Os esforços que tornaram possível a saída do Brasil do Mapa da Fome, em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, não garantiram que o mesmo cenário fosse mantido nos governos seguintes. Longe de ser um problema circunstancial, a situação que temos hoje no terceiro maior produtor de comida do mundo é fruto de uma gestão pública voltada aos interesses do agronegócio exportador em paralelo com o desmonte de políticas públicas que garantiam a comida no prato.
Resultado disso é o aumento da insegurança alimentar em todos os níveis. Como mostrou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a fome atinge 33 milhões de brasileiros, um crescimento de 70% em relação aos resultados da mesma pesquisa realizada em 2020.
Responsabilizar a pandemia de covid-19 por esses números pode ser uma saída fácil para escapar das escolhas políticas que nos trouxeram até aqui. É necessário relembrar que o vírus foi um dos fatores: não o único, muito menos o principal.
Apesar da política de morte encampada pelo governo nos últimos quatro anos, não foi na gestão Bolsonaro que a escalada da fome começou. A Pesquisa de Orçamento Familiares (POF) de 2017-2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que 84,9 milhões de pessoas sofriam com alguma dificuldade para adquirir comida. À época, a fome era realidade para pelo menos 10,3 milhões de pessoas.
O então governo Michel Temer atribuiu o problema ao desemprego. Uma relação neoliberal de mão única: não trabalha, não recebe salário, não come. A saída passou pelo encolhimento do Estado com o afrouxamento dos direitos trabalhistas e pela austeridade fiscal em forma de desinvestimento do poder público em ferramentas de proteção social. Assim, aprovou-se a Reforma Trabalhista sob a promessa de gerar empregos (informais, sem direitos e garantias) e uma Emenda Constitucional (PEC 95) que congelou os gastos públicos primários, como saúde e educação, por 20 anos, para supostamente controlar o endividamento público.
Seguindo a toada de precarização da qualidade de vida do então presidente Temer, a partir de 2019 Bolsonaro encampou a política de morte pelo estômago. Veja a seguir por que a fome foi agravada em seu governo:
1- No primeiro dia de mandato, Bolsonaro extinguiu do Conselho de Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea;
2- A previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA (que foi renomeado para Alimenta Brasil), vem caindo vertiginosamente;
3- Também o Programa de Cisternas vem enfrentando cortes enormes, o que tem inviabilizado a execução da política pública que visa amenizar os efeitos da seca no Semiárido nordestino;
4- Em 2019, o governo Bolsonaro demitiu servidores da área de Segurança Alimentar e Nutricional responsáveis por conduzir programas de segurança alimentar em âmbito federal;
5- No primeiro ano de mandato, o governo desativou uma parte dos estoques públicos de arroz, que garantem o abastecimento de pequenos agricultores e regulam os preços do mercado de alimentos básicos;
6- Bolsonaro puxou o freio de mão da reforma agrária; em contrapartida, durante seu governo, a grilagem de terras avançou eficientemente sobre acampamentos e assentamentos;
7- O governo Bolsonaro vem desidratando o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Pnae, que está sem reajuste desde 2017. O presidente vetou os 34% de reajuste previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada pelo Congresso;
8- Também a arquitetura político-econômica adotada pelo governo levou à disparada da inflação dos alimentos
Fonte: O Joio e o Trigo
Texto: Nathália Iwasawa
Data original da publicação: 24/10/2022