Denise Lobato Gentil: falso “rombo” da Previdência, propagado pela mídia, encobre tentativa de retirar direitos e privatizar

O Forum Social Mundial completou 15 anos em Porto Alegre. No Forum da Pessoa Idosa, o Sindicato dos Aposentados promoveu um debate sobre a “reforma” da Previdência, que deverá ser debatida ao longo de 2016.

Nele, o professor Emerson Lemes retomou uma denúncia que vem ganhando corpo: se existe déficit da Previdência, não existe déficit da Seguridade Social (ver tabela abaixo) como um todo.

O recorte é feito pela mídia para atender ao interesse dos conservadores, que pretendem reduzir direitos com o intuito de preservar a capacidade do Estado de pagar juros da dívida, ou seja, financiar o Bolsa Banqueiro.

Para contribuir com o debate, selecionamos dois trechos de entrevista concedida pela professora Denise Lobato Gentil à revista do Sindifisco, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.

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Tributação em Revista: Lemos e ouvimos com frequência nos meios de comunicação sobre a “crise financeira na previdência social”, com déficits anuais alarmantes. Como nosso sistema de seguridade social tem conseguido sobreviver com tais déficits? Aliás, há realmente déficit na Previdência Social ou no sistema de seguridade social?

Denise Lobato Gentil: O déficit da Previdência é um falso argumento. É uma construção ideológica, uma arma de luta política dos conservadores.

O superávit da seguridade social foi de R$72,8 bilhões em 2007, de R$64,8 bilhões em 2008 e de R$32,6 bilhões em 2009, segundo cálculos da ANFIP, que se apóia nos preceitos da Constituição Federal para fazer seus cálculos.

Mesmo nos anos de crise internacional como foram os anos de 2008 e 2009, e mesmo depois da perda da CPMF, há superávit. Não dá para falar em crise da Previdência com esses números, porque a Previdência está inserida, pela Constituição de 1988, no sistema de seguridade social, isto é, no seu universo de receitas e despesas.

Isolar o gasto da Previdência e compará-lo com apenas uma única fonte de receita – quando existem muito mais fontes de recursos para a previdência – é cometer o erro de ignorar os dispositivos constitucionais com o objetivo de enviesar o cálculo para que se chegue a uma situação deficitária que é tecnicamente incorreta.

Desse falso discurso parte-se para as avaliações catastrofistas e para os apelos por reformas restritivas de direitos e privatizantes.

É preciso desmistificar esse discurso. Não existe uma trajetória explosiva de déficit, como crê a sabedoria convencional e como alardeia a grande mídia.

As mudanças da estrutura demográfica brasileira, somadas a uma tendência de redução do índice de informalidade da economia, podem estar prenunciando uma fase de conforto na administração da previdência social, inclusive a ponto de afastar a necessidade de novas reformas? O modelo vigente de previdência seria sustentável num cenário de expectativas de vida no limiar dos cem anos como a ciência prenuncia para as próximas décadas?

Sim, é verdade que a proporção de idosos aumentará no futuro e as despesas previdenciárias crescerão. Mas é preciso muito cuidado com as conclusões que se tiram dessa constatação, porque é um enorme exagero fazer disso o nosso grande problema futuro.

Pelo contrário, não é um problema – esse é o efeito daquilo que a humanidade sempre buscou ao desejar prolongar a vida, é o efeito das grandes conquistas que decorreram do avanço da educação e da informação, do progresso das pesquisas científicas e das melhores condições de vida alcançadas por nossa sociedade.

Eu penso que não se pode tratar essa questão reduzindo-a meramente a um determinismo demográfico.

O ponto fundamental para dar sustentabilidade financeira a um sistema previdenciário do futuro é conseguir manter taxas elevadas de crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes do lado das receitas do sistema são o emprego formal, o patamar de salários e a massa de lucros.

É preciso não esquecer que a Previdência não é financiada apenas pelos trabalhadores ativos e seus salários, mas também por outras receitas tributárias que derivam do lucro e do faturamento.

Portanto, para que o sistema previdenciário não passe por uma crise financeira o país terá que crescer a taxas elevadas, aumentar a produtividade do trabalho com a introdução de novas tecnologias, elevar o nível de ocupação formal e fazer uma política salarial que permita elevar a renda média dos trabalhadores.

Se nós conseguirmos isso, não haverá motivos para nos preocuparmos com o problema do financiamento do sistema previdenciário no futuro, porque os trabalhadores ativos serão em menor número, mas em compensação serão muito mais produtivos e gerarão mais bens e serviços que os de hoje.

Os inativos vão ser mantidos por trabalhadores que trabalharão por menos tempo e produzirão muito mais, e o nosso problema será, isto sim, o velho problema de sempre – que é o de evitar as recessões econômicas e efetuar a melhor divisão do resultado da produção entre os vários membros da sociedade.

Não se trata, portanto, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população contra a qual não teremos outra escolha a não ser sacrificar os que entram na velhice. É um contra-senso.

Por que não pensar em reduzir o desemprego ao mínimo possível para aumentar as receitas para o sistema previdenciário? Por que não pensar em trazer cada vez mais para o mundo formal os trabalhadores que vivem na informalidade para que possam contribuir para a previdência? Por que não pensar em reduzir as incertezas dos investimentos dos empresários de forma a estimulá-los a produzir cada vez mais? Por que não pensarmos em como usufruir cada vez melhor da velhice, transformando os idosos nos grandes consumidores do futuro, ao invés de insistir em mantê-los no trabalho, que poderia ser ocupado por um cidadão mais jovem?

Trata-se, como você vê, muito mais de um problema de origem econômica e tecnológica. Mas esta questão está sendo tratada de forma estreita, como um problema demográfico que, por sua vez, vai desaguar numa questão fiscal isolada, apenas da Previdência e dos velhos.

Daí começam a surgir as propostas mais indecorosas, de corte de direitos, elevação da idade mínima, redução do valor dos benefícios e aumento de contribuições. E o que é pior, medidas desse tipo podem se revelar completamente inócuas para resolver o problema do financiamento do sistema.

É um grande reducionismo oportunista contra o qual a sociedade precisa se organizar, debater e resistir.

Leia aqui a entrevista na íntegra.

Fonte: Viomundo, com Tributação em Revista
Data original da publicação: 24/01/2016

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