A união coletiva contra as situações limites da injustiça trabalhista e social numa história que termina incompreensível.
Léa Maria Aarão Reis
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 25/05/2020
Três anos depois de lançar o grande sucesso A lei do mercado (La loi du marché, 2015), os dois amigos, militantes progressistas franceses, ator Vincent Lindon e diretor Stéphane Brizé, decidiram ampliar a discussão sobre a luta ferrenha do trabalho das forças produtivas no mundo atual, do operariado contra o cinismo e insensibilidade do capital globalizado representado por executivos (os CEOs) com suas caras de permanente paisagem, e lançaram Em guerra, um filme de ficção ancorado fortemente no gênero documentário. No catálogo do NOW.
O resultado não foi dos melhores. A falta de um desenho mais próximo do perfil do protagonista (Lindon fazendo o líder operário Laurent Amedeo) e a conclusão da narrativa, essa, mesmo que altamente simbólica, mas intempestiva e absurda, levaram o escritor, jornalista e crítico de cinema do jornal inglês The Guardian, Peter Bradshaw, a lamentar a produção e chamar o filme, numa frase inteligente sua, característica de algumas das resenhas especializadas, de ”cinema de megafone.”
Em que pese as deficiências e a recepção decepcionada de En guerre, com ou se megafone o filme é considerado, nos meios cinematográficos de Paris, o que inspirou o movimento dos coletes amarelos da França, a mobilização persistente que chegou a (re)conquistar, nas ruas, diversos direitos trabalhistas, e foi interrompido pela chegada da covid-19.
”Quem luta pode perder; quem não luta já perdeu” é a conhecida frase de Bertold Brecht que assina o prólogo de Em guerra onde o noticiário (real) da televisão anuncia o fechamento da fábrica Dimke – Perrin Industrie, conglomerado franco-alemão pela sua ”falta de competitividade”. O que significa, em linguagem atual, lucro projetado.
Seguem, por todo o filme, as discussões dos operários da indústria que é globalizada (tem filiais em inúmeros outros países) e pretende reabrir a unidade então em vias de encerrar as portas e reabri-las na Romênia com custos de salários cinco vezes menores.
A parceria e a unidade do movimento, com dois sindicatos rivais agindo juntos no caso, trata de restabelecer o acordo rompido pela Perrin, meses antes, e salvar os empregos de todos. “A Justiça certamente não cumprirá o seu papel,” dizem os operários, sem expectativas, nas assembléias que se seguem durante todo o filme, referindo-se ao cumprimento do acordo e o respeito aos contratos anteriores.
Quando as delegações dos trabalhadores conseguem chegar às mesas redondas no Elysée, ouvem dos representantes do Ministério do Trabalho: “Nós vivemos numa democracia e não influímos na Justiça.” (O governo francês fornecera subsídios, durante os dois anos em que a fábrica se manteve aberta pelo tal acordo e todos lucraram).
”Essa situação, de ameaça de greve que fazem, é mal vista pelos investidores estrangeiros no país,” é o que diz o governo. Ao mesmo tempo assegura o protocolar “nada acontecerá com suas famílias.” E ”o governo está apoiando vocês.”
Cinema exaltado, cinema indignado, cinema estridente com megafone, é este cartaz de Brizé, de 53 anos, roteirista, ator, e, junto com Vincent Lindon, co-produtor de Em guerra. O seu Laloidu marché, de 2015, ganhou Cannes com Lindon como Melhor Ator, foi selecionado para a Palma de Ouro e mereceu elogios rasgados do júri ecumênico do festival.
Para ele, Em guerra é ”um conflito brutal em que apenas os combatentes de um lado têm algo a perder. O filme captou o que nem os analistas de mercado nem os políticos quiseram ver. A fábrica anuncia que vai fechar e abrir outra unidade num país da antiga Cortina de Ferro, onde salários e encargos sociais custam menos. As conversações não avançam. Os patrões declaram-se decepcionados. A cólera dos trabalhadores aumenta. Procuramos legitimar essa revolta. É um filme sobre o novo léxico que domina as relações sociais. Ficção pura, a própria trama me permitiu utilizar o formato de como os personagens são representados na linguagem da TV. O real midiatizado e a ficção. A forma parece de documentário, mas nunca fui mais ficcional.”
”Assim como a nova linguagem da economia, a forma é essencial e a questão política, tão visceral como o estilo. O que é, afinal, esse realismo naturalista?”
Pena que o final derrotista e com a vitimização do trabalhador, incompreensível, apontem para um guerra perdida quando, por contradição, enfatiza todo o tempo o valor e a necessidade da união coletiva e das alianças para que não apenas essa luta operária, mas todas as lutas políticas possam ser vencidas.
Léa Maria Aarão Reis é jornalista e crítica de cinema.