Mais uma vez, trabalhadores foram resgatados da escravidão produzindo peças da grife M. Officer. Ao todo, seis pessoas, sendo cinco homens e uma mulher, foram libertados em uma oficina na Vila Santa Inês, no extremo leste de São Paulo. A fiscalização ocorreu em 6 de maio. Todos eram imigrantes bolivianos e estavam submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas.
O grupo trabalhava em uma sala apertada sem ventilação, um local com fios expostos ao lado de pilhas de tecido e bastante sujeira acumulada.
É o segundo flagrante de trabalho escravo na cadeia produtiva da M. Officer. Em novembro do ano passado, dois trabalhadores foram resgatados costurando roupas da marca no Bom Retiro, na região central de São Paulo. Na época, a Justiça chegou a determinar em caráter liminar o bloqueio de bens a pedido do Ministério Público do Trabalho para garantir o pagamento de indenizações, mas a empresa conseguiu reverter a decisão. A disputa segue nos tribunais, agora com a Defensoria Pública da União (DPU) tentando garantir com uma reclamatória trabalhista que os dois resgatados no primeiro flagrante recebam os valores devidos. A audiência do caso foi designada para 24 de março de 2015, mas a DPU tenta antecipação por se tratar de um caso de escravidão contemporânea.
Agora, assim como da primeira vez, a M5, empresa detentora da marca, nega a responsabilidade pela situação de degradação humana, o que motivou uma nova ação por parte da DPU. Na última sexta-feira (9), três dias após o flagrante, a defensora pública Fabiana Severo entrou com ação pedindo o bloqueio em caráter liminar de R$ 158 mil da grife. O valor foi calculado com base em documentos que comprovam que, desde pelo menos fevereiro, os seis costureiros trabalhavam exclusivamente para a M. Officer, e inclui, além de verbas rescisórias, indenização por danos morais e benefícios como auxílio-cheche. Além do pedido liminar, a DPU aguarda a conclusão do relatório de fiscalização e o levantamento de mais documentos para solicitar os valores referentes aos meses anteriores em que eles costuraram peças da marca.
Os representantes da M. Officer alegam que a responsabilidade é da Empório Uffizi, empresa com sede no Bom Retiro que subcontratou oficinas quarteirizadas para cumprir a meta de produção. Em nota, a diretora da M5, Rosicler Fernandes de F. Gomes, afirmou que a a empresa “tem um contrato mercantil de venda e compra com seus fornecedores, com cláusula que proíbe expressamente a subcontratação, com multa estabelecida no importe de R$ 500 mil em caso de descumprimento”, e que o grupo “está tomando as medidas judiciais contra os responsáveis e trabalhará ombro a ombro com o Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego para elucidar os fatos”.
A reportagem tentou contato também com os representantes da Empório Uffizi por telefone e e-mail, mas não obteve um retorno.
Na mira da Receita Federal
O novo flagrante foi resultado de trabalho de inteligência realizado pela Receita Federal, órgão que tem ajudado a mapear as oficinas que produzem peças não só para a M. Officer, mas para diferentes empresas do setor têxtil em São Paulo. Jairo Diniz, auditor da Receita Federal, que trabalhou no levantamento detalhado de fornecedores, participou da inspeção. Apesar da subcontratação em série e da negativa da M5, para os auditores fiscais Luís Alexandre Faria, Renato Bignami e Elizabete Sasse, do Ministério do Trabalho e Emprego, que coordenaram a ação, não restam dúvidas sobre a responsabilidade da M. Officer sobre as condições na ponta final da linha de produção.
Os costureiros seguiam instruções dos estilistas da grife, detalhadas na peça-piloto com as medidas e especificações técnicas para produção de cada peça. A M. Officer determinava o ritmo de produção e as demandas. Ao serem resgatados, os trabalhadores costuravam um lote de 110 calças “pyton” e 140 blazers “art noveau”, com especificações técnicas determinadas pela empresa. A M. Officer também devolvia peças com erros e enviava mensagens indicando alterações, conforme documentação reunida pela fiscalização no flagrante.
A fiscalização foi acompanhada também pelos procuradores Tatiana Simonetti e Tiago Muniz Cavalcanti, do Ministério Público do Trabalho. Além de participarem do resgate dos seis costureiros, após o flagrante eles também fizeram inspeções em outras três oficinas para recolherem provas, em que constataram condições bastante similares às da primeira. “Encontramos notas fiscais e peças com a marca M. Officer e o mesmo ambiente degradado. É um quadro de jornada exaustiva, com o ambiente de residência e trabalho se confundindo, quartos com muita umidade, condições precárias de higienização dos banheiros, materiais inflamáveis espalhados”, descreve a procuradora.
“Está claro que não são situações pontuais, estamos falando do sistema de produção da M. Officer como um todo e vamos buscar responsabilizar a marca pela situação de todos os trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva”, explica Tatiana Simonetti. Provas das condições encontradas e fotos devem subsidiar uma ação contra a M. Officer, em que o MPT pretende conseguir dano moral coletivo alegando que a empresa submete de maneira sistemática costureiros à escravidão.
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Daniel Santini
Data original da publicação: 16/05/2014