A opção relativa aos rumos para a política econômica, tal como adotada pelos sucessivos governos a partir de 2015, representou uma verdadeira tragédia para a grande maioria da população brasileira. O diagnóstico equivocado a respeito dos desequilíbrios nas contas públicas foi sendo martelado à exaustão pelos grandes meios de comunicação e pelos arautos do financismo. Como diz a música, parecia mesmo que “tá tudo dominado!”
Paulo Kliass
Fonte: Vermelho
Data original da publicação: 03/04/2018
O consenso em torno da agenda conservadora era de tal ordem que Lula chega a sugerir a Dilma o nome de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda. E ela acaba optando por um genérico e nomeia Joaquim Levy para o cargo no início de seu segundo mandato. O estrago estava a caminho.
A estratégia do austericídio proposta pelos representantes do sistema financeiro combinava a perversidade da política monetária hiperarrochada com a irresponsabilidade da política fiscal também contracionista. Ora, essa articulação de taxa de juros nas estratosferas com cortes draconianos e horizontais nas rubricas orçamentárias significava o início do fim. A insanidade era tamanha que os próprios responsáveis pela definição da política econômica promoviam o estrangulamento de qualquer capacidade de se estabelecer uma reação ao prenúncio das dificuldades que já se apresentavam na linha do horizonte.
Mas esse era apenas um dos aspectos da receita preferida pela ortodoxia para promover o tal do “ajuste”. Aliás, esse termo ficou consagrado como a miraculosa panaceia para dar conta de todos os problemas da economia brasileira. Ora, mencionar tão somente o termo “ajuste” tem o mesmo sentido de sugerir as tão badaladas “reformas”. Sem a companhia de algum adjetivo ou qualificação, tanto o primeiro quanto as últimas servem para tudo, nada e qualquer coisa. O ponto sensível é avançar na indagação a respeito de que tipo de ajuste ou reforma se está falando.
“Um certo nível de desemprego saudável”?
E assim o véu da suposta neutralidade da política econômica se esvai completamente. Afinal, não há proposta técnica e isenta nesse domínio. O ajuste recessivo implementado desde então tinha lado e intenção. Pouco a pouco, os economistas conservadores passaram a perder a pose e a vergonha. O principal formulador do programa de Aécio Neves nas eleições de 2014 era o banqueiro Armínio Fraga. Em suas declarações ele nem mesmo se ruborizava ao afirmar que o desequilíbrio era tão forte que se fazia necessário um “certo nível de desemprego saudável” (sic). Outros defensores do establishment financeiro avançavam com críticas em relação aos rendimentos dos trabalhadores e sugeriam que uma das razões da crise residia no elevado nível do salário mínimo e dos vencimentos dos assalariados de maneira geral.
A consequência mais grave de todo esse processo foi a “naturalização” da violência e da dor como as únicas saídas para a crise. A narrativa neoliberal buscava culpabilizar aquilo que assinalavam como o populismo e a irresponsabilidade reinantes desde 2003. Dessa forma, em razão dos pecados cometidos, o país haveria de purgar o sofrimento da cura. A recessão econômica e a queda no PIB converteram-se em metas a serem atingidas. Esse era o caminho da ortodoxia para promover o seu ajuste. Falências pulverizadas por todos os cantos e desemprego desenfreado seriam efeitos inescapáveis.
E assim foi feito. Os resultados todos conhecemos muito bem quais foram. Uma das formas pela qual o IBGE mede o desemprego ocorre pela apuração de uma variável chamada “taxa de desocupação”. A pesquisa chamada “PNAD contínua” registra regularmente o percentual da população desocupada sobre o total da força de trabalho, a chamada população economicamente ativa (PEA).
Vale a pena recordar que durante o último trimestre de 2013, ela estava em seu mais baixo nível histórico: 6,2%. Ao longo de 2014, houve uma ligeira elevação, mas ela terminou ainda em 6,5%. A economia seguia bem e o nível de atividade era bastante razoável. No entanto, a opção pelo ajuste recessivo, na forma do austericídio, terminou por comprometer esse quadro de aparente tranquilidade. Os lucros dos bancos e os ganhos dos setores do topo da pirâmide só fizeram crescer durante o aprofundamento da crise.
Pós-austericídio: desemprego aumenta 50%
Ao longo de 2015, o desemprego explode e aumenta de quase 50%: ele sai de 6,8% no início do ano e termina em 9,0% no último trimestre. Em 2016, a recessão se aprofunda ainda mais e a taxa de desocupação fecha o ano em 12%. Em 2017 ela chega a atingir o pico de 13,7% e depois se estabiliza em um patamar em torno de 12%. Ocorre que, para além dos números frios e das estatísticas, essa realidade evidenciava a piora na qualidade de vida da grande maioria de pessoas e famílias, que haviam obtido melhorias significativas desde as mudanças implementadas a partir de 2003. Mas o desemprego foi tratado como uma fatalidade inescapável e o próprio governo Dilma parecia ignorar o drama social instalado. O ministro do Planejamento Nelson Barbosa, por exemplo, às vésperas do golpeachment defendia medidas para retirar direitos dos trabalhadores, como abono salarial, seguro desemprego e pensão por morte.
Para além da taxa de ocupação como medida do desemprego, o IBGE também pesquisa e divulga outros indicadores que retratam a precariedade do mercado de trabalho, em especial nos momentos de crise. Esse é o caso da chamada “taxa de subutilização da força de trabalho”. Por meio de tal informação, pode-se avaliar o impacto das condições econômicas sobre as condições de vida daqueles que só possuem a capacidade de trabalhar como fonte de sobrevivência. Com isso, a taxa de subutilização incorpora também os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas e os que fazem parte da força de trabalho potencial. Assim, mesmo que a pessoa não se declare “desempregada” na pesquisa, fica evidenciado que está se sujeitando a condições anormais para assegurar algum rendimento no final do mês.
As informações relativas ao final de 2017 apontam para uma taxa de subutilização de 23,6% em relação ao total da PEA. Isso representa um contingente expressivo de 26,4 milhões de pessoas. Apenas a título de comparação, a mesma taxa atingiu seu mínimo de 14,9% no final de 2013, exatamente quando o desemprego estava também no mais baixo nível 6,2%. Mas o discurso oficial e a “intelligentsia” financista não parecem muito preocupados com os efeitos colaterais de tal escândalo social e econômico.
Brinde à precarização das relações de trabalho
O governo Temer propôs o radicalização de tal tendência, com a Reforma da Previdência e a flexibilização da CLT. Ao invés de sugerir medidas de suavização dos efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho, as propostas de políticas públicas apontam no sentido contrário. O contorcionismo retórico é tanto que a precarização das relações trabalhistas ganham nova roupagem sob o manto da narrativa do empreendedorismo. Assim, passam a ser exaltadas as virtudes e as qualidades dos indivíduos que passam a vender pipoca ou produtos/serviços semelhantes no limite da informalidade. Pouco importa se o analista está diante de uma pessoa que cansou de procurar um posto de trabalho, depois de ter sido desempregada. O que vale ressaltar para os cabeças de planilha é o espírito meritocrático dos que vêm de baixo. Afinal, isso só demonstra como a dinâmica do mercado sempre apresenta uma solução de equilíbrio ótimo para todos.
O financismo se mostra sempre muito preocupado com aspectos como “custo Brasil”, “carga tributária”, necessidade de desoneração, justa remuneração dos ativos, entre tantos outros. Clama por todos os lados a exigir responsabilidade fiscal, mas sempre orienta a separar a sua parte privilegiada no bolo dos recursos públicos. Mas quando se trata de sugerir medidas na área social, impera o silêncio. Medidas para retomar o caminho do crescimento e do desenvolvimento com o protagonismo do setor público são descartadas a priori. Pelo contrário, os elogios vão sempre para o caminho do desmonte do Estado e do corte de verbas da área social.
E assim o drama do desemprego continua sua saga de escândalo sempre ignorado pelas elites endinheiradas de nosso triste Brasil.
Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.