Eleger um presidente é mais fácil do que passar uma Reforma da Previdência

Leonardo Sakamoto

Fonte: UOL
Data original da publicação: 25/02/2019

Ao sugerir que Jair Bolsonaro e seu partido, o PSL, usem a estrutura política de comunicação “que levou o presidente ao governo e que apresentou competência muito grande de influência” nas redes sociais para convencer a sociedade da Reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, esquece que eleger um presidente é mais fácil do que passar a mudança nas aposentadorias e benefícios assistenciais. E que as redes sociais, mesmo aquelas profissionalmente mobilizadas, não são páreo para a insatisfação social – principalmente se o governo continuar demonstrando insensibilidade com os mais pobres.

Antes de mais nada, seria saudável se o partido do presidente usasse as redes para explicar outra coisa à sociedade: o laranjal que cultivou ao destinar recursos públicos a candidaturas de fachada nas eleições. A começar pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG) e pelo ex-ministro, ex-presidente da sigla e ex-BFF de Bolsonaro, Gustavo Bebianno. Mas também sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e suas relações com cítricos e milicianos.

Todos concordam com a fala de Rodrigo Maia sobre a importância de informar à população sobre a reforma. Contudo, vale complementar que ao Poderes Executivo e Legislativo cabem, além de explicar, também chamar a população para debater o texto e opinar sobre ele. Afinal de contas, reformar a Previdência não é apenas um tapa-buraco fiscal, mas faz parte de um projeto de país.

Mas se a comunicação da campanha de Bolsonaro foi, por um lado, exitosa, por outro, transbordou denúncias. Como as de desinformação produzida em sites anônimos e divulgada via perfis reais e falsos em redes sociais ou disparada aos milhões através de aplicativos de mensagens bancadas por doações de empresários.

Se o debate da Reforma da Previdência seguir o mesmo padrão de parte da campanha do candidato, haverá ataques violentos contra pessoas que seja críticas ao projeto do governo, sejam elas parlamentares, jornalistas ou cidadãos. Deputados, senadores, governadores ou mesmo o presidente irão incitar seus seguidores pela aprovação da pauta. Aliás, não apenas seguidores, como também consultorias contratadas para disparar mensagens.

Bolsonaro não foi eleito por causa das redes, mas porque soube aproveitar um momento de grande insatisfação com a violência, o desemprego e a corrupção para surfar como antissistêmico – mesmo fazendo parte do sistema há três décadas. Soube também explorar o antipetismo e o sentimento de necessidade de renovação. As redes foram instrumento, não causa.

Ao falar de suas propostas, mesmo que de maneira vazia, de forma que o cidadão comum sentisse que estabelecia com um candidato um canal de comunicação sobre suas frustrações e dificuldades, conquistou votos. Entregou uma narrativa – mesmo que inconsistente – para que esse cidadão pudesse tocar sua vida. Narrativa que os partidos tradicionais solaparam em oferecer.

Após eleito e sentindo-se empoderado pelo processo de comunicação eleitoral, Bolsonaro quis criar uma base de apoio em cima de bancadas temáticas, como a ruralista, a do fundamentalismo religioso e a corporativa de agentes da segurança pública. Ele foi avisado, mas ignorou, que isso não substitui a negociação com partidos tradicionais e seus líderes.

Convencer milhões de seguidores nas redes sociais a votarem em alguém é bem mais fácil do que fazer com que lideranças partidárias coloquem as pautas do governo na agenda de votações e entreguem votos necessários para aprová-las em assuntos que fogem aos interesses das bancadas temáticas. Parte desse público de 513 deputados e 81 senadores não se manipula tão facilmente. Outros têm seu preço – que não é baixo, envolvendo cargos, emendas e compartilhamento de poder.

Ao mesmo tempo, contar que o grosso da população (descontados partes dos formadores de opinião e empresários) conectada na rede irá pressionar os parlamentares pela aprovação da Reforma da Previdência é esperar que Papai Noel venha fazer uma cafuné na noite de Natal.

O mais provável é que, se devidamente informadas sobre a reforma, ocorra o caminho inverso: muitos dos seguidores desses parlamentares eleitos com a ajuda das redes irão pressioná-los para que não apoiem mudanças que dificultem a aposentadoria de suas categorias profissionais e grupos sociais. Isso sem contar as maldades, como dificultar o acesso a um salário mínimo a idosos muito pobres e postergar a aposentadoria especial rural e a dos trabalhadores assalariados rurais. Como esses políticos vão reagir a isso é uma incógnita.

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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