DMT
Que papel possuem as organizações de defesa dos trabalhadores em uma sociedade contemporânea e democrática? Essa questão foi um dos temas debatidos na noite da última segunda-feira (05/09) no painel Sindicato, Estado e Sociedade, promovido no auditório do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) em Porto Alegre.
O evento, organizado pela Escola Judicial do TRT4, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT4) e pela regional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), contou com a palestra do professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade de Castilla-La Mancha, o espanhol Antonio Baylos, e teve como debatedores o desembargador José Felipe Ledur do TRT4, o procurador-geral do Trabalho Ronaldo Curado Fleury e o presidente da Confederação Sindical Internacional, o sindicalista João Antônio Felício.
A presidente do TRT4, desembargadora Beatriz Renk, mediou as falas que procuraram trazer uma reflexão sobre a inserção sindical na sociedade. “Cada trabalhador, em uma sociedade ideal e livre, tem seu direito associativo assegurado para fazer do seu sindicato um instrumento de conquistas, especialmente uma ferramenta de defesa diante dos interesses do capital. Uma unidade de interesses do coletivo de trabalhadores”, disse Antonio Baylos.
O professor espanhol apresentou uma ampla análise da evolução sindical na sociedade contemporânea tomando por base as transformações ocorridas na Europa. Baylos lembrou que, diante do Estado, cada sindicato possui compromissos com sua classe de representação, mas essa pluralidade de interesses deve convergir para um ponto comum: “Ao sindicato cabe também definir seu campo de atuação e que tipo de sociedade defende para transitar além dos interesses da classe que representa e buscar um projeto social e de Estado”.
O professor espanhol assinalou que o sindicato tem sim um papel central nas democracias pela expressão do conjunto de pessoas que representa. Cabe especialmente ao sindicato ver o trabalho como valor político básico de conquista dos direitos sociais e da qualidade de vida. “Nas crises econômicas como vivemos na Europa e aqui no Brasil, o sindicato tem a responsabilidade de colaborar com a sociedade, lutar pelos direitos individuais e coletivos”, completou ele.
Baylos explicou ainda que sua posição é a de alguém que entende o Direito como campo de lutas de forças antagônicas e que as teorias e interpretações dessa área do conhecimento são fundamentais na construção dessas lutas. Além disso, o palestrante considera impossível a separação entre direitos do trabalho e o regime democrático de uma sociedade. Segundo ele, o sindicato é a instituição que mais expressa esse valor político do trabalho como intrínseco à democracia. Entretanto, conforme o jurista, existe atualmente um exercício contrário, de forças que pretendem impor um determinado modelo, mais voltado ao autoritarismo, em que devem ser enquadradas as relações de trabalho.
Para o professor espanhol, os sindicatos enfrentam problemas de representatividade. Deveriam representar não apenas os trabalhadores assalariados, mas abarcar outras categorias, como os autônomos e os trabalhadores domésticos. O avanço dos modelos de terceirização também é um elemento de fragmentação e de quebra da representatividade dos sindicatos atuais.
Baylos assinalou que as crises econômicas são utilizadas como desculpas para a redução de direitos e o enfraquecimento dos sindicatos. A resistência a essa imposição de um modelo neoautoritário deve ser feita em todas as frentes, sendo que, no âmbito jurídico, pode ser construído um espaço contra-hegemônico por meio do compartilhamento de situações e da criação de uma resposta global a um problema que, embora tenha particularidades em cada país, também é global.
Para o desembargador do TRT4 José Felipe Ledur, cabe às organizações sindicais a defesa dos interesses da categoria que representa frente ao Estado e também ao poder econômico. “Mas aos sindicatos na cabe apenas se ocupar de seus afiliados, de sua categoria ou dos interesses imediatos do ponto de vista salarial. Cabe também aos sindicatos a defesa dos direitos sociais, culturais e econômicos, inclusive dos setores excluídos do campo profissional. como ocorre com os desempregados e aqueles que estão à mercê da sociedade”, defendeu.
Felipe Ledur destacou que, no caso brasileiro, logo após a redemocratização, os sindicatos foram buscar nas relações com a sociedade as forças de transformação e que com o passar dos tempos ficaram concentrados nos interesses de cada categoria. “Talvez hoje caiba aos sindicatos resgastar esse papel indo além, pois estamos vivendo um período crítico que poderá a sociedade perder direitos”, alertou.
Para o procurador-geral do trabalho Ronaldo Curado Fleury, os sindicatos precisam aprimorar suas relações com a sociedade e com o Estado. Ele destacou que o atrelamento das organizações sindicais ao Estado pela dependência ao imposto sindical precisa ser revista. “Isso é resquício de uma política governamental que visava controlar os sindicatos por meio do controle de suas fontes de renda” frisou. Fleury disse ainda que este formato de obtenção de recursos multiplicou o número de sindicatos no país, atualmente em um número próximo de 11 mil, muitos deles com pouca ou nenhuma representatividade. “Pode-se dizer que existem cerca de 2 mil sindicatos que nunca assinaram uma norma coletiva. São feridas que o nosso sindicalismo precisa cutucar”.
Fleury observou que a terceirização irrestrita trará imensos problemas para a representação sindical. Para ele, todas as operações de combate ao trabalho escravo que tiveram participação do Ministério Público do Trabalho contaram com a figura da terceirização, dos intermediários de serviço.
Já o presidente da Confederação Sindical Internacional João Antônio Felício, por sua vez, disse que no Brasil em muitos lugares o fato de um trabalhador se sindicalizar já é motivo para demissão. “Enquanto tivermos essa situação e a ausência de uma proteção à atividade sindical diante de ataques a direitos não temos como abrir mão dos recursos provenientes do imposto sindical, pois as organizações de trabalhadores correriam o risco de serem extintas ou deixarem de existir como acontece nos Estados Unidos, onde mais de 90% das categorias não possuem qualquer representação que os defenda diante do poder econômico empresarial”.
Para Felício, nunca se falou em reformas para adicionar direitos aos trabalhadores, mas sim para restringi-los. “Nós somos a favor da modernização que acrescenta direitos, não a que retira”, argumentou. Felício concluiu que os sindicatos devem se posicionar politicamente diante das ameaças atuais, independentemente do governo que estiver no poder.
* Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT4.