Antes mesmo do colapso das oficinas do Rana Plaza, em Daca, que matou mais de mil operários, outros dramas haviam jogado luz sobre as condições de trabalho nas fábricas de confecção de Bangladesh. Como o país chegou a tal situação?
Olivier Cyran
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 03/06/2013
Visível a diversas centenas de metros ao redor, a brilhante torre de vidro que se ergue solitária na margem do lago Hatirjheel evoca um enxerto do centro de Londres transplantado para o coração de uma gigantesca favela. É a sede da Associação dos Fabricantes e Exportadores de Têxteis de Bangladesh (Bangladesh Garment Manufactures and Exporters Association, BGMEA), o sindicato dos empregadores do prêt-à-porter. Diferentemente do prédio do Rana Plaza, cujo desmoronamento, no dia 24 de abril, provocou a morte de ao menos 1.127 pessoas, em sua maioria operários têxteis, a torre da BGMEA não corre o risco de desmoronar. O que, no entanto, seria justo: em um veredicto emitido no dia 19 de março de 2013, a Suprema Corte de Bangladesh ordenou a destruição do arranha-céu patronal no prazo de três meses, pelo motivo de ter sido ilegalmente construído em um terreno público do qual o sindicato tomou posse sem direito nem título, graças à cumplicidade do Ministério do Comércio. A BGMEA entrou com um recurso. Qualquer que seja o resultado do processo, ninguém imagina que o “tumor canceroso de Hatirjheel”, como o chamaram os magistrados, possa um dia se desfazer em pó.
Na entrada, o visitante tem direito à recepção militar dos agentes de segurança. Em Daca, onde o turista é raridade, o homem branco é frequentemente confundido com o comprador do prêt-à-porter, negociante da Mango, Benetton ou Hennes & Mauritz (H&M), os quais os vigias e porteiros têm a obrigação de tratar com deferência. O interessado se acomoda com facilidade nesse status senhorial. Sua consideração pelo homem da rua transparece na brochura Dhaka Calling, oferecida aos clientes dos grandes hotéis, na qual figura a seguinte sábia recomendação: “Não ria das pessoas que ficaram doentes em razão da pobreza, não zombe delas”.
Estamos no dia 9 de abril, e o Rana Plaza, a cerca de 20 quilômetros da torre da BGMEA, ainda está de pé. O pior massacre da história industrial de Bangladesh vai acontecer apenas daqui a duas semanas, mas a questão da segurança e das condições de trabalho no setor têxtil já é levantada com insistência. No dia 7 de janeiro, um incêndio provocou a morte de oito operários da Smart Garment Export, uma pequena fábrica de trezentos empregados situada no centro de Daca. “Eles tinham todos menos de 16 anos”, garante Saydia Gulrukh, uma antropóloga que fundou um grupo de solidariedade às vítimas do setor têxtil. Um mês e meio antes, no dia 24 de novembro de 2012, outro incêndio devastava a fábrica Tazreen Fashions em Ashulia, uma periferia ao norte da capital de Bangladesh, deixando 112 mortos e mil feridos, segundo os dados oficiais.
Nos nove andares da Tazreen se amontoavam 3 mil empregados, em sua maioria jovens mulheres vindas das regiões mais pobres do campo em busca de um ganha-pão para a família. Por cerca de 3 mil tacas por mês, o equivalente a R$ 80, elas confeccionam, durante dez horas por dia, seis dias por semana, roupas destinadas a marcas de prestígio, entre as quais Disney, Walmart e o grupo francês Teddy Smith. Os produtos altamente inflamáveis tinham sido estocados no térreo, ao lado da escada, desprezando as regras de segurança mais elementares. Como as saídas de emergência tinham sido trancadas para impedir o roubo de mercadoria, conforme a prática em vigor, as vítimas presas pelas chamas morreram queimadas vivas ou se jogaram pela janela. Seu proprietário, Dolwar Hossain, nunca foi perturbado pela justiça e continua em liberdade. Seu pertencimento à BGMEA teria pesado na garantia de sua impunidade?
O patronato controla o país
Para estudar a questão, um encontro foi marcado com o presidente da BGMEA, Atiqul Islam. O homem poderoso da economia de Bangladesh – o setor têxtil representa entre 4 milhões e 5 milhões de empregos e 80% das exportações, o que faz do país o segundo maior exportador mundial de prêt-à-porter, depois da China – está no cargo há apenas um mês. A promoção desse jovem empreendedor pouco conhecido no meio surpreendeu. “É um pequeno jogador, sem experiência nem envergadura”, solta um profissional do setor. “Se ele foi alçado a presidente, foi graças à sua maleabilidade, que permite aos poderosos controlar tudo sem aparecer.”
Em dezembro de 2012, uma missão de inspeção expedida pela BGMEA – iniciativa pouco habitual, como se pode imaginar – identificou quatro fábricas julgadas perigosas, pois tinham sido construídas violando o código de construção. Entre elas, a Rose Dresses Limited, uma fábrica localizada em Ashulia e de propriedade de… Islam. Três meses depois, este último foi eleito chefe da BGMEA. Sabendo que a imensa maioria desses 5 mil ateliês de confecção do país desrespeitam abertamente a lei, ficou claro que a inspeção tinha por única finalidade “apanhar” o futuro presidente e fazer pesar sob seus ombros a amigável pressão de seus protetores.
Enquanto esperamos o chefe dos chefes, lembremos a história econômica do país. Anu Mohammed, professor de Economia da Universidade de Jahangirnagar, a resume nestes termos: “Bangladesh nem sempre viveu sob a tutela do prêt-à-porter. Até a metade dos anos 1980, era a cultura da juta que constituía a principal riqueza do país. Depois chegaram o FMI e o Banco Mundial. Sob sua orientação, os planos de privatização e de redução das despesas públicas provocaram um crescimento fulminante do desemprego, o recurso maciço às importações e o definhamento das indústrias locais. Os burocratas dos grandes partidos políticos, os oficiais do Exército, os graduados da polícia e os filhos de boas famílias se precipitaram sobre a oportunidade”. As incitações a investir no setor têxtil eram irresistíveis: mão de obra barata, enfraquecimento dos sindicatos por causa da privatização das estatais e supressão das taxas de alfândega sobre as importações de máquinas destinadas à indústria da exportação. A corrupção se encarregou do resto.
Seduzidos, Europa e Estados Unidos recompensaram essa política abrindo amplamente suas portas às roupas made in Bangladesh. Em um discurso pronunciado em Daca no dia 21 de novembro de 2001, Pascal Lamy, então comissário europeu do comércio, lançou seu “Entendi”: “A União Europeia está disposta a apoiar Bangladesh em seus esforços para atingir […] uma melhor integração no sistema comercial mundial, abrindo novas possibilidades comerciais e favorecendo uma grande penetração no mercado”. Entre 2000 e 2012, os valores dos negócios do setor têxtil de Bangladesh mais do que quadruplicaram, passando de US$ 4,8 bilhões para US$ 20 bilhões. Goldman Sachs exulta: em junho de 2012, o banco nova-iorquino colocou o país, um dos mais pobres do mundo, na frente de sua lista dos “next eleven”, os “próximos onze” suscetíveis de se unir às potências emergentes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
A galinha dos ovos de ouro criou uma nova elite, que passeia de 4×4, janta na Pizza Hut (o cúmulo do esnobismo em Daca), joga golfe e manda os filhos estudarem nos Estados Unidos. “O prêt-à-porter é a promessa do dinheiro fácil, um meio lucrativo para investir em qualquer setor ou disputar uma cadeira no Parlamento”, continua Anu Mohammed. “Oficialmente, dos trezentos deputados, 29 possuem uma fábrica têxtil. Na verdade, se levarmos em conta os que se escondem atrás de uma pessoa que empresta seu nome, eles serão muito mais numerosos. Em Bangladesh, é difícil encontrar homens de poder que não estejam ligados ao mundo têxtil. E é a BGMEA que comanda o país.”
De volta à sede da organização patronal. Enquanto Islam nos faz esperar, alguém de seu círculo vem nos fazer companhia na sala adjunta ao escritório presidencial. Hassan Shahriar Chowdhury acaba de voltar dos Estados Unidos, onde disse ter colaborado com um grupo de congressistas em um “caso de contraterrorismo”. Oficial da aeronáutica, esse “fã de Angela Merkel” não possui uma fábrica têxtil – pelo menos é o que ele afirma. O que ele faz na BGMEA então? Ele se esquiva de responder, mas se mostra muito contente em papear com um jornalista francês. “Adoro a França. Sabe, o Estado de Bangladesh prevê a compra de dois submarinos. Normalmente compramos nossas armas da China. Eu conheço bem a primeira-ministra, Sheikh Hasina. Então insinuei para ela que seria melhor comprar submarinos franceses. É mais caro, mas há menos corrupção, não acha?” Diante do ceticismo de seu interlocutor, Chowdhury preferiu mudar de assunto, abrindo despreocupadamente sua agenda de contatos. “Já que você é jornalista, será que estaria interessado em encontrar a minha prima, que é ministra da Condição Feminina? Eu também posso colocá-lo em contato com os diretores dos principais jornais de Bangladesh, são todos meus amigos.”
A aparição de Islam encerra esse encontro promissor. Seguido de perto por cinco conselheiros, o chefe dos chefes anuncia que mudou de ideia: a entrevista está cancelada. “É preciso uma autorização do Ministério do Interior”, diz, com a aparência fechada, “sem a qual é impossível que eu fale com você, principalmente sobre assuntos tão delicados.” Voltando em direção ao elevador, tomamos nota da advertência colada no vidro atrás do qual gerentes e secretárias estão ocupados: “Fale menos, trabalhe mais”.
Para ter uma ideia do poder da BGMEA, os sobreviventes da Tazreen fornecem talvez os melhores elementos de apreciação. Guiado por Sherin, o instigador da Federação Nacional dos Trabalhadores Têxteis (National Garments Workers Federation, NGWF), um sindicato chegado ao Partido Comunista, fomos para Ashulia. Pouco a pouco o inacreditável caos urbano de Daca deu lugar a uma paisagem lunar, cravejada de chaminés que vomitam fumaça preta nas quais adolescentes esfarrapados colocam no forno barras de terra. Os tijolos que saem do forno servirão para a construção de residências para a classe média, que podem ser vistas ao horizonte, mas também para as fábricas que continuam crescendo mais ao norte. Deixando a rodovia, entramos em uma pequena estrada de terra. Ao final vê-se a carcaça pintada a cal de um cubo de concreto repleto de andaimes de bambu: bem vindo à Tazreen Fashions, ainda recentemente fornecedora oficial das camisetas da Disney.
Nasreen tem 25 anos, mas parece ter 40. Diferentemente de outros sobreviventes, que voltaram precipitadamente para sua cidadezinha, ela não deixou Nishchintapur, o bairro-dormitório com ruelas tranquilas e quase agradáveis que se estende ao pé da fábrica. No dia 24 de novembro, às 18h50, Nasreen estava curvada sobre sua máquina de costura, no segundo andar, quando ouviu o alarme de emergência. “O contramestre nos disse que era um exercício e que deveríamos permanecer em nossos lugares”, conta ela com uma voz átona. “Depois o alarme tocou uma segunda vez. Então começamos a entrar em pânico. Começamos a sentir cheiro de queimado. O contramestre ainda não queria nos deixar sair, mas corremos assim mesmo. Havia duas portas de saída; uma estava aberta, a outra, fechada. A escada à qual tínhamos acesso pela porta aberta já estava pegando fogo. Se a gente tivesse podido pegar a outra escada, que não estava queimando, estaríamos todas ainda vivas.” Algumas janelas também ficam trancadas. Com um grupo de colegas, Nasreen conseguiu abrir uma e pular no vazio. Ela terminou com uma perna quebrada, pesadelos que vão acompanhá-la pelo resto da vida e o medo imenso de ter de colocar de novo os pés dentro de uma fábrica.
No entanto, ela não tem escolha. Até agora, ela recebeu como único auxílio “25 quilos de arroz, 25 quilos de cebola e 1 litro de óleo”. Como o magro salário do marido não é suficiente para alimentar a família, ela vai ter de vencer suas insônias e sentar de novo diante de uma máquina de costura. Em Bangladesh, quando uma fábrica pega fogo ou desmorona, é a BGMEA que indeniza as vítimas. Suas tarifas são pitorescas: 100 mil tacas (R$ 2.600) por ferido a título de auxílio médico, 600 mil tacas (R$ 15.700) por cadáver como compensação para a família. O empregador não se envolve, a justiça também não. E apenas os que tiverem sorte vão receber as migalhas distribuídas pela BGMEA. Pois é ela também que estabelece a lista das vítimas. Como a maior parte das contratações é feita verbalmente, sem contrato de trabalho, muitos dos sobreviventes não dispõem de nenhum documento para provar sua boa-fé. Afinal de contas, qualquer um pode quebrar uma perna ou cair dentro de uma chaminé.
No caso de Tazreen, o negócio ficou ainda mais difícil pela impossibilidade de identificar os corpos, muito destruídos ou reduzidos a cinzas. Segundo Gulrukh, que acompanha de perto as famílias abandonadas, pelo menos 27 operárias desaparecidas no incêndio foram excluídas da lista das vítimas. Outras evocam um número de cinco a dez vezes maior. “O balanço oficial não tem nada a ver com o que aconteceu. Cada uma de nós tem colegas que nunca saíram vivas dessa fábrica e que a BGMEA se recusa a reconhecer, sob o pretexto de que elas não deixaram traços”, revolta-se Shilpee, outra sobrevivente. “Mas que traços você pode deixar quando está morta, e sua família no vilarejo nem sequer foi informada?”
Enquanto Tazreen ainda soltava fumaça, o governo, pela voz da primeira-ministra, imputava o incêndio a uma “ação de sabotagem” – o que cada bengalês instantaneamente traduziu como um desafio aos islamitas. Essa acusação espantosa, que nenhum elemento veio em seguida confirmar, visava proteger o proprietário da fábrica e a BGMEA? Anu Mohammed não duvida disso nem por um segundo. A melhor prova é, diz ele, que “no final das contas nada aconteceu: não houve investigação para determinar as causas do incêndio nem mandato de prisão contra o patrão e seus contramestres, nenhuma medida para proteger os trabalhadores contra os riscos de incêndio. À parte as próprias vítimas, ninguém pensou em reclamar uma prestação de contas ao empregador, Dolwar Hossain. Seu nome desapareceu totalmente dos jornais. É como se ele nunca tivesse existido”.
Carrefour: “somos muito vigilantes”
Seus clientes estrangeiros também apagaram isso da memória. No dia 15 de abril, por iniciativa do sindicato internacional IndustriALL e de uma rede de ONGs, as marcas que eram fornecidas pela Tazreen foram convidadas para uma reunião em Genebra visando colocar em ação um fundo de indenização. A Disney declinou o convite: os amigos do Pato Donald dizem ter caído fora depois da combustão de sua mão de obra, trocando Bangladesh pelo Camboja ou o Vietnã, lavando as mãos. Recusa categórica do Walmart, que inicialmente negou possuir qualquer ligação com a Tazreen, antes de dar meia-volta e jogar a responsabilidade na empresa de auditoria que tinha certificado essa fábrica-modelo como dentro dos conformes. O presidente da Teddy Smith, Philippe Bouloux, não pôde ser contatado por telefone ou e-mail. De tanto insistir, acabamos interceptados por uma de suas colaboradoras e arrancamos dela esta declaração: “Somos uma pequena empresa, não temos condições financeiras de ir a Genebra…”.
Já o Grupo Carrefour fingiu espanto quando foi interpelado. O número um francês da grande distribuição, que possui seus escritórios próprios em Daca (sob o nome de Carrefour Global Sourcing Bangladesh), admite ter sido cliente de Tuba Group, a empresa de Hossain, mas nega energicamente já ter feito qualquer encomenda à Tazreen. É verdade que o fornecedor bengalês possuía ao menos dez fábricas e que as camisetas vendidas no Carrefour não provinham necessariamente da mais mortal entre elas atualmente. Mas, segundo um bom conhecedor do setor têxtil bengalês, esse argumento não vale um tostão: “Quando um cliente faz uma encomenda, não é para esta ou aquela fábrica, mas para um fornecedor. É ele quem assina o contrato, os códigos sociais, éticos, ambientais e todo o resto. Quando a encomenda é importante, e ela com certeza é no caso de um cliente como o Carrefour, o fornecedor vai espalhar a produção em todos os locais que possui. No caso presente, a Tazreen servia de fábrica de auxílio quando as outras unidades do Tuba Group estavam atoladas. O Carrefour não poderia ignorar isso. Por que razões, inclusive, teria tirado essa fábrica da lista, se ele não fizesse nenhuma distinção entre ela e as outras?”
Mas o gigante francês não cede. “Temos nossos padrões e nossos relatórios de auditoria em virtude dos quais proibimos formalmente a Tazreen como local de produção. Somos muito vigilantes!”, protesta Bertrand Swiderski, o diretor de desenvolvimento sustentável. Gostaríamos muito de poder consultar esses famosos relatórios, mas infelizmente eles são “confidenciais”.
Swiderski aceita com boa vontade, por outro lado, nos enviar o “código social” que seu grupo se orgulha de ter assinado com seus fornecedores exóticos. Esse documento brilha como uma folha de papel de presente sobre a carnificina das costureiras bengalesas. No capítulo do “respeito à liberdade de associação”, o código do Carrefour estipula, por exemplo, que “os trabalhadores têm o direito de aderir ao sindicato de sua escolha ou de criar um, e de proceder em negociações coletivas, sem o acordo prévio da direção”. Imaginamos que Hossain assinou de bom coração essa santa exortação. Nas fábricas de seu grupo, qualquer forma de vida sindical era, como seria de esperar em Bangladesh, estritamente proibida.
Sindicato clandestino
A prova, a história de Faizul (o nome foi alterado). Esse antigo operário de Tazreen nos recebe em um quarto vazio coberto por um teto de zinco, que dá para uma ruela de terra batida de Nishchintapur. É a sede local da NGWF, o sindicato do qual ele é secretário para o setor têxtil de Ashulia. Secretário clandestino, que fique claro. Do conto de fadas inventado pelos cérebros da direção do desenvolvimento sustentável do Carrefour, ele dá uma versão mais lapidar: “Na fábrica, se você pronunciar a palavra ‘sindicato’, vai para a rua imediatamente e não encontra mais trabalho depois. Na Tazreen, éramos uma centena de operários sindicalizados, mas em segredo. Nunca falávamos sobre isso no trabalho”.
Depois do incêndio, seu local de reuniões rapidamente foi invadido pelos encontros espontâneos de sobreviventes determinados a lutar, mas desesperadamente impotentes para agir. “Todos os operários que nos conheciam vieram partilhar seu luto e sua cólera”, conta Faizul. “Cinquenta e três de nossos camaradas morreram no incêndio. Estávamos furiosos contra o patrão, que os conduziu à morte, e contra o governo e a BGMEA, que o protegem. Mas não sabíamos o que fazer.” Distribuir panfletos, organizar um encontro? Lançar um chamamento à greve nas outras fábricas? Olhar cheio de pena de Faizul, desconfortável diante da ingenuidade de seu visitante francês: “Nada disso é possível aqui. No primeiro panfleto seríamos presos pela polícia. E nunca mais encontraríamos trabalho”.
Quando perguntamos em que consistem então suas atividades sindicais depois do incêndio, ele explica ter “entrado em contato com operários de outras fábricas para que eles verifiquem se as portas e saídas de emergência permanecem abertas, como o patronato se comprometeu a deixar”. E se elas não estiverem? “Então os camaradas nos advertem por SMS. Todo mundo tem um telefone celular aqui, é assim que a gente se comunica.” Difícil saber se Faizul não aspira a modalidades de ação mais diretas: ele se expressa na presença e sob o controle de um funcionário do sindicato vindo de Daca. Terminamos o chá de gengibre oferecido por nosso anfitrião. Antes de nos acompanhar até a porta, Faizul nos entrega a foto de identidade de sua mulher: operária na Tazreen como ele, ela morreu no dia do incêndio se jogando do terceiro andar.
Chama-se “casa de compra” o local estratégico que serve de intermediário entre as marcas estrangeiras e os fornecedores locais. Existem cerca de duzentas delas em Bangladesh. A de Nizam Uddin tem como ponto de honra o fato de que todos os seus clientes – em sua maioria europeus – “vêm a Bangladesh para ver com seus próprios olhos como funcionam as fábricas. Nós os acolhemos, os agradamos, os tratamos bem”. No andar superior, uma dezena de operadores telefônicos tratam das encomendas, num assobio de vozes surdas, enquanto no porão três costureiras confeccionam em silêncio os modelos destinados ao fabricante, segundo as especificações técnicas do comprador. “Nosso cliente principal acabou de diminuir suas encomendas, o que nos obriga a procurar novos compradores. É a primeira vez que isso acontece em treze anos”, suspira Nizam Uddin. Numa prateleira, num canto de seu escritório, o elegante diretor expõe as taças e medalhas que ganhou no golfe, sua “paixão”.
Espantamo-nos que sua empresa esteja funcionando a pleno vapor enquanto a oposição islamita do Jamaat-e-Islami decretou para esta manhã um dia de hartal (greve), esvaziando as ruas de Daca e bloqueando a atividade econômica. Uddin levanta os ombros: “Oh, isso não nos preocupa. Qualquer que seja sua questão, os manifestantes não atacam nossos interesses. Eles às vezes queimam carros ou lojas, mas deixam as fábricas tranquilas. Sabe, a BGMEA conta com membros em todos os grandes partidos. Hoje, ele apoia a liga Awami da primeira-ministra Sheikh Hasina, mas se entende muito bem com os nacionalistas do BNP [Bangladesh Nationalist Party] e até mesmo com os islamitas do Jamaat”.
O campeão de golfe nos apresenta um de seus colaboradores, Georges Paquet. Esse expatriado francês de 67 anos fuma cigarros Gitanes que traz de Dubai, onde vive durante metade do ano. Tendo chegado a Bangladesh em 1994, ele se diz “no fim da carreira” e se autoriza uma sinceridade refrescante. “Fazemos de tudo aqui, incluindo calcinhas para incontinentes que são vendidas na França nos hipermercados. O problema é que meus clientes diminuem cada vez mais os preços. O que é que eles querem, que a gente trabalhe de graça? As marcas europeias têm no mínimo uma margem de lucro de sete, quer dizer, revendem nosso produto a um valor sete vezes maior do que o preço de compra, se não for dez. Não há mais limite para o desejo de lucro. Velhos clientes nos deixam do dia para a noite porque um concorrente propôs 10 centavos a menos em um artigo. Aqui reina uma hipocrisia inacreditável. Para você ter ideia, no momento em que os dirigentes da H&M se encontravam com Sheikh Hasina para reclamar por melhores condições de trabalho nas fábricas bengalesas, seus subordinados negociavam uma baixa de 15% nos preços de venda de seus fornecedores. ‘Virem-se, não estamos nem aí para o resto’, é a filosofia deles.”
Quando o interrogamos sobre o incêndio da Tazreen, Paquet levanta os olhos para o céu e recupera o fôlego. “Conheço Dolwar Hossain há dez anos. É um homem bom e crente; a mesquita do lado da casa dele, foi ele quem pagou, do seu bolso. No começo eu era seu segundo melhor cliente, mas ele ficou embriagado pelo sucesso. Comprou uma fábrica atrás da outra, uma dúzia no total, e depois se viu patrão de uma empresa que tinha US$ 65 milhões como valor de negócios. Ele perdeu o controle. Quando a Tazreen pegou fogo, fazia um ano que ele não colocava os pés lá dentro.” A impunidade de seu amigo não parece um problema para o velho veterano das roupas de baixo absorventes. “Não se deve acreditar que ele tem uma boa vida: a Tazreen lhe custou um braço e uma perna. Dolwar está cheio de dívidas, não tem mais nenhum cliente e todo mundo lhe vira as costas, mesmo seus amigos da BGMEA. O que é que você quer, que ele vá para a cadeia?” Pena que essa pergunta sensata não seja submetida ao exame de Rehanna, cuja imagem nos retorna à mente neste instante: depois que ela se enfiou nos tubos de ventilação do quarto andar para se jogar no vazio, fugindo das chamas onde queimavam seus colegas, essa jovem operária da Tazreen efetivamente perdeu um braço e uma perna. Hoje ela utiliza um carrinho de mão de madeira como cadeira de rodas.
Os sobreviventes da hecatombe industrial de Ashulia não predizem um futuro sorridente para seus colegas das fábricas do entorno. “Outras catástrofes vão acontecer, e serão talvez ainda piores do que essa”, diz um jovem sobrevivente com o braço enrolado numa gaze suja. Gulrukh partilha esse prognóstico: “A Tazreen não mudou em nada a situação lastimável dos operários têxteis, que vem da indiferença das elites pela sorte dos operários. É preciso então estar pronto para o pior. Medidas cosméticas serão sem dúvida tomadas para que a BGMEA tranquilize seus clientes estrangeiros e para que estes tranquilizem seus consumidores. Mas nada vai mudar enquanto o sistema não for desmantelado, dissolvido e reconstruído sobre novas bases filosóficas”. Duas semanas depois, a carnificina do Rana Plaza fazia dez vezes mais mortos que o incêndio da Tazreen, suscitando este epitáfio do ministro bengalês das Finanças, Abul Maal Abdul Muhith: “Não acho que seja tão grave. Foi apenas um acidente.”
Olivier Cyran é jornalista.