No início do mês, um grupo de mineiros chilenos caminhou pelo tapete vermelho, no bairro alto de Santiago, cercado do glamour, das câmeras fotográficas e de algumas importantes estrelas do cinema mundial, como Antonio Banderas, Juliette Binoche e o brasileiro Rodrigo Santoro. Era a festa de lançamento do filme Os 33, e lá estavam presentes os 33 mineiros chilenos que passaram mais de dois meses soterrados numa jazida no Atacama, no exato dia 5 de agosto, cinco anos depois deste acidente que quase os sepultou vivos e que levou o país a realizar uma megaoperação de resgate, toda uma história que inspirou a megaprodução hollywoodiana que os levou até aquela festa de luxo e extravagância.
No mesmo dia, naquela mesma hora, no mesmo deserto de Atacama onde aconteceu a tragédia, a 2 mil quilômetros dali, um grupo de trabalhadores mineiros terceirizados completava sua segunda semana de greve, e chorava o sétimo dia da morte de um companheiro, morto por uma bala disparada pelos Carabineros (polícia militarizada chilena) — de forma acidental, segundo a versão policial, questionada pelos manifestantes.
O contraste entre esses dois cenários simultâneos expõe uma contradição que, segundo os manifestantes, significa que “debaixo da glória pelo salvamento dos mineiros, o país escondeu as lições sobre as melhorias nas condições de trabalho e direitos aos mineiros, para prevenir situações como aquela”. As palavras são do líder da CTC (Confederação dos Trabalhadores do Cobre) e principal porta-voz da greve, Manuel Ahumada, em entrevista por telefone a Opera Mundi.
“Quando resgataram os 33, as autoridades falaram em ‘novo trato’ para os trabalhadores, mineiros e de outros ramos. A promessa não durou um mês, antes do fim daquele ano de 2010, só se falava do resgate que foi grandioso, mas a ideia de mudar os padrões de segurança do trabalho não saiu do discurso”, reclama Ahumada.
A CTC publicou uma declaração criticando a versão mostrada no filme, que tem estreia prevista no Brasil para o dia 29 de outubro e conta no elenco com o ator Rodrigo Santoro, que interpreta o ministro chileno de Energia. “O filme peca em vários aspectos. O principal é que não há uma crítica mais profunda sobre as condições de trabalho dos mineiros, e parece que o resgate redime todos os problemas sofridos cotidianamente pelos trabalhadores”, aponta o sindicalista.
Os números oficiais do Sernageomin (Serviço Nacional de Geologia e Mineração, braço do Ministério de Mineração), mostra uma leve baixa: em 2014, foram registrados 2,47 acidentes a cada mil horas de trabalho em média, enquanto em 2010 (ano do acidente em Atacama), esse registro ficou em 3,53 acidentes por mil horas.
No caso dos acidentes com resultados fatais, também houve uma diminuição pequena: em 2010, foram registrados 41 acidentes fatais, enquanto a média dos quatro anos seguintes foi de 32 mortes por ano nas minas chilenas. Significa também que quase um terço (29,3%) dos acidentes de trabalho nos últimos quatro anos terminam em mortes, uma cifra que, na década passada era de 32,6% — as estatísticas pós-Atacama não consideram os acidentes registrados em 2015.
Para Manuel Ahumada, “essa diminuição corresponde a um aumento das normas de segurança, que é natural depois de um acidente com grande repercussão, mas é preciso considerar que cada empresa mudou suas normas à sua maneira, algumas mais, outras menos, sem maior exigência estatal”.
Com relação a essa reclamação, o Sernageomin respondeu que várias medidas vêm sendo tomadas desde 2010, entre elas a maior frequência das visitas de fiscalização e mais autonomia para os órgãos fiscalizadores regionais, além da criação de um protocolo de prevenção de acidentes, que é discutido e atualizado anualmente.
A greve
As manifestações dos trabalhadores começaram no dia 22 de julho, reunindo somente os trabalhadores das empresas que prestam serviço para a Codelco (Compañía del Cobre), a empresa estatal mais importante do Chile, país onde a exploração do minério é responsável por 65% da atividade econômica.
As principais exigências da greve dizem respeito a melhorias nas condições de trabalho, e, em muitos casos, o que se pede é que os terceirizados tenham os mesmos direitos dos trabalhadores da Codelco, como indenização para a família em caso de acidente com resultado de morte ou invalidez e o plano de saúde especial para o trabalhador, além dos filhos e cônjuges.
Segundo Ahumada, “o acordo regulatório que queremos visa equiparar os direitos e benefícios dos trabalhadores contratados pela Codelco e os terceirizados, não estamos pedindo dinheiro, e isso desconcerta a empresa, que, apesar de estatal, tem a mesma mentalidade de uma transnacional”.
Por sua parte, a empresa Codelco diz estar disposta a dialogar com a CTC, desde que os trabalhadores reconheçam que nem todas as demandas são temas de responsabilidade. Em diferentes comunicados oferecidos à imprensa chilena, a empresa alega que é a contratante que mais benefícios oferece a empregados subcontratados entre as mineradoras que atuam no Chile, e que está disposta a negociar tudo aquilo que estiver dentro do que a lei estabelece como obrigações da empresa contratante.
Críticas à Justiça
Por sua parte, os 33 mineiros também aproveitaram a estreia do filme para criticar a Justiça chilena, devido ao encerramento do caso em 2013, sem apontar culpados e sem indenizar as vítimas.
Durante a pré-estreia do filme, em Santiago, o mineiro Mario Sepúlveda, porta-voz do grupo e interpretado por Antonio Bandeiras na película, aproveitou a coletiva de imprensa para se manifestar: “O que vocês vão ver no filme, a Justiça chilena decidiu que não foi culpa de ninguém, nem a falta de saídas de emergência, nem os alertas que eles ignoraram [do Sernageomin, dizendo que a mina estava sendo explorada além da sua capacidade]. Nada disso tem responsabilidade de ninguém, e nós fomos vítimas do acaso”.
A decisão de concluir a investigação sem culpados nem indenizações às vítimas foi tomada pela Corte de Apelações de Copiapó, em agosto de 2013. Depois disso, os advogados do grupo tentou levar o caso para a Corte Suprema, sem sucesso.
Sepúlveda também aproveitou para desmentir reportagens da imprensa local que afirmaram que eles mudaram de vida depois do acidente. “Recebemos prêmios e homenagens em muitos lugares, mas isso não mudou o padrão de vida da maioria. Muitos voltaram a trabalhar nas minas, e alguns até já passaram por outros acidentes”, contou o mineiro.
Fonte: Opera Mundi
Texto: Victor Farinelli
Data original da publicação: 19/08/2015