Desafios do desenvolvimento (4): Urgentes desafios para uma população que muda

Clemente Ganz Lúcio

A sociedade produz o desenvolvimento, distribuindo os ganhos do crescimento econômico, bem como repartindo o estoque de riqueza gerado. Essa distribuição não é pacífica, o conflito está no cerne das tensões sociais e é objeto permanente de disputa. Porém, para disputar e distribuir, é preciso produzir os bens e serviços capazes de conferir bem-estar material e qualidade de vida para todos. Esse é um enorme desafio: produzir e distribuir para todos!

O Brasil possui uma força de trabalho ativa de quase 100 milhões de trabalhadores que têm o desafio econômico de produzir para sustentar uma vida decente para os quase 200 milhões de brasileiros. Quando a população aumenta, mais pessoas chegam ao mercado de trabalho e cresce a demanda por bens e serviços. Da mesma forma, quando se insere economicamente parte da população excluída do mercado de trabalho e do consumo, amplia-se a demanda que anima a produção e faz crescer a capacidade produtiva das empresas com novos investimentos. Esses dois movimentos contribuíram para sustentar o crescimento econômico do país na última década. Nessa dinâmica, jovens e adultos formam uma maioria que impulsiona a capacidade produtiva que, combinada com a inovação tecnológica, é capaz de aumentar a produtividade e a capacidade da economia para atender as demandas da sociedade. Nesse período o contingente de pessoas em idade ativa é maior do que o de crianças, jovens e idosos, estes dependentes da capacidade produtiva daqueles.

O que acontece quando o aumento populacional diminui? O que ocorre quando essa diminuição vem acompanhada do aumento da expectativa de vida? A população envelhece, o que provoca mudanças profundas na população, fenômeno em curso em nosso país [1]. Segundo dados do IBGE, a expectativa de vida dos brasileiros saltou de 62,6 anos (1980) para 74,9 anos, em 2013. Para aqueles que atingem 60 anos, a expectativa de vida saltou de 76,4 anos para 81,8 anos, no mesmo período. De outro lado, o número de filhos por mulher em idade fértil vem caindo e está em 1,8 filho por mulher, o que indica que, perto de 2040, a população deixará de crescer, caso não se reverta essa tendência ou não ocorra um novo fluxo imigratório que compense essa queda.

O Brasil ainda está em um período considerado auspicioso, pois a população em idade ativa é maior do que a população dependente (crianças e idosos), portanto há capacidade produtiva para gerar um excedente que amplia as condições de bem-estar e qualidade de vida. O desafio – e a grande oportunidade – nesse período é produzir um tipo de enriquecimento que promova o desenvolvimento do país. Isso não é nada fácil, especialmente porque a desigualdade é uma característica estrutural da sociedade brasileira.

O que ocorrerá com a sociedade brasileira se não realizar a tarefa de produzir capacidade econômica para gerar bem-estar e qualidade de vida para todos? Há um alto risco de se consolidar uma realidade de desigualdade estrutural, com déficits econômicos e sociais intransponíveis, com possíveis e graves consequências políticas e culturais.

O tempo é curto: temos uma década. Esse bônus diminuirá progressivamente a partir de 2025. A tarefa que se impõe dramaticamente é fazer todo investimento necessário para aproveitar o que nos resta da janela de oportunidade demográfica: concentrar todo esforço público na promoção da universalização da educação de qualidade, desde a infância, essencial para a consolidação da cidadania e da capacidade cognitiva e econômica para aumentar a produtividade; construir a base material para a vida decente nos espaços urbanos que recepcionam mais de 80% da população; viabilizar a infraestrutura econômica para atender as demandas da produção e infraestrutura social para serviços públicos de qualidade, entre outros.

Trata-se de uma tarefa hercúlea, que exige grande convergência de esforços, alta capacidade política de construir acordos sociais em torno de prioridades produtivas e distributivas. Tempo, neste caso, é um recurso extremamente escasso que, dramaticamente, corre contra esse desafio. O nosso sucesso é o legado que poderemos deixar para as gerações futuras e uma resposta para o sentido das nossas vidas.

Nota

[1] A este respeito ver a Nota Técnica 127 elaborada pelo DIEESE, “Os desafios à ação sindical decorrentes das mudanças na população”, em www.dieese.org.br.

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

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