Crescer a partir de uma base fraca é fácil, mas não é essa a questão relevante agora na economia.
Flavio Fligenspan
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 17/06/2021
O mercado financeiro se entusiasmou com a divulgação do PIB do primeiro trimestre de 2021, que revelou uma taxa de crescimento de 1,2% em relação ao trimestre anterior, o do final de 2020. O passo seguinte deste entusiasmo foi o surgimento de apostas de uma expansão de até 5% neste ano, o que recuperaria tudo que se perdeu com a pandemia. Na verdade, confirmando-se os 5%, chegaríamos a um nível de PIB 0,7% superior ao de 2019, mas para não perder a perspectiva histórica, ainda 1,7% inferior ao que produzimos em 2014. É importante marcar bem, se as apostas otimistas se confirmarem, teremos em 2021, portanto sete anos depois de 2014, um PIB ainda 1,7% menor que o de 2014.
Estas várias taxas nos reafirmam o óbvio, que crescer a partir de uma base fraca é fácil. Não é de admirar que alguns indicadores atuais estejam em alta depois da fase mais aguda da pandemia e a partir do avanço da vacinação e da reabertura de várias atividades, entre eles os indicadores de confiança, de vendas do comércio e de produção industrial. Todavia, a questão relevante não é esta, mas sim o tamanho da melhora e, principalmente, a capacidade da economia de sustentá-la. Ou seja, é a dinâmica da melhora que importa.
E é neste ponto que a situação complica. Um dos aspectos críticos é a heterogeneidade da mudança, isto é, diferentes setores de atividade têm mostrado ritmos de recuperação distintos e os Serviços têm ficado para trás em relação à Agropecuária e à Indústria. Sendo os Serviços o setor com maior peso no PIB e no emprego, inclusive com a característica especial de ser responsável pela ocupação de milhões de pessoas na informalidade, a necessidade de distanciamento social tem promovido um grande estrago, já que muitos Serviços necessitam a presença física dos clientes para se realizarem. É claro que não se está fazendo aqui a defesa da ocupação informal, mas o fato é que este tipo de ocupação precária e de baixo rendimento ainda assegura a sobrevivência de muitas famílias no Brasil e neste momento ele está travado.Os efeitos do boicote à vacinação
A forma óbvia e simples de se fazer uma retomada mais rápida das atividades em geral e dos Serviços, particularmente, seria um avanço rápido da vacinação, para chegarmos logo no ponto em que os epidemiologistas consideram haver uma espécie de imunização coletiva. Contudo, como se sabe, o Governo Federal não é capaz de tomar esta atitude e, pelo contrário, ainda boicota o processo de vacinação.
Assim que chegamos a um ponto curioso da análise da conjuntura econômica. O PIB comemorado do primeiro trimestre do ano tem vários componentes com taxas positivas, mas um dos poucos com taxas negativas é o Consumo das famílias, em parte pela continuidade do distanciamento social e em parte pela suspensão do Auxílio Emergencial entre janeiro e março deste ano, um erro grosseiro do Governo que apostou no final da pandemia na virada do ano.
O efeito da suspensão do Auxílio e das imensas dificuldades das famílias de baixa renda sem ocupação também aparece nas vendas do Comércio varejista. Para este agregado já há informações do IBGE até abril e o que se observa é que a maioria das atividades teve aumento das vendas frente a março, mas Hipermercados foi a única, dentre as principais, que teve queda das vendas. Isto é, as dificuldades das famílias mais pobres se expressam nas vendas dos bens básicos.
A Teoria Econômica ensina que o Investimento é uma variável que tem um duplo efeito no tempo; no presente é parte da demanda agregada – demanda por máquinas, equipamentos, construção civil, obras de infraestrutura – e no futuro, uma vez realizado o investimento, compõe o aumento da oferta, da capacidade produtiva de uma sociedade. Por isso, os economistas dão tanto valor a esta variável e pregam a necessidade de se aumentar a relação Investimento/PIB (taxa de investimento), para sustentar taxas maiores de crescimento. Nas três últimas décadas muito se discutiu sobre a necessidade de aumentar a taxa de investimento para algo entre 20% e 25% no Brasil, como forma de sustentar um crescimento do PIB entre 3% e 4% ao ano sem gerar pressões pelo lado da oferta. Hoje a taxa de investimento está em torno de 17%, uma verdadeira tragédia econômica.
Bons tempos aqueles em que os economistas brasileiros reclamavam da falta de investimentos; agora estamos reclamando da falta de consumo. Regressão, baita regressão.
Flavio Fligenspan é Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).