“Eles nos tratam pior que animais”: a realidade dos trabalhadores da Amazon na Inglaterra

Fotografia: Super Straho/Unsplash

Na quinta-feira, 24 de agosto, por volta das três da manhã, uma tubulação de água estourou em Bristol, uma cidade na região sudoeste da Inglaterra. Para os trabalhadores no armazém da Amazon BRS1, isso significou a falta de acesso à água e instalações sanitárias. Na maioria das indústrias, a interrupção no fornecimento de água levaria a uma paralisação operacional. Mas para a Amazon, foi como se nada tivesse acontecido. Apesar dos apelos dos trabalhadores, eles foram instruídos a permanecer em seus postos de trabalho e continuar trabalhando.

Hannah, que trabalha no local há vários anos, disse à Tribune, revista parceira da Jacobin localizada no Reino Unido: “Às 4h30 da manhã, há um prazo para os pedidos prioritários [entrega no dia seguinte] saírem do armazém. Eu acredito que eles mantiveram as pessoas trabalhando para cumprir esse prazo, ignorando quaisquer regras de saúde e segurança, além dos direitos humanos.”

Outro trabalhador postou o seguinte no quadro de mensagens interno da Amazon: “A decisão deles foi desumana, já que a única solução era fechar a empresa e mandar os funcionários para casa. Eu me senti tratado pior do que os animais são tratados. Novamente, os gerentes mostraram que só se importam com o trabalho e com as metas, não com nossa saúde e dignidade.”

Tribune teve acesso a uma resposta da administração no quadro de mensagens da empresa reconhecendo o problema. ‘Lamento ouvir como vocês se sentiram com os eventos desta manhã. Os gerentes reagiram aos eventos desta manhã o mais rapidamente que puderam.’

O acesso à água corrente limpa e a banheiros no trabalho são requisitos básicos de bem-estar estabelecidos pelo Health and Safety Executive (HSE), o órgão regulador nacional da Grã-Bretanha para saúde e segurança no local de trabalho. Segundo os Regulamentos de Saúde, Segurança e Bem-Estar no Local de Trabalho de 1992, todos os empregadores devem fornecer aos trabalhadores um ‘suprimento adequado de água potável e saudável’. A decisão da administração pode ser potencialmente ilegal.

Christian, que trabalhou no turno da noite, confirma as recordações de Hannah. “Não tínhamos acesso à água, além de todas as máquinas de venda automática não funcionarem, e eles fecharam todos os banheiros e nos disseram para não usá-los.”

Christian trabalha como Monitor de Piso da Amnesty (AFM). O trabalho envolve o manuseio de robôs e itens danificados, o que pode incluir derramamentos de líquidos quando ocorrem erros e falhas técnicas.

“Estava realmente movimentado nos pisos. Às 3h45, meus colegas relataram o problema com a água para o nosso líder de equipe. Ele parecia saber sobre o problema e nos disse para continuar e segurar se precisássemos ir ao banheiro”, explica Christian. “Ninguém parecia se importar. Às 4h45, depois de termos todos dito ao nosso líder que estávamos com sede e não podíamos continuar nessas condições, nosso gerente de operações de saída nos disse podermos parar. Eles mantiveram algumas pessoas nos postos até as 5h.”

Hannah explica que o local da Amazon é isolado, e os banheiros públicos fora do armazém da Amazon são difíceis de encontrar. ‘E quanto às pessoas com deficiências, mulheres grávidas ou mulheres no período menstrual?’ ela pergunta.

O problema continuou durante o turno do dia. ‘Eles enviaram um e-mail para os trabalhadores do turno do dia às 7h da manhã pedindo que não viessem trabalhar quando o horário de início era às 7h45’, explica Hannah.

Muitos trabalhadores viajam para o local de Bristol a partir da região de Newport, cerca de uma hora e meia de distância. A organizadora do sindicato GMB, Marie McDonald, diz que os trabalhadores foram instruídos a voltar para casa e informados de que seriam pagos pelo dia. Mas por volta das doze e meia, receberam uma mensagem do local dizendo que a água estava de volta e que deveriam estar no local até uma hora da tarde.

“Você deve considerar que muitos de nossos membros viajam longas distâncias para trabalhar. O ponto de ônibus em Newport não é acessível. Eles precisam caminhar por meia hora, então muitos não conseguiram pegar o ônibus a tempo de voltar para Bristol”, diz ela à Tribune.

‘Um de nossos membros, que não conseguia chegar fisicamente ao local, foi informado de que teria que tirar férias se não conseguisse chegar ao local. Ela não tem férias, então está sendo penalizada por um problema completamente fora de seu controle. Na minha opinião, a Amazon está priorizando a produtividade em detrimento da segurança dos funcionários.’

O histórico da Amazon em saúde e segurança deixa muito a desejar. Em 2022, os trabalhadores dos armazéns da Amazon nos Estados Unidos sofreram lesões graves em mais de duas vezes a taxa de instalações comparáveis.

Em março, durante uma segunda onda de greves no armazém da Amazon em Coventry, cidade inglesa na região metropolitana de Londres, a organizadora da GMB, Rachel Fagan, destacou como o armazém estava sob tanta pressão que estava desmoronando. ‘Um grande pedaço de metal caiu do teto e caiu na cabeça dessa senhora. Quase dividiu a cabeça dela ao meio’, ela disse à Tribune.

‘As pessoas estão curvando as costas e torcendo os corpos para tentar atingir metas impossíveis, o que está causando lesões físicas’, diz Chris, um trabalhador em Doncaster. ‘Uma amiga minha que acabou de se sindicalizar torceu o tornozelo e danificou os tendões. Ela teve que ficar afastada do trabalho por seis semanas sem pagamento devido às botas de segurança que a Amazon havia fornecido a ela, e ela recebeu uma advertência quando voltou ao trabalho.’

Pedidos para ter acesso via leis de acesso à informação sobre nove serviços de ambulância já revelaram que, de janeiro de 2018 a agosto de 2021, foram feitos 971 chamados de ambulância para os armazéns da Amazon no Reino Unido — o equivalente a até cinco por semana. Apenas em Tilbury, onde um funcionário do sexo masculino morreu em 2021, foram feitas 178 chamadas de ambulância.

A falta de disposição dos gerentes em renunciar a algumas horas de trabalho em prol do bem-estar dos funcionários está conforme as práticas de emprego mais amplas da Amazon. Desde motoristas urinando em garrafas até a produtividade dos trabalhadores do armazém sendo monitorada, classificada e examinada como se estivessem participando dos Jogos Vorazes, a indignidade é uma característica definidora do emprego na Amazon.

Esta é a realidade por trás do consumismo de comércio eletrônico com um clique. O bem-estar dos trabalhadores do armazém é sacrificado em nome da eficiência e do lucro. Superyates e corridas espaciais para bilionários como Bezos enquanto os trabalhadores que produzem sua riqueza trabalham no planeta Terra sem acesso a banheiros e água.

A crescente sindicalização dos trabalhadores da Amazon muitas vezes é compreendida sob a ótica da crise do custo de vida, mas, no seu cerne, é uma luta por dignidade e respeito básico no local de trabalho. E se os trabalhadores da Amazon não receberem tal privilégio, eles irão exigir isso.

A Amazon não respondeu aos pedidos de comentário da Tribune.

Fonte: Jacobin Brasil
Texto: Taj Ali
Tradução: Sofia Schurig
Data original da publicação: 08/09/2023

One Response

  • De volta ao século XIX? Nos EUA, leis que regulavam o trabalho infantil (ou o proibiama) estão sendo revogadas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *