Em meio a uma série de propostas para tentar diminuir o rombo nas contas públicas brasileiras, o Governo de Michel Temer anunciou, na semana passada, uma nova previsão para o salário mínimo do ano que vem: 969 reais, dez reais a menos do que os 979 reais previstos inicialmente. A nova estimativa foi calculada por conta da queda da inflação nos últimos meses e das projeções mais recentes do índice, que define o reajuste salarial.
A notícia, que toca um tema sensível para a maioria dos trabalhadores brasileiros, no entanto, foi mal interpretada, desagradou a muitos e acabou caindo na ‘boca do povo’ de forma enviesada: o Governo estaria reduzindo em 10 reais o ganho de quem recebe o salário mínimo hoje. O apresentador José Luiz Datena, do popular “Brasil Urgente” da Band, foi um dos que alardeou a notícia, ao dizer que o Governo iria “tirar” dez reais do salário mínimo. Hoje, 45 milhões de brasileiros ganham o equivalente a um salário mínimo no país. “Isso é uma calamidade, um tapa na cara da sociedade. Se isso é feito em qualquer país, o povo saía na rua e quebrava tudo, tinha revolução”, disse Datena durante o programa da última sexta-feira.
A fala do apresentador e a má repercussão de um salário mais enxuto viralizaram de tal modo na internet que o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, precisou entrar em cena rapidamente, através de um vídeo difundido nas redes sociais do Governo neste final de semana. Na gravação, o ministro afirmou que eram falsas as notícias que estavam circulando a respeito do salário mínimo, desmentindo o corte e esclarecendo que a eventual diminuição acontece com o reajuste do salário para 2018, ou seja, o valor que será corrigido no ano que vem sobre os atuais 937 reais.
Oliveira explicou que na verdade a queda de dez reais no salário mínimo é resultado de uma nova projeção da inflação, menor do que a prevista inicialmente, o que portanto virá a impactar no valor do reajuste do salário mínimo de 2018. “Não é verdade que o governo reduziu o salário mínimo. O que está valendo hoje, para 2017, é o salário mínimo de 937 reais, e para 2018 vale o que está na lei. Ou seja, o salário mínimo será reajustado pela inflação”, disse o ministro, que ainda pediu ajuda para divulgarem o seu vídeo.
O salário mínimo no Brasil é reajustado de acordo com a variação do PIB de dois anos antes [que em 2016 teve queda de 3,6%, portanto não incrementa o salário], mais o Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC), que pode fechar o ano com alta de 4,2%. Inicialmente, porém, a expectativa do Governo era de uma inflação de 4,5%. Mas a recuperação lenta da economia e o desemprego ainda em alta têm mantido o consumidor reticente na hora de fazer compras o que faz os preços caírem.
Por isso, o reajuste do salário será menor do que o Governo havia anunciado em abril, ao enviar ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que traz as projeções de gastos e receitas.
Críticas contra privilégios
Além de afirmar o salário dos trabalhadores brasileiros estava sendo diminuído, o apresentador Datena tocou em um dos temas mais criticados atualmente: o alto custo do funcionalismo público. O jornalista sugeriu que os gastos com os 513 deputados, cerca de um bilhão de reais por ano, deveriam ser reduzidos com corte de pessoal em um país que fala em ajuste fiscal. “É justo tirar 10 reais do trabalhador brasileiro, esse pessoal está brincando. Esses políticos estão gozando da cara do brasileiro”, disse o apresentador.
No Twitter, os usuários utilizaram a hashtag #salariominimo para questionar a redução da estimativa do próximo ano. “Ao mesmo tempo em que se tira R$10 do salário paga-se R$500.000,00 a um juiz federal. Viva!”, criticou um dos usuários em referência ao juiz Mirko Vincenzo Giannotte, da 6ª Vara da Comarca de Sinop, a 503 km de Cuiabá, que recebeu 503. 900 reais em vencimentos em agosto. O valor corresponde a 536 salários mínimos.
Para reduzir parte dos gastos do rombo estimado em um déficit de 159 bilhões neste ano, o Governo tentou mostrar que também está cortando na própria carne ao anunciar o congelamento do reajuste salarial dos servidores do próximo ano, o cancelamento de reajuste de cargos comissionados e a redução do gasto com a ajuda do custo nas transferências de funcionários para outros Estados. Todas as medidas, no entanto, necessitam do aval do Congresso ainda
Fonte: El País
Texto: Heloísa Mendonça
Data original da publicação: 21/08/2017