Crise fez Europa cortar custos trabalhistas e enfraqueceu sindicatos

Irlanda e Portugal congelaram o salário mínimo, a Grécia cortou o seu em 22%, a Espanha e outros países atenuaram restrições para demissões coletivas ou sem justa causa, e sistemas de proteção social se tornaram menos generosos.

Tudo isso faz parte da “desvalorização interna”. Ou seja, como um país da zona do euro não pode desvalorizar a moeda para tornar seus produtos mais competitivos no mercado internacional, aqueles mais em crise aceleram o desmantelamento de proteção social para reduzir o custo do trabalho.

A diminuição do poder de barganha dos sindicatos, na maior recessão dos últimos tempos, variou nos países. “Mas ainda é cedo para bater o sino em sinal de morte dos sindicatos”, diz Wolfgang Lutterbach, especialista de sindicatos europeus na Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No conjunto da União Europeia (UE), a taxa de sindicalização média é de 23%. Dinamarca, Finlândia e Suécia têm a maior taxa de trabalhadores sindicalizados, por volta de 70% do total. Isso se explica em parte pelo fato de as ajudas a desempregados e outras prestações sociais serem normalmente fornecidas através dos sindicatos.

Já nos países confrontados a um clima mais hostil, como dizem os sindicatos, a sindicalização não cessa de baixar, caso da Grécia, Espanha, Portugal, países do leste, seguindo a reestruturação industrial. Mesmo na Alemanha, o número de aderentes caiu para 6,3 milhões em 2013, dos mais de 9 milhões em 1990. Isso reflete também a mudança demográfica. Poucos dos antigos sindicalistas, que se aposentam, são substituídos por novos aderentes.

A influência política não pode ser medida apenas por número de sindicalizados, e sim por estruturadas bem estabelecidas de negociação coletiva e diálogo social. E também nesse caso a deterioração é enorme. Em Portugal, no começo da crise, em 2008, havia 1,9 milhão de trabalhadores do setor privado cobertos por negociação coletiva de trabalho, o tipo de ação básica do sindicalismo europeu e o que dá maior poder de negociação. Em 2013, havia apenas 300 mil.

“Diversos sistemas, onde os sindicatos tinham sua palavra no processo de decisões, foram abolidos ou neutralizados. O diálogo social foi suspenso, e poucos governos mostram-se dispostos a discutir com sindicatos”, diz Lutterbach. “Salários foram cortados, serviços públicos cancelados, aposentadorias e salários mínimos cortados, mercado de trabalho flexibilizado, negociação coletiva descentralizada. Não estamos falando de um ciclo econômico normal. Estamos falando do desmantelamento do modelo social europeu.”

Acusado de estar na raiz da crise soberana na Europa, o modelo social europeu é alvo da luta geral de sindicatos para sua preservação. As despesas sociais na Europa em relação ao PIB constituem uma parte importante, entre 25% e 33% dependendo do país, comparadas aos de 15% a 20% de outras nações desenvolvidas. Tem sido um modelo onde as relações industriais, entre patrões e sindicatos, tiveram papel importante em decisões sobre salários, condições de trabalho e sistemas de seguridade sociais, com nuances entre os países.

A OIT e a UE reconheceram, mesmo antes da crise, que alguns pilares do modelo social europeu deveriam ser reformados diante de maior concorrência no mercado internacional e envelhecimento da população europeia. O problema, escreve Daniel Vanghan-Whitehead, economista-chefe da OIT, é que em alguns países o foco para melhorar a competitividade é na redução do custo do trabalho. E estima que a frágil competitividade na Europa do sul é estreitamente ligada a atraso tecnológico.

A OIT fez um balanço do resultado de políticas de austeridade sobre os pilares do modelo social europeu, e concluiu que todos foram afetados. No caso dos direitos dos trabalhadores e condições de trabalho, várias reformas deflagradas para melhorar a competitividade resultaram em redução real do salário. Negociações tripartite sobre os pagamentos foram suspensas em Portugal, Irlanda, Romênia.

As reformas no mercado de trabalho na Europa não são novas, mas aumentaram desde 2008. Vários países simplificaram ou suprimiram, como na Eslováquia, procedimentos para demissões coletivas ou individuais. Na Grécia e na Estônia, foram reduzidos os períodos de notificação da demissão.

Em países como Estônia, foram removidos todos os limites para emprego temporário. Formas de contratos muito flexíveis e sem proteção surgiram no Reino Unido.

A proteção social se deteriorou. Vários países limitaram a ajuda a desempregados, impondo condições bem mais rígidas. A duração dos benefícios foi cortada mais severamente na Hungria, onde passou de nove para três meses. Em Portugal, o valor da ajuda foi cortado em 20%. Benefícios para famílias na Grécia, Irlanda e Portugal foram eliminados. Em contrapartida, a assistência social aumentou na Bulgária. A Suécia distribuiu mais ajuda estatal para os municípios manterem programas sociais.

O direito a greve foi restrito sob certas condições, como na Hungria. Ficou mais difícil estender acordos coletivos para mais trabalhadores e companhias.

Quase todos os países europeus anunciaram planos para congelar ou cortar salários do setor público. A Grécia deixou de pagar 13º e 14º salários por ano. Conforme a Confederação Europeia de Sindicatos (CES), em Bruxelas, os pagamentos de funcionários públicos caíram de 2,5% na Alemanha a 5% na Espanha, 10% em Portugal, 13% na Irlanda, 25% na Romênia e até 50% na Letônia em 2012.

Conforme a CES, a fatia de salário no PIB, ou seja, na produção de riqueza da Europa, continua caindo. O declínio de 5% na Alemanha entre 2001 e 2010, a maior economia, pesou mais na média do continente.

Também como reflexo da crise, e sob protesto de sindicatos, a idade efetiva de aposentadoria deve passar para 67 anos, ou mais, na Europa. Isso é considerado essencial pelos governos, porque mais e mais idosos se beneficiam das prestações sociais e menos e menos jovens trabalham para financiar o sistema. De maneira geral, as reformas vão conduzir a pensões pelo menos 20-25% mais baixas para as futuras gerações de aposentados, pelas projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, é especialmente alarmante o rápido crescimento da pobreza e da exclusão, atingindo mais e mais a classe média. Para ele, isso explica em parte o aumento do nacionalismo e a estigmatização de certos grupos na sociedade. Ou seja, os efeitos da crise têm sido desastrosos para a coesão social.

Para Lutterbach, embora a tendência seja mesmo de “americanização” das relações de trabalho na Europa, ainda há um longo caminho até lá. Mesmo a Alemanha começou a dar sinais de prudência sobre desregulação. A coalizão conservadora-socialista acabou de introduzir o salário mínimo no país.

Enquanto isso, os sindicatos vão reagindo conforme suas tradições nacionais: na França, Espanha e Grécia tem havido mobilizações maciças. Na Alemanha, Holanda e Noruega, o desempenho econômico relativamente bom levou a boas negociações coletivas.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos, com Valor Econômico
Texto: Assis Moreira
Data original da publicação: 02/05/2014

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