Desigualdade: quais são as alternativas?

Se o Fórum Econômico Mundial constrói apoio para iniciativas intergovernamentais, pode ser um espaço global significativo, mas se acabar por minar os meios institucionais de enfrentar a desigualdade global, pode acabar exacerbando o fosso global entre ricos e pobres.

Matti Kohonen

Fonte: Brasil de Fato, com Christian Aid
Tradução: Pilar Troya
Data original da publicação: 02/02/2018

O Fórum Econômico Mundial (FEM), que ocorreu de 23 a 26 de janeiro, em Davos, na Suíça, serve como lembrete anual sobre o estado da renda global e da desigualdade na distribuição de riqueza, fenômeno que tem aumentado nos últimos 30 anos.

A globalização do mercado ajudou a criar novas ilhas de riqueza descarada em um amplo mar de pobreza em todo o mundo: de Pequim (China) a Moscou (Rússia), bem como as classes médias em Nairóbi (Quênia) e Lagos (Nigéria) – estas últimas capitais representando o avanço do capitalismo e de uma classe média que enriqueceu muito nos últimos anos.

Mas o que está impulsionando esse aumento?

Na última semana, a elite do mundo reuniu-se em Davos. O 1% mais rico do mundo é responsável ​​pela desigualdade ou a culpa deve ser compartilhada mais amplamente?

O domínio sem precedentes da globalização impulsionada pelo mercado significa que não há mais forças contrárias para parar a desigualdade e apresentar realidades alternativas, conforme exigido por ativistas, incluindo a Aliança de Combate à Desigualdade e outras organizações da sociedade civil.

A “curva do elefante”

Os defensores de tal visão deveriam simplesmente esperar que os mecanismos de mercado de oferta e demanda terminassem por acabar com a desigualdade econômica?

Este é o argumento de muitos acadêmicos que estudam a desigualdade quando se referem à “curva do elefante” – no qual um país experimenta primeiro um aumento da desigualdade de renda em seu estágio inicial de desenvolvimento. À medida que os serviços públicos são construídos, fazendo uso dos crescentes recursos internos acumulados pelo crescimento econômico, os salários aumentam, o que leva a um menor estado de desigualdade de renda.

Este argumento tem muitas falhas. Identificar a desigualdade como um estágio de crescimento inevitável só ajuda a legitimar a resposta do Estado capitalista a uma pandemia global que ignora as causas profundas e as condições estruturais de opressão e exploração, muitas vezes consideradas “muito confusas” para aborda-las de forma significativa.

Ele também negligencia a dinâmica da desigualdade de riqueza, que só agora está sendo entendida por meio do trabalho histórico de Thomas Piketty [1] e outros, embora principalmente limitado a nações de alta renda em vez de países em desenvolvimento, onde os registros de impostos, ativos e propriedade da terra são menos completos.

Desigualdade além da renda e da riqueza: discriminação

Em primeiro lugar, a desigualdade não pode simplesmente ser expressa em termos econômicos. Ela também tem a ver com a discriminação e a exclusão de certas identidades de participar plenamente das oportunidades geradas pelo crescimento econômico – negros e indígenas, mulheres, membros da comunidade LGBTI, pessoas com deficiência e minorias religiosas.

No sul da Ásia, por exemplo, a discriminação baseada em castas continua a ser uma prática abrangente que afeta cerca de 260 milhões de pessoas. Legalmente banido, este sistema está profundamente arraigado na sociedade e é a própria negação dos princípios da igualdade e da não discriminação, o que prejudica o gozo de uma ampla gama de direitos econômicos, civis, políticos, sociais e culturais para os dalits (grupo inferior no sistema de castas, também chamados de “intocáveis”) e outros grupos afetados por castas.

As mulheres e meninas dalits estão expostas a múltiplas formas de discriminação baseadas em gênero e casta e são, portanto, vulneráveis ​​a várias camadas de marginalização e violência.

Bem público

Em segundo lugar, reduzir a desigualdade demanda políticas ativas dos governos nacionais para garantir que o bem público esteja sendo cumprido. Isso também deve ser apoiado por atores progressistas do setor privado que sejam a favor da inclusão de seus funcionários e clientes nos benefícios, a longo prazo, do crescimento econômico.

No Brasil, um país muitas vezes considerado um dos mais desiguais do mundo, o investimento contínuo em serviços públicos da última década começou a mostrar sinais de redução da desigualdade. Desde programas de assistência social em larga escala, como o Bolsa Família, até os salários e planos de pensão indexados ao salário mínimo – todos contribuíram para o declínio constante da desigualdade no Brasil. [2]

No entanto, a introdução da Emenda Constitucional 95 no país, no final de 2016, impôs um limite máximo às despesas públicas para os próximos 20 anos. Essa medida agressiva de austeridade irá desfazer as políticas de bem-estar universal garantidas na Constituição brasileira de 1988.

Os indicadores iniciais mostram uma redução de 14% [3] nas despesas primárias, o que agravará as desigualdades e afetará de maneira ainda mais forte as mulheres, as populações indígenas e os negros. Ainda que o presidente brasileiro, Michel Temer, seja um dos poucos que irão no encontro das elites globais em Davos com o objetivo de reivindicar a criação de um futuro compartilhado em um mundo fraturado.

Então, quais são algumas das alternativas e o que pode ser feito para parar a desigualdade aqui e agora?

Os países que enfrentaram com sucesso a desigualdade tendem a criar uma narrativa sobre o bem público e compartilharam uma identidade positiva de uma nação que permite, em alguns casos, colocar o bem público e o social acima da lealdade pessoal, familiar ou étnica.

Isso exige que um Estado esteja disposto a criar uma desregulamentação financeira inclusiva, sistemas tributários progressivos, regras que impedem a sonegação, criando políticas fiscais expansionistas e assegurando que as receitas de recursos naturais sejam em benefício de todos e não para ganhos privados.

Do mesmo modo, vivemos em um mundo onde a desigualdade é causada pela dinâmica da globalização impulsionada pelo mercado, que é amplamente desregulado e não transparente.

De fato, a presença de empresas e elites políticas na última semana em Davos mostra que uma elite global está tomando decisões em nosso nome sem qualquer sentido de responsabilidade ou de representação.

Em vez de Davos, o encontro de líderes globais deveria ocorrer sob os auspícios das Nações Unidas, e no qual a desigualdade histórica e atual deve ser considerada em temas importantes como mudança climática, discriminação baseada na identidade e pobreza extrema.

Metas de desenvolvimento sustentável

Entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ode número dez já reconhece a questão da desigualdade econômica a partir dessa visão e, portanto, devemos concentrar nossos esforços na resolução da desigualdade por meio de políticas intergovernamentais melhores e também uma melhor regulamentação e transparência das mesmas multinacionais que procuram criar orientações e códigos voluntários no Fórum Econômico Mundial.

Então, este fórum apoiaria a transparência tributaria total, país por país, nos relatórios corporativos e revelaria todos os beneficiários efetivos das corporações, além de confiar no início de uma conversa sobre equidade e justiça na era da globalização? O fórum apoiaria leis de salário mínimo e políticas de tributação progressiva?

Se o Fórum Econômico Mundial constrói apoio para iniciativas intergovernamentais, pode ser um espaço global significativo, mas se acabar por minar os meios institucionais de enfrentar a desigualdade global, pode acabar exacerbando o fosso global entre ricos e pobres.

Notas

[1] Piketty, T. (2014). Capital in the twenty-first century. Cambridge Massachusetts: The Belknap Press of Harvard University Press.

[2] The Scandal of Inequality 2: The Multiple Faces of Inequality in Latin America and the Caribbean, Christian Aid, 2017.

[3] Spotlight on Sustainable Development 2017: Reclaiming policies for the public, Civil Society Reflection Group 2017, 2030spotlight.org.

Matti Kohonen é Conselheiro de Princípios, Setor Privado, Christian Aid.

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