O presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu desmembrar o atual Ministério da Economia em pelo menos três pastas: da Fazenda – que será comandada pelo ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad –, do Planejamento, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) – as duas últimas ainda sem ministro definido até agora.
A divisão foi anunciada pelo coordenador dos grupos técnicos do gabinete de transição, o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), e põe fim ao “super Ministério” criado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para dar conta de toda a economia do país. Sinaliza também que o novo governo dará prioridade a políticas para a reindustrialização do país e também para elaboração e controle do Orçamento Público.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou que o Ministério do Planejamento, criado em 1962 e extinto em 2019 por Bolsonaro, sempre foi um órgão técnico dedicado ao Orçamento da União. Tem como objetivo principal “encaixar” nos gastos do governo políticas públicas definidas pelo Ministério da Fazenda e também outros ministérios.
Durante o governo Bolsonaro, esse trabalho passou a ser feito pelo Ministério da Economia. Nesse período também, cresceu o poder político do Congresso Nacional para a definição do Orçamento. Por meio das chamadas “emendas de relator”, que compõem o “orçamento secreto”, parlamentares passaram, inclusive, a definir parte relevante dos gastos públicos sem ter que conciliá-los com políticas de governo.
O Mdic, por sua vez, foi criado em 1960 e também acabou em 2019, sendo incorporado à Economia. Como seu próprio nome diz, ele era voltado à promoção da indústria nacional, que encolheu nas últimas décadas.
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicam que, em 1985, a indústria de transformação respondia por 36% da riqueza gerada por ano no Brasil. Em 2021, esse percentual era de 11%.
Ainda segundo a CNI, em 1995, a indústria brasileira produzia 2,7% dos manufaturados do mundo; hoje produz 1,2% – ou seja, menos da metade.
“A recriação do Mdic sinaliza que a indústria terá grande relevância para a dinâmica econômica”, afirmou Weiss, que é favorável ao desmembramento. “A indústria tem influência-chave sobre o restante da economia porque gera emprego de qualidade e aumenta a produtividade de todos os setores.”
André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressaltou, porém, que a simples recriação do Mdic não garante prioridade à reindustrialização. “Esta é uma agenda que precisa ter uma liderança convicta na centralidade da sofisticação produtiva para a retomada do desenvolvimento. É um trabalho difícil, porque enfrentará resistência por parte do mercado financeiro e da imprensa.”
Agenda de longo prazo
Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também é favorável ao desmembramento, apesar de ainda esperar detalhes sobre as atribuições das pastas a serem recriadas.
Ela afirmou que, com as pastas reunidas no Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, assuntos específicos de cada área acabavam não recebendo a atenção necessária. “Premências e urgências que são típicas das atividades de Fazenda dominam a agenda”, explicou ela, lembrando que a pasta é responsável por monitorar taxas de juros, de câmbio, superávit primário e muitos outros indicadores.
Dados como esses são monitorados por investidores e políticos praticamente 24 horas por dia. O Ministério da Fazenda tem a obrigação de responder por eles. Por conta disso, para Deos, nem sempre consegue pensar no longo prazo, o que é ruim. “Subordinar a gestão do setor público e o planejamento do desenvolvimento do país à ótica da Fazenda é condenar o país a um eterno curto prazo”, afirmou.
O economista Marcio Pochmann, que também é professor da Unicamp, afirmou que a unificação de ministérios realizada por Bolsonaro fracassou. Houve uma desorganização institucional no governo, o que foi detectado pelo gabinete de transição.
Ele lembrou que o Ministério da Economia no governo Bolsonaro chegou a englobar inclusive o Ministério do Trabalho e Previdência, recriado em 2021. Unificada, a pasta distanciou-se dos diferentes segmentos da sociedade, ficou mais isolada e dedicou-se a atender interesses do capital financeiro e do agronegócio exportador.
Para Pochmann, o novo governo deve ampliar o diálogo e a participação da sociedade com mais ministérios. O Ministério do Planejamento, em especial, deve dedicar-se a pensar o médio e longo prazo do país.
Gasto aumenta?
Quando Bolsonaro unificou os ministérios, usou como argumento o corte de gastos da máquina pública. Daniel Negreiros Conceição, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que essa justificativa não se sustenta.
Para ele, a má gestão da economia custa muito mais caro que a estrutura de ministérios. “Por maior que seja o valor economizado, ele nunca seria capaz de compensar o custo de uma gestão macroeconômica incompetente por insuficiência de recursos administrativos”, afirmou.
Roncaglia também vê a recriação de ministérios como uma necessidade. “A restauração dos ministérios é fundamental para a reconstrução das capacidades estatais nos campos do planejamento, execução e monitoramento das políticas econômica, de desenvolvimento e de gestão orçamentária”, concluiu.
Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 14/01/2022