Pesquisadores da área do mercado de trabalho têm estranhado a disparidade de sinais quanto à criação de postos de trabalho, positivo para o Caged e negativo para a PNAD.
Flavio Fligenspan
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 02/11/2020
Na quinta feira da semana passada o Ministério da Economia divulgou as informações do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) relativas a setembro. O saldo entre admissões e desligamentos foi de 313 mil, resultado além do esperado e muito comemorado pela equipe econômica. Chegou-se mesmo ao exagero de associar os números positivos como “prova” da recuperação em formato de “V”, visto que este é o terceiro mês seguido com admissões superiores aos desligamentos – julho teve 139 mil e agosto, 244 mil.
Nada foi dito sobre os resultados super negativos do período de março a junho, quando se perderam 1,6 milhão de postos de trabalho formal, no auge das demissões causadas pela pandemia. Assim que o acumulado do ano ainda é negativo em 560 mil postos, ou seja, a recuperação do último trimestre apenas repôs parte do que se perdeu nos quatro meses anteriores – janeiro e fevereiro também tiveram saldos positivos.
A boa notícia de quinta durou apenas um dia, pois na sexta feira saíram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNAD), que mostrou uma taxa de desemprego recorde de 14,4% para o trimestre junho-julho-agosto. Os resultados são muito ruins para qualquer variável que se observar da Pesquisa: a retração da população ocupada (com e sem carteira), o aumento da população subutilizada e um contingente elevado de desalentados. Apesar dos números ruins, nada está fora do esperado para este período excepcional.
O Caged e a PNAD são pesquisas bem diferentes, o primeiro restringe-se aos registros formais apenas, a partir das declarações de todas as empresas do País; o dado é pontual (para um mês específico) e carrega o peso da obrigação legal. A PNAD é amostral, realizada normalmente através de pesquisa nos domicílios, portanto se baseia na declaração das pessoas entrevistadas, revela resultados por trimestre (não por mês) e verifica mais variáveis sobre a condição da ocupação: formal, informal, desalento, subocupação, emprego doméstico. Neste período de pandemia a PNAD está sendo realizada por telefone, o que é considerado como uma tomada de dado de qualidade tecnicamente inferior à tradicional visita ao domicílio.
Sendo pesquisas tão diferentes, é possível que revelem resultados desencontrados, mas os pesquisadores da área do mercado de trabalho têm estranhado a disparidade de sinais quanto à criação de postos de trabalho, positivo para o Caged e negativo para a PNAD. Mesmo que se tomem apenas as ocupações formais da PNAD, para fazer uma comparação metodologicamente um pouco mais próxima do Caged, permanece a diferença de sinais. Uma hipótese para explicar tal diferença é o fato de que muitas empresas que estavam usando as regras excepcionais criadas neste ano para apoiar o emprego e financiar a folha de pagamento não aguentaram a crise prolongada e já fecharam, só não fizeram o registro devido, isto é, não informaram o Caged. Assim, muitos desligamentos que já ocorreram estariam formalmente represados e ainda vão aparecer nas estatísticas nos próximos meses.
Há outra hipótese, esta ligada à atividade industrial, que também tem causado algumas surpresas positivas nos últimos meses. Observou-se que algumas atividades industriais têm trabalhado mais intensamente do que se esperava neste momento, têm contratado pessoal e têm até mesmo gerado fricções nas relações de diversas cadeias produtivas, por desabastecimento e filas de espera para o atendimento de pedidos. O fato é que no período inicial da pandemia muitas empresas praticamente pararam de produzir e atenderam seus clientes com a utilização dos estoques, a ponto de reduzirem muito estas reservas, tanto de matérias primas como de produtos acabados. Quando da retomada, principalmente a partir de julho, os fluxos normais de pedidos e entregas não foram restabelecidos, o que causou “soluços” de abastecimento.
Os indicadores da Indústria têm detectado aumentos de produção e de utilização das plantas, inclusive com a necessidade de horas extra em alguns setores. Ocorre que se prevê a normalização das rotinas de pedidos e de entregas rapidamente, o que recolocaria a Indústria num ritmo “normal” para o período que se está vivendo, ou seja, num ritmo de atividade fraco. Como reagiria a contratação/demissão de pessoal neste momento? Esta é uma pergunta ainda sem resposta definida.
Os próximos meses, na dependência da disponibilidade da vacina, vão definir o quadro de recuperação da produção e do emprego. Contudo, o lado da oferta vai depender decisivamente da renda, do sentimento de segurança econômica e da disposição dos consumidores. O Ministério da Economia projeta uma retomada firme do consumo, contando com uma parcela expressiva de poupança forçada das camadas de renda alta, que ficaram impedidas de gastar no período recente. Mais uma vez, agora na excepcionalidade do curto prazo, a economia do País – e o emprego – estariam na dependência do gasto das classes A e B.
Flavio Fligenspan é Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).