O Estado espanhol vai ter finalmente, em 2020, uma prestação semelhante à que que existe em Portugal há 24 anos, desde 1996. Primeiro com o nome de Rendimento Mínimo Garantido, agora Rendimento Social de Inserção.
José Soeiro
Fonte: Esquerda.net
Data original da publicação: 17/04/2020
Vi por aqui amigos a divulgar que o Governo espanhol ia avançar com o chamado “RBI”. Os próprios jornais anunciaram o feito: “Espanha avança com um rendimento mínimo universal em maio”, diz o Observador. “Espanha vai avançar com rendimento básico incondicional”, noticiava o Negócios. Fui ver as notícias do El País e do El Mundo para perceber de que se tratava. Apesar de o diploma legal não estar ainda feito, e não ser por isso possível lê-lo nem conhecer o detalhe, as declarações dos responsáveis espanhóis permitem compreender o que está em causa.
O Ministro da Segurança Social do Estado Espanhol explicou no Parlamento que a medida seria dirigida não aos indivíduos mas aos “agregados”, variando de valor consoante a sua composição, e teria como prioridade cerca de 100 mil famílias monoparentais. Dizia ainda que esta prestação poderia vir a chegar a um total de cerca de 1 milhão de beneficiários (cerca de 2% da população espanhola, portanto). O seu objetivo será, segundo o anúncio, “reduzir a pobreza extrema” das pessoas que ficaram sem rendimento e haverá cruzamento de dados com a administração tributária e as regiões autónomas, para que ele se articule com outros apoios sociais (para verificar, se bem entendi, se há outras fontes ou prestações que já “componham” o rendimento do agregado). Não é, portanto, nem incondicional nem universal.
Fiquei esclarecido. O Estado espanhol vai ter finalmente, em 2020, uma prestação semelhante à que que existe em Portugal há 24 anos, desde 1996. Primeiro com o nome de Rendimento Mínimo Garantido, agora Rendimento Social de Inserção. Em fevereiro de 2020, o RSI abrangia no nosso país [Portugal] 201.422 beneficiários, ou seja, cerca de 2% da população portuguesa, um universo exatamente com a mesma proporção do que anunciou o Governo espanhol (em Portugal deve ter subido entretanto, dada a situação de crise, mas os dados não estão disponíveis). Em Portugal, também o rendimento mínimo garantido, agora RSI, é uma prestação que não tira as pessoas da pobreza, mas que se dirige a minorar a severidade dessa pobreza, calculada com base no rendimento dos agregados e que se dirige a quem, pela informalidade do seu trabalho ou por não se encontrar sequer em condições de trabalhar (caso das crianças beneficiárias), não está coberto por outras prestações, como o subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego. É curioso por isso que haja gente tão entusiasmada com o tardio e aparentemente modesto RSI do país vizinho.
A discussão sobre um apoio monetário incondicional e universal, através do qual o Estado passaria a pagar os mesmo 300 ou 400 euros por mês ao precário despedido da GALP, ao patrão que o despediu e ao acionista que vai receber os milhões de dividendos que serão distribuídos esta semana (um apoio “individual, incondicional e universal”, igual para todos os cidadãos sem exceção, é isso), é uma ideia possível, o que não quer dizer que seja uma ideia boa, razoável ou progressista. Mas, não querendo ser desmancha-prazeres, não tem nada a ver com o que é anunciado em Espanha por estes dias.
Se querem uma opinião sobre prestações sociais e garantia de rendimentos, deixo-vos a minha. A prioridade em Portugal, neste momento, parece-me ser a seguinte: alargar o apoio aos trabalhadores independentes, não deixando de fora quem esteve no primeiro ano de isenção ou quem tem descontos intermitentes, e aumentando o valor desse apoio (nunca deve estar abaixo do limiar de pobreza, como propõe o Governo), que deve chegar a todos ainda em abril; diminuir os prazos de garantia do subsídio de desemprego, para que todos os precários e temporários que já ficaram sem emprego possam aceder a essa proteção; e alargar e simplificar o acesso ao RSI, para que nenhum trabalhador informal e sem descontos ou ninguém em situação de pobreza fique de fora, ou tenha de esperar três meses pela sua atribuição. Estas três medidas de emergência fariam toda a diferença a quem precisa.
José Soeiro é dirigente do bloco de Esquerda e sociólogo.