Crise econômica: rumo a um salário de equilíbrio produtivo

‘Manifestación’ (1934), por Antonio Berni. Imagem: Antonio Berni/Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA)

A conceituação de um “salário de equilíbrio produtivo” não se limita às etapas da bonança, mas também é válida para tempos de crise e, portanto, justifica prestar atenção ao contexto atual da Argentina.

Álvaro Ruiz

Fonte: El Destape
Tradução: DMT
Data original da publicação
: 15/09/2019

Há alguns anos, a partir da Equipe de Pesquisa em Direito Sindical e Relações Coletivas de Trabalho, foi desenvolvido um estudo de variáveis alternativas às formas tradicionais de participação trabalhista na renda nacional originada no setor privado. Embora as condições vigentes no país fossem diferentes, a conceituação de um “salário de equilíbrio produtivo” não se limitava às etapas da bonança, mas também era válida para tempos de crise e, portanto, justifica prestar atenção ao contexto atual da Argentina.

Do que se trata

O conceito de salário de equilíbrio produtivo (SEP) consiste em um postulado dinâmico que se baseia em diferentes aspectos sociais, econômicos e trabalhistas, suscetível à adaptabilidade ligada a orçamentos históricos específicos.

No SEP, além de contemplar uma reivindicação de salário legítima, são apresentados outros elementos componentes que permitem contribuir para a redistribuição de renda de diferentes combinações e/ou articulações. Mas isso requer o cumprimento efetivo das regulamentações vigentes, com a regularização necessária dos trabalhadores que não têm acesso aos direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais essenciais.

Impõe, portanto, a superação de situações de não registro, informalidade forçada, eventualidade injustificada, terceirização distorcida ou outras modalidades de subcontratação viciadas, enquanto elementos esquivos dos direitos e obrigações patronais. Devido à sua posição de gerador de desigualdades, com a consequente fragmentação do coletivo trabalhista, é necessário corrigir não apenas suas consequências, mas fundamentalmente suas causas, utilizando as ferramentas existentes e gerando, institucionalmente, as que faltarem.

A regularização e o registro trabalhista também produzem um aumento notável dos recursos de seguridade social com todas as consequências e perspectivas que isso gera: aumento das contribuições para os subsistemas (recursos genuínos), beneficiando também sindicatos, organizações mútuas e obras sociais, ampliando os efeitos redistributivos.

Nessa mesma perspectiva, são concebidos outros elementos ou fatores que podem contribuir para uma distribuição maior e mais equilibrada no cenário produtivo, promovendo temas relacionados à melhoria das condições de vida e de trabalho. Incorporando novos dispositivos para contribuições e contribuições vinculadas à remuneração, enriquecendo e expandindo o alcance dos subsistemas de seguridade social, como sua articulação com o redesenho do sistema de relações de trabalho.

Nessa linha de pensamento, a potenciação dos mecanismos de participação sindical e a articulação adequada dos regulamentos estaduais com os originados em acordos coletivos, são estabelecidos como o meio adequado para alcançar uma melhor ordem de distribuição entre Trabalho e Capital, sem que, para isso, deva estar apenas, e exclusivamente, sujeito à variável de remuneração.

Repensar paradigmas entre os pares

É essencial refletir sobre algumas questões relacionadas ao mundo do trabalho, com foco em uma articulação sistêmica que promova o desenvolvimento econômico, no âmbito de um Projeto Nacional com centralidade em um processo de industrialização.

A matriz que se estruturará, tanto em termos teóricos quanto práticos, deve enfrentar os principais desafios que surgirão no estágio que se inicia em dezembro de 2019, principalmente no âmbito de questões trabalhistas e previdenciárias.

Os paradigmas que governam a negociação coletiva exigem uma revisão, particularmente no atual caso agonizante, com o objetivo de avançar em uma discussão que a enriqueça sem restringi-la a critérios exclusivamente vinculados ao salário, preservando sua função essencial por meio da recreação e expansão dos conteúdos dos acordos.

É necessário explorar alternativas que, sem prejuízo da orientação salarial, articulem novos conteúdos ou variáveis de institutos tradicionais com vista a complementá-los, de modo a impactar positivamente as condições de trabalho e a qualidade de vida, ou até aumentar a renda com componentes genuinamente não remunerativos.

Nessa perspectiva, alertando para a situação desigual pela qual atravessam diferentes setores do trabalho, a crise que afeta muitas empresas – especialmente, as pequenas e médias empresas (PMEs) – e o fenômeno inflacionário que corrói a atividade produtiva, se deve pensar as estratégias de crescimento e distribuição em termos de equilíbrios razoáveis.

Quais são os questionamentos realizados:

Como alcançar um ponto de equilíbrio no salário, que sustente um processo de redistribuição da riqueza sem produzir aumentos desestabilizadores (de bens e serviços) nas esferas política, social e econômica?

Qual é a justificativa que deve prevalecer nos aumentos de remuneração?

Se os aumentos devem ser puramente salariais e nominais ou podem se concentrar em elementos complementares, com vistas a aprofundar a redistribuição?

De quem deve ser a principal responsabilidade de alcançar um sistema de salários e equilíbrio produtivo?

Qual o papel da produtividade nesse novo cenário de distribuição de renda?

Que garantias efetivas de acesso à informação seriam dadas aos sindicatos como elemento constituinte dessa lógica de negociação?

Diálogo social e questões trabalhistas

No âmbito de um Diálogo Social que se mostra indispensável para enfrentar a situação crítica pela qual a Argentina está passando, um lugar central ocupará a política de renda e a definição das margens que tornará viável o desenvolvimento da negociação de acordos ou acordos coletivos.

O conceito enunciado como salário de equilíbrio produtivo (SEP), é apresentado como uma categoria teórica para orientar acordos coletivos, encontrar respostas para dilemas como os mencionados anteriormente e outros que podem ser formulados em torno de um novo paradigma de redistribuição de renda com crescimento produtivo.

Não apenas estritamente o salário e, muito menos, sua expressão nominal única, pode refletir um aumento na redistribuição e impacto na qualidade de vida das trabalhadoras e trabalhadores.

O SEP está vinculado a uma formulação articulada e sustentada, na possibilidade de implementar melhorias distributivas também com base no progresso em questões qualitativas, que resultem em melhores situações socioeconômicas para o setor trabalhista, como:

melhoria das condições gerais de vida e de trabalho

melhoria dos subsistemas de seguridade social para impulsionar o desenvolvimento das relações de trabalho

reengenharia dos benefícios sociais familiares, complementados ou suplementados por meio de negociação coletiva

novos mecanismos de auxílios e contribuições com eixo na distribuição

dispositivos legais e negociados setorialmente de participação nos lucros

programas de colaboração e desenvolvimento no âmbito paritário sobre assuntos diversos além dos tradicionais: moradia, saúde, educação, formação profissional, benefícios complementares não salariais.

Trata-se, em última análise, de instalar e aprofundar melhorias redistributivas, em termos de um equilíbrio de acordo com os níveis de produção e competitividade alcançados, que permitirão garantir crescimento sustentável, investimento efetivo de capital e consequente lucratividade comercial.

A evolução do salário real em relação à produtividade é outro elemento que requer atenção especial, com o objetivo de definir como deve influenciar a distribuição setorial da renda em função da participação dos trabalhadores na distribuição da riqueza que geram.

O salário de equilíbrio produtivo (SEP) constitui, então, tanto um postulado, uma hipótese de trabalho, quanto uma dinâmica comercial específica. Propõe elementos, mecanismos e cenários a considerar, formulando articulações que podem ser adaptadas para uma melhor e menos conflituosa redistribuição que acompanhe o crescimento e o desenvolvimento produtivo, contribuindo para a consolidação de um Estado de Direito Social.

Álvaro Ruiz é advogado trabalhista com experiência na assessoria de sindicatos.

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