O fim do Bolsa Família e do auxílio emergencial no final de outubro associado às dúvidas ainda existentes sobre os novos pagamentos para aqueles que ainda não sabem como irá terminar o mês de novembro jogou as famílias beneficiárias no limbo.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou um decreto que sistematiza e regulamenta o Auxílio Brasil, anteriormente criado pela Medida Provisória (MP) 1061/2021. A ideia seria iniciar as parcelas no próximo dia 17.
Mas o novo dispositivo, publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na noite de segunda (8), não indica oficialmente a origem das verbas que irão custear a política e a gestão segue na linha de apontar a aprovação da chamada “PEC dos Precatórios” como condição para viabilizar os R$ 400 a serem pagos.
A medida tramita na Câmara dos Deputados como “Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/2021”. A corrida do governo rumo à vitória final da PEC na Casa, no entanto, ainda é árdua por conta de uma série de dissidências em torno do texto.
Em meio a isso, os trabalhadores que contavam com o auxílio emergencial para garantir uma parte do sustento da família seguem em apuros e relatam angústia e preocupação.
É o caso da carioca Patrícia Raposo Gonçalves, de 48 anos, que já começa a fazer uma ginástica mais rígida no orçamento doméstico para tentar sentir menos o impacto das dúvidas que marcam este momento.
Moradora do Rio de Janeiro (RJ), ela conta que atuava como secretária escolar, mas foi demitida logo no início da pandemia, motivo pelo qual entrou na lista do auxílio emergencial ainda no primeiro semestre de 2020.
No final do ano passado, depois de ter tido o benefício “inexplicavelmente suspenso” pelo governo e após recuperá-lo por meio de uma decisão judicial, Patrícia recebeu em dezembro o montante de parcelas atrasadas.
Com a falta de emprego, resolveu investir o dinheiro numa barraca de venda de açaí, de cujo comércio consegue tirar algum sustento. Agora, sem a política do auxílio e ainda sem conseguir uma nova colocação no mercado, foi o jeito recorrer a outras medidas.
“Como eu sei que neste mês que passou foi a última parcela, já comecei a fazer toda uma estrutura, sabendo que aqui em casa não tenho mais os R$ 375 e que a minha renda é variável. Já comecei a me programar e diminuir compras de mercado porque estou na dúvida sobre o que vai acontecer”, desabafa Patrícia, que se define como mãe solo e tem um filho de 11 anos.
Ela se queixa da falta de informações seguras e claras por parte do governo Bolsonaro a respeito do Auxílio Brasil, anunciado como sucessor do Bolsa Família. Nos últimos meses, a gestão viveu um vaivém em relação às informações sobre a política que agora irá atender as famílias, com uma série de idas e vindas. As preocupações do momento são estimuladas ainda pelo aumento do custo de vida, sentido em todo o país.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ajudam a dimensionar o drama: os alimentos acumularam alta de 14,66% em 12 meses, segundo divulgado em outubro. Tiveram saliência, por exemplo, os preços do açúcar, do óleo de soja e das carnes, com salto de 44%, 32% e 25%, respectivamente.
“Precisei investir menos na alimentação porque, além de ter que lidar com esses preços, tenho as outras contas pra pagar. A de luz está bem mais alta por conta da tarifa vermelha. [Compras] pro meu filho, por exemplo, sei que preciso adaptar. Não posso mais ficar comprando frutas, iogurte, algumas coisas que são necessárias pra saúde de uma criança. Infelizmente, tive que passar a considerar isso como supérfluo”, lamenta a vendedora de açaí.
Patrícia conta que tem adotado ainda outras medidas. Economizar no transporte é uma delas. Ao sair de casa para comprar produtos para o pequeno comércio, ela agora evita pagar ônibus e por isso vai a pé.
“Também desligo o chuveiro elétrico. É uma forma de lidar melhor com as incertezas, até porque o pai do meu filho também perdeu o emprego. É muito difícil. Isso tudo é uma dúvida muito grande e a gente não sabe o que pode acontecer amanhã. E me refiro a um amanhã que é hoje, e não distante do agora”, desabafa.
A vida da vendedora tem um contexto que dialoga com o da dona de casa e auxiliar de serviços gerais Edriene Francisca de Macedo, 45, moradora de Recife (PE). Desempregada oficialmente há seis anos, ela vive de bicos fazendo faxina e lavagem de roupas, mas enfrenta um cenário ainda mais desafiador porque cuida de três filhos, sendo dois deles menores de 18 anos.
Pela condição social em que vive, a pernambucana recebia R$ 130 do Bolsa Família até antes do lançamento do auxílio emergencial, pelo qual foi contemplada com parcelas mensais de R$ 1.800 até o final de 2020 por ser mãe solo. Desde então, porém, não recebeu mais o benefício.
Com a ajuda de parceiros da sociedade civil, recorreu à Justiça nos últimos meses, mas segue na indefinição, sem respostas. “Espero que eu entre automaticamente no Auxilio Brasil. Espero que eu tenha direito porque senão a situação vai piorar ainda mais.”
Auxílio Brasil
O benefício mensal no valor de R$ 400 anunciado pelo governo deve ter duração até o final de 2022, ano em que o presidente se submeterá novamente ao crivo das urnas para tentar a reeleição.
Com os limites fiscais impostos pelo Teto dos Gastos, R$ 100 dos R$ 400 seriam retirados da verba liberada a partir da PEC 23, que prevê parcelamento para o pagamento das dívidas obtidas pela União a partir de condenações judiciais. Segundo a gestão, esse fatiamento abriria uma folga orçamentária capaz de custear o valor para completar o benefício.
O placar apertado registrado no primeiro turno da Câmara, no entanto, deixa o cenário das famílias ainda mais marcado pela ansiedade. O governo obteve a chancela inicial do plenário com apenas quatro votos a mais que o mínimo de 308 votos exigido pelo regimento e em meio a um cenário de fissuras internas em algumas legendas da própria base aliada.
Embora não seja comum uma PEC ser aprovada em primeiro turno e depois ser rejeitada na segunda votação, os rumos ainda cambaleantes da proposta fortalecem as interrogações de quem espera pelo benefício. A dúvida também é corroborada pelo fato de a PEC ter ido parar no Supremo, onde está sob julgamento do plenário virtual ao longo do dia desta terça (8).
No meio disso tudo, em uma barganha das mais alvejadas entre as já vistas sob a égide de Bolsonaro, o governo afirma que a PEC seria essencial para dar segurança fiscal ao país. Na paralela, setores da oposição e entidades da sociedade civil criticam a iniciativa e apontam outras possibilidades de financiamento, como é o caso da taxação das grandes fortunas, pauta que a gestão ainda não enfrentou.
“Essa insegurança, essa falta de transparência e de previsibilidade que a gente sempre vê o governo falando em relação ao mercado só vale pro próprio mercado quando se trata deste governo. É como se as famílias mais pobres também não precisassem de previsibilidade, de transparência e informações claras pra entender quais são as políticas de proteção social que a gente vai ter no Brasil”, critica a diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho.
Caso seja aprovada definitivamente pela Câmara, a PEC 23 ainda precisará do aval do Senado – onde também carece de dois turnos de votação –, terreno atual de maior embaraço político para o governo no Congresso. A dificuldade foi reconhecida, inclusive, pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em entrevista concedida à rádio Jovem Pan na segunda (8).
Com o mês de novembro já em curso e a pressão política gerada pelo fim do auxílio emergencial e do Bolsa Família, o governo também trabalha, nos bastidores, na busca de uma saída de emergência se por acaso o Senado não avalizar a PEC. Está em análise, por exemplo, a possibilidade de abertura de créditos extraordinários para financiar uma parcela do Auxílio Brasil em 2022.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Cristiane Sampaio
Data original da publicação: 09/11/2021