Ashik Rehman, de 47 anos, trabalhava como operário no Estado indiano de Kerala até que, há dois anos, partiu para a Arábia Saudita com a esperança de ganhar o suficiente para comprar uma casa em sua cidade natal. Agora está de volta e tem pela frente um futuro sombrio.
Seu agente de viagem lhe prometeu um emprego de vendedor em uma loja. Mas depois que ele chegou a Riad foi enviado para trabalhar em uma obra civil como varredor. Seu patrão não tomou as medidas legais para alterar sua permissão de trabalho. “Ali me trataram como um escravo. Não me deram alimentação, licença nem salário adequado”, contou Rehman à IPS.
Para piorar, a Arábia Saudita aplica uma lei de naturalização chamada Nitaqat, que obrigou Rehman a retornar para Kozhikode, sua cidade natal em Kerala, em outubro do ano passado. Ainda não encontrou trabalho. Esta lei, de 2011, obriga todas as empresas privadas a terem no mínimo 10% de empregados sauditas. Para os estrangeiros sem os documentos devidos de trabalho ou visto, a lei estipula medidas punitivas, como prisão ou deportação.
Os cidadãos indianos formam a maior comunidade de estrangeiros na Arábia Saudita, com 2,8 milhões de pessoas. A lei afetou especialmente os que não têm os documentos de trabalho adequados. “Muitos dos que contratam são evasivos quando se trata de conceder status legal aos trabalhadores. Devido à falta de interesse do meu patrocinador, tive que regressar. Agora vivo em uma casa alugada e tento encontrar uma maneira de ganhar a vida”, afirmou Rehman à IPS.
O governo da Índia calcula que 134 mil trabalhadores regressaram ao país vindos da Arábia Saudita devido à lei Nitaqat. “As agências de viagens complicam a vida dos desventurados trabalhadores migrantes”, disse à IPS Jamaludeen, que também voltou ao seu país. “Inventam empregos e empresas que não existem. Antes que os imigrantes consigam descobrir o engano, acabam em fazendas em áreas isoladas e em terras agrícolas desconhecidas nos desertos”.
A migração inversa dos trabalhadores sem documentos desde a Arábia Saudita levou os repatriados a exigirem que o governo da Índia implante um pacote integral de reabilitação para eles.
“Desde a Guerra do Golfo (1991) nos fazem falsas promessas de pacotes de reabilitação”, disse S. Ahmed, presidente do Conselho de Coordenação de Indianos Não Residentes. O governo não fez muito para ajudar os repatriados em razão da lei Nitaqat. O conselho exigiu que todas as famílias que não são residentes na Arábia Saudita e que retornam desse país sejam incluídas em um projeto de seguro integral de saúde.
As repercussões da Nitaqat se manifestam de muitas formas na Índia, em particular nos setores que dependem do dinheiro do Golfo. Algumas consequências são a desaceleração da construção, dos negócios imobiliários e das vendas de automóveis, bem como a queda do salário dos diaristas. Isso é particularmente certo em Kerala, já que, dos 2,8 milhões de indianos que estão na Arábia Saudita, um milhão são desse Estado.
Depois dos Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita é o destino mais favorecido pela população migrante da Índia. Sree Nair, pesquisadora sobre movimentos migratórios radicada em Kerala, ponderou que o governo deve garantir que os repatriados sejam reabilitados e recolocados em sua terra natal.
“Os migrantes que retornam não recebem muita atenção do governo. Mas Nitaqat gerou uma situação que deixou evidente o vazio que há no planejamento público em matéria de migrações e a dependência da economia em relação às remessas de dinheiro pelos imigrantes”, destacou Nair à IPS. Segundo o Banco Mundial, a Índia é o principal destinatário das remessas realizadas da Arábia Saudita. Só em 2012 foram US$ 8,4 bilhões.
“Os serviços para os que retornam são insuficientes. Devem receber não apenas ajuda financeira, mas uma orientação adequada sobre as possíveis áreas de utilização de suas habilidades nos mercados de trabalho nacionais ou estrangeiros. A maioria dos repatriados não busca presentes do governo, mas sua reincorporação apropriada ao mercado de trabalho”, acrescentou a pesquisadora.
Kerala é o único Estado indiano que anunciou medidas de reabilitação para os repatriados, o que inclui empréstimos e serviços sem juros como ajuda para que encontrem empregos em outros países do Golfo.
Abu Ali, assessor jurídico dos trabalhadores estrangeiros em Jeddah, disse que muitos, entre eles indianos, foram declarados foragidos por seus patrões que, dessa maneira, evitam pagar uma indenização. “Muitos imigrantes podem ter trabalhado ali por mais de dez anos, mas não existe um foro legal que acione os patrões que não cumprem as regras”, explicou à IPS.
K. U. Iqbal, repórter radicado em Riad que trabalha para a Malayalam News, uma publicação irmã da Arab News, disse à IPS por telefone que 1,3 milhão de trabalhadores indianos, que inicialmente não tinham os documentos adequados, regularizaram suas permissões de trabalho e completaram outros trâmites legais. “A maioria dos indianos arrumou seus documentos. Afirma-se que alguns imigrantes não solicitaram o status legal. Se forem pegos, enfrentarão as consequências”, detalhou o jornalista.
Vários repatriados disseram à IPS que a Nitaqat prejudicou especialmente os trabalhadores não qualificados, os empregados de escritório de meio período e os professores. Sharafudeen, natural de Mamappuram, disse que o Ministério da Educação indultou os professores sem os documentos adequados. “Porém, muitas lojas e pequenos restaurantes, que costumavam contratar regularmente os trabalhadores sem documentos, fecharam em todo o reino”, acrescentou.
Fiscais do trabalho se voltaram contra milhares de trabalhadores ilegais em uma série de ações em toda a Arábia Saudita, depois que venceu o período de anistia para que os estrangeiros regularizassem sua situação.
Shameem Ahmed, gerente-geral da Overseas Development and Employment Promotion Consultants, uma consultoria com sede em Thiruvananthapuram, capital de Kerala, citou funcionários do governo indiano em Riad para dizer que muitos trabalhadores não estavam dispostos a retornar à Índia, já que temiam que com sua situação de desemprego a carga financeira de suas famílias piorasse.
“Muitos não vão trabalhar por medo da prisão e deportação. Numerosas empresas da construção, que dependiam em grande parte da força de trabalho ilegal, suspenderam completamente seus projetos. Espera-se um drástico aumento dos preços das moradias devido à escassez de mão de obra”, ressaltou o consultor.
Fonte: Envolverde, com IPS
Texto: K. S. Harikrishnan
Data original da publicação: 14/01/2014