Estudo indica que mineradoras teriam deixado de pagar US$ 5 bi em impostos

Fotografia: Beatriz Novaes/Unsplash

Estudo inédito do Instituto Justiça Fiscal (IJF), organização formada por economistas e auditores da Receita Federal, e coordenado pelo Observatório da Mineração, indica que mineradoras no Brasil teriam deixado de pagar US$ 5 bilhões (R$ 25,2 bilhões) de impostos em quatro anos, de 2017 a 2020.

Os dados de pagamentos de impostos de empresas são sigilosos, então não há certeza se houve mesmo irregularidades e qual o seu tamanho. Mas os especialistas dizem que tudo indica que houve e afirmam que chegaram a essa conclusão e ao valor de US$ 5 bilhões considerando os movimentos de exportação, a legislação e outros dados do setor de mineração. Os valores de exportações seriam subfaturados, o que geraria menos impostos a pagar. As empresas negam irregularidades.

“Caso esse subfaturamento não tenha sido adequadamente ajustado nas declarações tributárias feitas pelas empresas, isso representa uma evasão estimada de tributos da ordem de US$ 5,073 bilhões no período 2017-2020, correspondente a US$ 1,268 bilhões por ano”, dizem os pesquisadores Guilherme Morlin e Isabela Callegari. Os dados foram atualizados em relação a um estudo publicado pelo IJF em 2017.

Exportações por valores abaixo do real

Segundo os pesquisadores, uma das supostas formas de pagar menos impostos é a declaração de preços de exportação abaixo do real. A manobra fiscal usaria paraísos fiscais, como a Suíça, para intermediar os negócios.

A empresa embarcaria minério de ferro para China e Japão, os maiores consumidores do produto. A venda da carga destinada à Ásia seria feita com um preço abaixo do mercado para escritório que as próprias empresas têm em países como a Suíça.

O escritório suíço revenderia a mercadoria com o valor correto aos asiáticos. A carga nem chega à Suíça. Como declararia um valor menor, a empresa paga menos impostos no Brasil, de acordo com o IJF. Essa manobra é chamada de preço de transferência.

Os pesquisadores do IJF destacam que mesmo leis aprovadas em 2012 (Lei 12.715) e em 2014 (12.973) não foram capazes de combater a prática de preços de transferência na exportação de commodities.

Em tese, a nova legislação impediria que o eventual lucro conseguido por subsidiárias estrangeiras, via preços de transferência, passasse sem ser tributado no Brasil.

“Contudo, a sociedade não tem como verificar se tais ajustes tributários estão sendo de fato realizados, devido ao sigilo fiscal, e até onde pudemos apurar, os órgãos da Receita seguem enfrentando dificuldades com a prática de preços de transferência e a evasão fiscal das mineradoras, apesar da aprovação das novas leis”, afirmam os pesquisadores.

Exportação exagerada para a Suíça

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), no período de 2017 a 2020, a Suíça respondeu por 89% das aquisições de minério de ferro exportado pelo Brasil, entretanto 65,8% dessas aquisições foram, na prática, destinadas à China.

“Tais informações são incompatíveis com os relatórios das principais empresas exportadoras, que afirmam que a Suíça intermedeia operações com propósitos meramente logísticos e apenas para outros países europeus”, afirma o estudo.

Subfaturar exportações ou superfaturar importações reduz o lucro tributável, o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e, no caso da mineração, a CFEM, valor pago a estados, municípios e União como compensação pela exploração mineral.

As empresas também podem optar por endividar subsidiárias e conseguir deduzir tributos por pagamento de juros a empresas do mesmo grupo em outros lugares, explicam os pesquisadores.

Estimativas do estudo

Como metodologia para o estudo, o IJF fez a estimativa das perdas tributárias associadas utilizando os preços de importação, no destino, do minério exportado, e a cotação internacional. Ambos os preços foram tomados como preços de referência e comparados com o preço de exportação praticado no Brasil.

Vale e Ibram negam irregularidades

A Vale, a Anglo American e a CSN Mineração, as três maiores produtoras de minério de ferro do Brasil ,e o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), organização que reúne as maiores mineradoras do Brasil e entidades de classe do setor, foram procurados para comentar o estudo.

Em nota, a Vale negou irregularidade e disse que não teria nenhuma vantagem com o suposto esquema:

“A Vale vai analisar o novo estudo do IJF, mas já é possível afirmar que as principais premissas deste estudo se mantêm em relação à versão anterior e, portanto, nosso posicionamento permanece válido:

“A LCA Consultores, com a colaboração do Dr. Bernard Appy, analisou o estudo do IJF – Latinidad e concluiu, em seu Sumário Executivo, que a legislação brasileira de preço de transferência não possibilita a manipulação de preços nas vendas para controladas no exterior. O estudo salienta ainda que a legislação brasileira adota o regime de tributação em bases universais, de modo que o lucro auferido no exterior por controladas de empresas brasileiras é incorporado, no ano em que foi auferido (ou seja, pelo regime de competência), à base de cálculo do IRPJ e da CSLL da controladora brasileira.

“Os preços de transferência são estritamente regulados pela Instrução Normativa 1312/2012 da Receita Federal (com suas posteriores alterações), sem margem para transferência artificial de lucros para o exterior. Além disso, a controladora brasileira não teria nenhum ganho com qualquer eventual transferência de lucros para o exterior, pois caso o lucro auferido no exterior fosse menos tributado que no Brasil, a diferença entre a alíquota brasileira e a alíquota efetiva incidente no exterior seria tributada no Brasil.

“Ou seja, a empresa brasileira não teria qualquer vantagem econômica, uma vez que a legislação brasileira captura tais lucros via tributação das controladas no exterior. Em resumo, o Estudo da Latindadd se mostra inadequado tanto por desconsiderar as atuais regras de preços de transferência, quanto por não observar a existência de regras de tributação em bases universais.”

O Ibram seguiu na mesma linha. Veja a íntegra da nota:

“Especialistas consultados pelo Ibram consideram que a legislação do Brasil relacionada ao tema preço de transferência veda eventual manipulação de preços na comercialização para organizações controladas em outras nações. E completam que uma empresa brasileira controladora de outras organizações no exterior não tem vantagem econômica, conforme exposto no parágrafo a seguir.

“Justificam que a Instrução Normativa (IN) nº 1312, do ano de 2012, da Receita Federal do Brasil, regula os chamados preços de transferência e, segundo ela, não há espaço para haver uma transferência de caráter artificial de lucros para esses outros países. Ainda que houvesse algum lucro advindo de uma transferência para o exterior, a companhia controladora situada no Brasil seria tributada aqui, caso a tributação no exterior sobre o lucro tenha sido inferior às alíquotas vigentes aqui no país.”

A assessoria da Anglo American afirmou que não iria responder diretamente e que endossaria a resposta do Ibram. A CSN Mineração não respondeu.

Atualização em 18 de maio

Em nota, o IJF acrescentou as seguintes informações:

Em relação às declarações das empresas sobre o estudo do IJF a respeito dos tributos que deixaram de ser recolhidos para o Brasil nas operações de exportação de minério de ferro para o exterior, o IJF vem chamar a atenção para o seguinte:

A resposta da LCA Consultores com a colaboração do Dr. Benard Appy no sentido de que “ainda que houvesse algum lucro advindo de uma transferência para o exterior, a companhia controladora situada no Brasil seria tributada aqui, caso a tributação no exterior sobre o lucro tenha sido inferior às alíquotas vigentes aqui no país” omite que as mineradoras apontadas no estudo quase sempre deixam de tributar os lucros de controladas no exterior com base na interpretação de que os tratados celebrados pelo Brasil com os países estrangeiros possuem norma de bloqueio que impedem o Brasil de tributá-los.

Cabe chamar a atenção que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF até 2021 tinha o posicionamento de que os lucros das controladas no exterior deveriam ser tributados no Brasil mesmo no caso da existência de tratados. Tal posicionamento estava em sintonia com a interpretação da OCDE sobre tratados. Entretanto, o forte lobby empresarial que mudou os critérios de desempate no CARF e por meio do artigo 28 da Lei 13.988/20 extinguiu o voto de qualidade a favor da Fazenda Pública, fazendo com que representantes de confederações empresariais pudessem resolver processos de forma favorável às grandes empresas, alterou o posicionamento do tribunal.

Como resultado, a própria CSN teve em 2022 processo julgado a seu favor pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF impedindo o Fisco brasileiro de tributar os lucros das suas empresas na Espanha e Luxemburgo, em decisão totalmente contrária às normas de tributação internacional (processo nº 1651.720063/201474, 1ª Câmara da CSRF). Assim, o problema apontado pelo IJF tende a se perpetuar e pode inclusive aumentar caso sejam aprovadas novas regras de preços de transferência propostas pelo atual governo.

Fonte: IJF, com Observatório da Mineração
Texto: Maurício Angelo
Data original da publicação: 17/05/2022

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