A previsão de um reajuste abaixo da inflação de 2015 para o programa Bolsa Família neste ano deverá ter um impacto direto na renda das residências mais pobres do Brasil. Considerado o gasto efetivo do ano passado, de R$ 27,7 bilhões, e o orçamento para o programa deste ano, de R$ 28,1 bilhões, o máximo reajuste possível para o benefício será de 1,4%. Sem especificar números, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) divulgou na semana passada que haverá R$ 1 bilhão a mais para o programa em 2016, o que permitiria uma correção maior, de até 3,7%. Ainda assim, o porcentual ficará bem abaixo do IPCA, índice de inflação oficial do País, que ficou em 10,67% no ano passado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Durante uma década, o orçamento do Bolsa Família cresceu consistentemente acima da inflação, mas a situação se inverteu desde o ano passado, quando o total liberado para o programa subiu só 1,8% em relação a 2014. “O Bolsa Família impacta bastante o consumo e a vida de seus beneficiários, que possuem renda extremamente baixa. Entretanto, o valor desembolsado tem baixa representatividade. Corresponde a aproximadamente 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro”, afirma Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Segundo o instituto, 50% dos pagamentos são feitos na região Nordeste do País, que concentra 6,9 milhões do total de 13,9 milhões de beneficiários.
Diante do perfil dos beneficiários, a perda do poder de compra do Bolsa Família deverá impactar justamente a camada mais carente da população. Em 2014, a consultoria Plano CDE, especializada na base da pirâmide, realizou um estudo que subdividiu beneficiários do programa em quatro categorias sociais distintas. Segundo o sócio-diretor da Plano CDE, Maurício de Almeida Prado, o Bolsa Família representava 23% do rendimento doméstico total do mais pobre dos quatro grupos. “O Bolsa Família garante a recorrência de renda para as famílias mais pobres. Nos meses em que o trabalho é escasso, pois a informalidade é alta entre essa população, é o benefício que coloca a comida na mesa”, diz o especialista.
Renda frágil
Com a crise econômica e o consequente aumento do desemprego, a tendência é que as famílias fiquem mais dependentes do programa. Em Cajamar, uma das cidades paulistas que mais dependem do programa em termos relativos (o município recebe R$ 156 por habitante, contra a média estadual de R$ 56, conforme dados oficiais de repasses do benefício e população), o Estado encontrou duas famílias que hoje sobrevivem graças ao Bolsa Família.
Morador da comunidade Km 42, área de invasão que fica na beira da estrada que dá acesso a Cajamar, o pedreiro Cosme Costa dos Santos, 25 anos, perdeu o emprego com carteira assinada em novembro, que lhe pagava um salário líquido de R$ 1,3 mil. “Foi culpa da crise. A empresa disse que não tem mais obra”, explica Cosme. Na semana passada, ele deu entrada na papelada do seguro-desemprego, que deve começar a ser pago em fevereiro. Em janeiro, porém, a única renda constante da família foi o Bolsa Família.
A esposa de Cosme, Tatiana Aparecida Martins, 35 anos, está grávida de sete meses. O pequeno Isaac é esperado para o fim de março. Será o primeiro filho biológico dele e o quinto dela – viúva de um primeiro casamento, Tatiana tem duas filhas adultas (de 20 e 18 anos) e também um casal de gêmeos de 8 anos. Ela se cadastrou no programa há seis anos e hoje recebe R$ 380 mensais. Como a renda da família caiu muito desde que o marido perdeu o emprego, Tatiana decretou o fim de todos os supérfluos. “Não estamos fazendo mais dívidas para comprar eletrodomésticos”, diz a dona de casa. “Com R$ 400, hoje você vai no mercado e consegue carregar toda a compra para casa. As sacolas nem ficam pesadas.”
Em outra região de Cajamar, no bairro Jordanésia, o Bolsa Família também é a única renda da residência comandada por Dalva Aparecida Ochini. O marido dela, que também é pedreiro, hoje depende de bicos. Os R$ 300 do Bolsa Família precisam ser suficientes para o sustento dos três filhos do segundo casamento de Dalva – DeJuan Carlos, 11 anos, é o mais jovem – e da irmã Creusa, que também vive na casa herdada pelos pais de ambas.
Um novo membro da família – um neto recém-nascido – já foi incluído no programa pela avó. Mas o valor recebido não sofreu reajuste, segundo a dona de casa. “Continuo recebendo R$ 300, mas a minha filha tira os R$ 35 do bebê. E eu falo para ela: com esse valor, você pode comprar um pacote de fraldas num mês e uma lata de noite no outro.” Sem perspectiva de aumento de renda, Dalva diz que todos os projetos – incluindo uma pequena reforma na casa, para o conserto de goteiras – foram abandonados. “Quando chove, tenho de cobrir meus móveis”, conta.
‘Sobe e desce’
Como a renda varia muito de um mês para o outro, boa parte dos beneficiários do Bolsa Família vive em uma espécie de “gangorra social”, segundo a consultoria Plano CDE. Um indivíduo da classe D pode passar para a classe E conforme a variação dos ganhos dos “bicos” em um determinado mês. É por isso, segundo André Torretta, fundador da A Ponte Estratégia, outra consultoria especializada na baixa renda, que uma perda real no benefício, mesmo que pequena, pode fazer muita diferença na vida desse público. “Para o contingente mais pobre, R$ 20 podem ser equivalentes a três dias de alimentação.”
Trabalhando há mais de uma década com projetos envolvendo as classes C e D, Torretta diz que a informação sobre o fim da bonança econômica dos últimos dez anos ainda não foi totalmente absorvida pela população de baixa renda. Para ele, esse é um processo que deve durar cerca de cinco anos. Ao fim deste prazo, explica ele, as conquistas dos tempos de vacas gordas – como os eletrodomésticos – chegarão ao fim da vida útil. “Hoje, essas famílias já estão apertando o cinto, mas, em relação à extensão da crise, a ficha não caiu totalmente.”
Fonte: Estado Minas
Data original da publicação: 10/01/2016