teria uma qualidade de vida melhor.

Porque hoje, infelizmente, pra você ter uma renda que deixe você manter um carro, seu salário, exemplo, eu sou mãe solteira, eu banco tudo dentro de casa, tá entendendo, então, eu tenho que pagar carro, aluguel, luz, água. Eu tenho filho pra cuidar. Então, eu hoje, eu me submeto a passar 12 horas dentro do carro, trabalhando pra, quando chegar no final do mês, eu conseguir pagar os meus débitos, tá entendendo.

Mas, se você me perguntar hoje se eu faço alguma contribuição, não faço, porque hoje eu não tenho condições de fazer. Justamente, por causa disso, os valores são muito baixos, a tarifa é muito baixa. Hoje o valor mínimo de uma corrida é R$ 4,50 pra você iniciar. O valor da gasolina aqui, em Fortaleza, tá R$ 6,45, de 1 litro de gasolina. Então, eu tenho que trabalhar praticamente dobrado pra mim conseguir abastecer o carro e tirar alguma coisa pra mim.

MÁRCIO POCHMANN: O enfraquecimento da relação salarial abriu caminho para a ascensão da mobilização social em torno das estratégias de busca de créditos a qualquer custo para financiar o padrão de vida. Além do endividamento, o trabalho através do uso dos aplicativos tem permitido obter recursos para tentar equilibrar o orçamento doméstico. Tendo em vista se tratar do trabalho de tipo nômade, sem mais a garantia da estabilidade, como pensaria o futuro da vida laboral?

Realmente, vendo por esse lado, é bem complicado, porque muita gente hoje não tem mais a disponibilidade de ficar presa a um local, de se sujeitar a todos os horários, cargo fixo, que é uma das oportunidades que o aplicativo te dá, que realmente chama a atenção nossa.

TARSO GENRO: Os trabalhadores de App, eles não são trabalhadores dependentes clássicos e nem tem uma subordinação clássica. Podem tê-la, se for estabelecida uma relação contratual desde o começo. Mas eu entendo que, na verdade, nós precisamos de um novo sistema protetivo. Mais amplo, mais profundo e mais radical que a CLT. Porque esses trabalhadores, na verdade, eles podem se transformar em modernos escravos, com uns empregadores abstratos e irresponsáveis permanentes com as suas obrigações. Vocês não acham que isso é importante, um novo estatuto protetivo para este novo mundo do trabalho?

Acho, sim. Acho que é muito importante e concordo com essa citação que ele falou. Muita das vezes, a gente precisa, sim, se organizar, principalmente, nessa área. Entendeu?

CONSIDERAÇÕES FINAIS DE LUIZA MARIANO DA SILVA: Não, não. Acho que tudo já foi dito. Não tenho nada pra fazer de considerações.

Fonte: GGN
Data original da publicação: 21/01/2022

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