Denúncia de abusos também na Europa eleva críticas à Foxconn

Trabalho maquinal em turnos de 12 horas ininterruptos, seis dias por semana. E a pressão implacável para atingir metas e manter a produtividade constante.

Assim é descrito pela mídia o quotidiano nos galpões de montagem da Foxconn na Ásia, de onde saem, para todo o mundo, computadores, smartphones e consoles de videogame. O conglomerado conseguiu otimizar a produção para uma eficiência absoluta e alcança recordes de lucros – porém pagando aos empregados salários que mal lhes garantem a sobrevivência.

Quando, há cerca de três anos, 13 operários chineses se suicidaram, a Foxconn caiu no descrédito público. Agora a maior fabricante de componentes eletrônicos do mundo retorna às manchetes, desta vez na Europa, onde também mantém unidades de produção.

Mesmas críticas

Repórteres da revista de informática c’t observaram durante vários dias a fábrica da multinacional taiwanesa em Pardubice, República Tcheca. Eles conversaram com o Ministério do Trabalho e os conselhos de empresa, com operários tchecos e trabalhadores itinerantes, a maioria de Bulgária, Romênia, Vietnã e Mongólia.

A apenas três horas de carro da cidade alemã de Dresden, informa a revista, a Foxconn fabrica computadores em condições de trabalho comparáveis às da Ásia, onde concentra a maior parte de sua produção. “Um funcionário de escritório não tem ideia de como é cansativo e intenso o trabalho numa linha de montagem”, conta à DW Christian Wölbert, repórter da c’t.

Segundo ele, durante as jornadas de trabalho de 12 horas, não é possível conversar, beber algo ou repousar brevemente. Não que a Foxconn o proíba explicitamente. “Mas o ritmo de produção – ou seja, o número de peças que os operários têm que completar – é tão alto, que distrações mínimas como essas ficam fora de cogitação”, explica Wölbert.

Incluídos bônus e horas extras, os empregados recebem cerca de 550 euros por mês, informou a revista alemã de informática. Isso é mais do que o salário mínimo tcheco, porém equivale a apenas 60% do ordenado médio no país.

Companhia se defende

Wölbert critica, sobretudo, o sistema de bônus. Os pagamentos extras, de cerca de 100 euros mensais, dependem de como é avaliada toda a linha de produção. “Um indivíduo pode perfeitamente satisfazer sua quota e, no entanto, ter o bônus cortado, se os colegas não correspondem às normas”, afirma.

A diretoria da Foxconn rechaça essa visão. Procurado pela DW, o diretor-gerente Petr Skoda afirmou que também há pagamento de bônus por bom rendimento individual. Ele enfatizou, ainda, que sua empresa se define como membro da União Europeia e, portanto, “acata todas as leis do bloco”. Além disso, defende, as instalações são fiscalizadas regularmente pelas autoridades tchecas, e a reportagem teria sido uma surpresa para a empresa.

Christian Wölbert rebate que não apontou transgressões legais. Ele até mesmo parte do princípio de que a Foxconn segue os regulamentos da República Tcheca. “No entanto eu questionaria se os padrões são de fato humanamente dignos, se são aceitáveis os exaustivos turnos de 12 horas nesse sistema.”

Dentro desse contexto, o repórter critica a exploração de lacunas na lei, uma vez que partes da fábrica em Pardubice são operadas por subempreiteiras, “que são fundadas a toque de caixa e logo desaparecem de novo, escapando, assim, das sanções francamente aplicáveis”.

As acusações contra a Foxconn podem acarretar consequências em nível europeu. A eurodeputada alemã Jutta Steinruck, do Partido Social Democrata (SPD), exige que Bruxelas inicie investigações. “Eu enviei um requerimento para o Conselho da UE e a Comissão Europeia”, revelou à DW.

Integrante da Comissão da UE para Assuntos Trabalhistas e Sociais, ela teme que esteja se criando uma tendência de explorar os trabalhadores nos países mais pobres da UE. “Escravidão moderna não é mais uma raridade em certas empresas e setores da Europa”, observa.

Steinruck defende que a União Europeia precisaria criar postos de aconselhamento para trabalhadores itinerantes, “que muitas vezes não entendem o idioma do país e não têm acesso aos sindicatos.”

Europa como alvo

É possível que o requerimento da eurodeputada social-democrata sobre as atividades da Foxconn desperte a atenção dos poderosos da UE. Pois acumulam-se as indicações de que ela poderá se expandir na Europa. Tanto os protestos de operários na Ásia, em parte violentos, quanto o nível salarial ascendente na China intensificaram a busca do conglomerado taiwanês por locações alternativas.

Observadores não excluem a possibilidade de a Foxconn também se voltar em direção à Europa Central e Sudeste. Embora a média salarial nessas regiões seja superior à asiática, há uma boa infraestrutura, e as rotas de fornecimentos até os compradores europeus são mais curtas e, portanto, mais lucrativas.

A 40 quilômetros de Pardubice, em Kutnà Hora, a Foxconn já possui uma segunda unidade, para produção de servidores informáticos. A multinacional também atua na Eslováquia, onde monta televisores para a Sony.

Outras fabricantes de artigos eletrônicos também já descobriram a região. A c’t registra que a Flextronics monta computadores para a chinesa Lenovo na Hungria, assim como placas de circuitos da marca Celestia na Romênia. Fábricas do setor eletrônico igualmente despontam mais ao leste, na Ucrânia, relata a revista.

Sindicatos se mantêm de fora

Uma das vantagens para os empresários estrangeiros nos países do extinto Bloco Comunista é o clima político favorável ao empregador. Jennifer Schevardo, do Conselho Alemão para Relações Internacionais (DGAP, na sigla original), revelou à DW que em meados da década de 1990 os governos locais criaram incentivos visando especificamente “atrair formas estrangeiras”.

Entre eles, destacam-se os privilégios fiscais e o favorecimento dos investidores em projetos de construção. Nesse processo, o papel dos sindicatos foi bastante modesto, aponta Schevardo. Devido aos regimes socialistas, o engajamento pelos interesses trabalhistas e as conquistas sociais são historicamente desvalorizados nesses países.

Além disso, os sindicatos não apresentaram exigências políticas de maior alcance. “Quem cria um grande números de postos de trabalho também ganha um monte de direitos. Não há muito que se meter no assunto”, sintetiza a especialista.

Fonte: Deutsche Welle
Texto: Ralf Bosen
Data original da publicação: 02/10/2013

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