Ecomodernismo ou como pintar o capitalismo de verde

Os ecomodernistas oferecem-nos um “bom Antropoceno”. Mas será mesmo assim?

João Garcia Rodrigues

Fonte: Esquerda
Data original da publicação: 18/12/2022

Talvez nunca tenhas ouvido falar de ecomodernismo. É natural. É um termo menos apelativo do que “crescimento verde”, “economia verde” e tantos outros vocábulos esverdeados para limpar a imagem de governos e multinacionais que agravam as crises ecológica e climática. O termo é obscuro, mas as suas ideias não. O ideário ecomodernista é hoje amplamente prescrito pelo Banco Mundial, FMI e OCDE. É o alfa e o ómega da política ambiental neoliberal. Os ecomodernistas oferecem-nos um “bom Antropocénico”. Mas será mesmo assim?

O ecomodernismo é um projeto intelectual com motivações políticas. Surge na ressaca da derrota eleitoral de Al Gore, quando dois empresários da área da comunicação, especializados em campanhas eleitorais e ambientais – Michael Shellenberger e Ted Nordhaus –, publicam o ensaio “A morte do ambientalismo” 1. Cientes do bloqueio de Bush à política climática, criam uma nova narrativa para apelar não a “verdes progressistas”, mas a “eleitores de colarinho azul e democratas simpatizantes de Reagan”, avessos à regulação ambiental.

Para os ensaístas, o ambientalismo tradicional havia falhado. Em vez de regulação para reduzir impactes ambientais, limites à utilização exacerbada de recursos e energia, e políticas para alcançar equilíbrios com a natureza, era tempo de exaltar o crescimento económico, a inovação tecnológica e a intensificação da atividade humana. Havia que “separar” os humanos da natureza.

A nova narrativa permite a Shellenberger e a Nordhaus justificar a criação de programas ambientais mais atrativos ao financiamento da elite da filantropia dos EUA. Mas faltavam instrumentos para a aprofundar e disseminar. Em 2007, criam o Breakthrough Institute, o think tank responsável pelo manifesto ecomodernista 2. Nele apresentam as suas principais propostas: para reduzir emissões, evitar o colapso ecológico e erradicar a pobreza, propõem acelerar a urbanização, concentrar pessoas em cidades, intensificar a agricultura industrial e apostar na energia nuclear.

Em 2015, Shellenberger deixa o Breakthrough Institute e funda a Environmental Progress, uma organização centrada na promoção da energia nuclear. A defesa do nuclear é central na sua candidatura democrata a governador da Califórnia, em 2018. Com 0,5% dos votos, fica-se pelas eleições primárias. Em 2022, repete a candidatura, como independente, na qual defende o aumento da extração de petróleo e gás para baixar os preços da energia. Consegue 3% dos votos.

Expansão infinita?

As ideias ecomodernistas apelam ao senso comum construído pela economia neoclássica e ampliado pela retórica neoliberal. Nessa retórica, a economia cresce, o ambiente melhora e toda a gente ganha. É a narrativa do “crescimento verde” que endeusa ganhos de eficiência na produção de bens e serviços, conseguidos pelo progresso tecnológico. Para os ecomodernistas, estes ganhos levam à desmaterialização crescente das economias, reduzindo a dependência de recursos e energia, e, assim, os danos ambientais.

É a narrativa salvífica: a expansão económica reduz a degradação do planeta enquanto gera mais riqueza para todos. Mas a realidade é diferente. Stern provou que o crescimento económico, por si só, não reduz a poluição 3 4. Piketty demonstrou o mesmo para a concentração de riqueza 5.

O pressuposto ecomodernista assume que a dissociação absoluta entre crescimento económico e impactes ambientais é alcançável num planeta com limites biofísicos. Ou seja, entende que a economia pode crescer enquanto diminuem os impactes ambientais provocados pela extração de recursos e pela emissão de gases com efeito de estufa. Está por provar.

À escala global, não há evidência de que o crescimento das economias esteja a dissociar-se da utilização de recursos 6. Pelo contrário, a extração aumenta, sem diminuição ou circularidade à vista. Quanto aos gases com efeito de estufa, há dados que mostram crescimento económico com redução de emissões. Está a acontecer na UE e nos EUA, por exemplo. Mas há dois problemas: são regiões que continuam com níveis demasiado altos de emissões; e não é provável que, a nível global, esta dissociação aconteça com a rapidez necessária para cumprir a meta de aquecimento de 1,5 ou mesmo de 2ºC, face aos níveis pré-industriais.

É curioso que, à esquerda, haja quem defenda o ideário ecomodernista 7. Um ecomodernismo socialista seria menos danoso para o planeta do que a versão capitalista, só porque os meios de produção e a tecnologia passariam a ser de propriedade e gestão coletivas? O que fazer com a violência do extrativismo, da intensificação e da urbanização galopantes que despojam os recursos e os modos de vida das comunidades rurais e dos povos indígenas?

É certo que não faz sentido ser a favor ou contra a tecnologia – ela existe desde que há humanidade –, mas sim discutir que tecnologias (e quem as controla) e, sobretudo, que tipo de economia precisamos para satisfazer necessidades humanas e ter vidas prósperas que respeitam os limites biofísicos do planeta. A redução agregada da utilização de energia e recursos parece inevitável. O que está em disputa é se será planeada e justa ou caótica e autoritária.

Referências

1 Shellenberger, M. & Nordhaus, T. 2004. The death of environmentalism: Global warming politics in a post-environmental world. https://grist.org/article/doe-reprint/(link is external)

2 An Ecomodernist Manifesto. http://www.ecomodernism.org/manifesto-english(link is external)

3 Stern, DI. 2004. The rise and fall of the environmental Kuznets curve. World development, 32(8), 1419-1439.

4 Stern, DI. 2017. The environmental Kuznets curve after 25 years. Journal of Bioeconomics, 19(1), 7-28.

5 Piketty, T. 2014. O capital no século XXI. Temas e Debates. 912p.

6 Hickel, J., & Kallis, G. 2020. Is green growth possible?. New political economy, 25(4), 469-486.

7 Huber, M. 2022. Mish-Mash Ecologism. New Left Review. https://newleftreview.org/sidecar/posts/mish-mash-ecologism

João Garcia Rodrigues é investigador em sistemas socioecológicos. Ativista do Bloco de Esquerda

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *