Ergon Cugler
Fonte: GGN
Data original da publicação: 19/08/2019
Na contramão do bem estar do trabalhador e do desenvolvimento econômico, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (13) o texto base da Medida Provisória 881/2019 que Jair Bolsonaro (PSL) havia publicado em abril. Dentre as principais alterações da MP 881/19, estão a autorização de trabalhos aos domingos com restrição de folga inclusive de professores e a dispensa de alvarás de funcionamento para 78 categorias de comerciantes e prestadores de serviço.
Na retórica do Governo – em especial de Paulo Guedes, Ministro da Economia – a flexibilização das relações trabalhistas poderiam gerar até 3 milhões de emprego. Ocorre que, desde a votação da PEC do Teto dos Gastos (EC 95/2016), da Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) e da recente Reforma da Previdência (PEC 06/2019), o desemprego apresenta tendência de crescimento em níveis alarmantes. Há ainda a mais recente prévia do PIB que apresenta recuo de 0,13% no 2º trimestre de 2019, configurando cenário de recessão técnica e fracasso das reformas liberalizantes herdadas do governo de Michel Temer (MDB).
Prazo apertado
Mesmo com incertezas dos parlamentares da base do Governo e aliados em relação aos possíveis impactos da chamada MP da Liberdade Econômica, existe urgência do Executivo em garantir sua aprovação no Congresso, pois caso não ocorra até 27 de agosto, a Medida perderá a validade e não poderá ser reenviada para votação.
Impedido por ameaças de inconstitucionalidade, o projeto queria desobrigar, por exemplo, a criação da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) em pequenas obras e empresas. Como alternativa, o Governo optou por revogar 25 dispositivos da CLT no corpo do texto, dentre os quais desobriga a inspeção prévia de segurança e medicina do trabalho para o início das atividades da pessoa jurídica, comprometendo vidas e a qualidade do produto ou serviço prestado.
Em meio a preocupante taxa de desemprego que ultrapassa a marca de 13 milhões de trabalhadores, a MP ainda extingue o Fundo Soberano do Brasil – poupança pública criada para amenizar efeitos de crise – comprometendo ainda mais a ação do Estado na construção de alternativas para as problemáticas que o Brasil enfrenta e contrariando a votação já realizada que definiu pela rejeição da MP 830/18 – que previa a extinção do Fundo.
Trabalhador vulnerável
Em abril, Bolsonaro já havia decretado (9759/2019) a extinção de quase 40 órgãos de fiscalização da sociedade civil, dentre os quais estão a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), o Conselho de Relações do Trabalho (CRT), a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) e a Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados (Cnatre).
Aliado à MP, há ainda o decreto nº 9.944 (julho) que reduz a quantidade de membros do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) de 30 para 18 participantes. O ato remove o Itamaraty e os Ministérios da Casa Civil e Turismo da composição, centralizando as decisões para os Ministérios da Economia, Agricultura e Mulher, Família e Direitos Humanos.
O CNT perde também a responsabilidade de “promover o primado da justiça social e o tripartismo no âmbito trabalhista, com vistas à democratização das relações de trabalho”, reduzindo sua atuação a “propor políticas e ações para modernizar as relações de trabalho”, deixando de acompanhar o cumprimento dos direitos constitucionais dos trabalhadores urbanos e rurais. Por fim, o decreto 9.944/2019extingue o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), espaço estratégico de diálogo entre Governo, centrais sindicais e empresários para elaboração de pautas comuns no combate ao desemprego e melhoria das condições de trabalho.
Desmonte progressivo
Somado aos recentes relatórios da ONU que denunciam o Brasil enquanto líder do ranking de desindustrialização precoce no mundo, as reformas liberalizantes estimuladas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM) consolidam um lastro globalizante de flexibilização das relações trabalhistas que abre brecha para o desmonte de direitos e precarização das relações de trabalho.
Há também os estudos recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que utilizam de dados da taxa de investimento produtivo no Brasil nas últimas décadas – sendo esta a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – e posicionam 152 países, de uma amostra de 172 economias, com taxa de investimento superior à brasileira (88,4% do total). Tal dado evidencia a necessidade de esforço multifacetado e estratégico para recuperar o fôlego econômico e combater a alta do desemprego, na contramão do discurso imediatista do atual governo.
Entre medidas provisórias e decretos, o Governo Bolsonaro demonstra cada vez mais esforços em desarticular os mecanismos de proteção ao trabalho de maneira autoritária, distanciando o Congresso Nacional e o povo da discussão das transformações nas relações trabalhistas. Neste contexto, acirra-se a polarização e resulta na elevada ociosidade da economia, fator que, atrelado aos baixos investimentos públicos no setor produtivo, desestimula inclusive o investimento privado.
Sem perspectivas reais de retomada do desenvolvimento econômico, o Brasil segue à mercê das variações de um presidencialismo em crise. Enquanto milhões sofrem e caminham à escuridão, traz-se cada vez mais luz à urgência de defender direitos e garantias fundamentais ao recuperar a mínima seriedade da política brasileira.
Ergon Cugler é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
[…] em [ Jornal GGN ] [ DMT em Debate ] e [ The World News […]
[…] Diante do caos, a aposta de Bolsonaro é na polarização como tática para manter a base radical ativa e o cálculo político-eleitoral viável, nem que isso custe até mesmo a saúde do povo. Afirmar que preservar a vida vai quebrar a economia é tão irresponsável quanto quando falavam “ou menos direitos e empregos, ou todos os direitos e nenhum emprego” e, afinal, cá estamos: com menos direitos e ainda sem empregos. […]
[…] Diante do caos, a aposta de Bolsonaro é na polarização como tática para manter a base radical ativa e o cálculo político-eleitoral viável, nem que isso custe até mesmo a saúde do povo. Afirmar que preservar a vida vai quebrar a economia é tão irresponsável quanto quando falavam “ou menos direitos e empregos, ou todos os direitos e nenhum emprego” e, afinal, cá estamos: com menos direitos e ainda sem empregos. […]
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