Crise do coronavírus resgata ideia de “imposto dos robôs” para enfrentar desemprego

Para enfrentar a invasão de robôs nas indústrias e serviços, impostos. A proposta, que já foi defendida por personalidades como o bilionário Bill Gates, volta à tona no momento em que a crise do coronavírus acelera a economia digital.

As perspectivas de destruição de postos de trabalho, sobretudo nos setores menos qualificados, variam de 9% (OCDE) a até 4% (Frey & Osborne) das vagas que existem hoje. Funções ditas de rotina, que atualmente são desempenhadas por pessoas, passarão cada vez mais a ser feitas por máquinas.

Nessa perspectiva, os governos deveriam tributar essa mão de obra automatizada para compensar a perda de renda do trabalhador humano? A questão divide. A ideia de um imposto sobre os robôs se fortaleceu nos últimos anos, junto com o debate sobre a renda mínima universal. O tema é abordado no último livro dos vencedores do Nobel de Economia Esther Duflo e Abhijit v. Banerjee, Good Economy for Hard Times (Economia Boa para Tempos Difíceis, em tradução livre).

“Mais empresas percebem que podem funcionar de outra forma, utilizando menos mão de obra presencial. O desenvolvimento do trabalho remoto também pode acabar incitando a supressão de alguns empregos que se revelaram dispensáveis neste período de crise, um contexto que vai influenciar o mercado de trabalho nos meses e anos a seguir”, indica o economista francês Henri Sterdyniak, especialista em tributação e pesquisador do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), em Paris. “Estamos vivendo uma aceleração da economia digital, a menos que existam políticas para atenuar essa tendência. A crise sanitária, a crise climática e o problema de alguns empregos pouco úteis fazem com que a proposta do imposto sobre robôs esteja colocada.”

Polêmica na França

A ideia causou polêmica na França nas últimas eleições presidenciais, quando o pré-candidato socialista Benoit Hamon – um dos maiores defensores da renda mínima universal no país –  lançou a reflexão. Na ocasião, foi alvo de piadas, inclusive do vencedor do pleito, o presidente Emmanuel Macron.

Porém, meses depois, quando Bill Gates defendeu o tributo, um projeto chegou a ser apreciado pelo Parlamento Europeu. O texto foi derrotado porque os contornos da eventual taxa ainda eram vagos demais, a começar pela definição do que poderá ser considerado um robô.

O destino dos recursos também gera controvérsia: para o fundador da Microsoft, eles deveriam financiar a qualificação dos trabalhadores de funções repetitivas, que serão facilmente substituídos por robôs. Já para a corrente do ex-candidato socialista francês, a verba deveria ajudar a financiar o sistema de proteção social, as aposentadorias ou a renda básica.

Robô não para nem na pandemia

“Em muitos setores, a tentação de acabar com a mão de obra é muito clara, como as caixas de supermercado ou os condutores de metrô. A mão de obra custa caro, incomoda, pode se sindicalizar, pode não ir trabalhar se tem uma epidemia – enquanto os robô vão”, ironiza Sterdyniak. “A crise atual nos mostra a que ponto vamos poder funcionar com menos empregos no futuro e, se isso acontecer, teremos de nos questionar mais sobre a redistribuição da renda, afinal todos têm direito a ter uma renda que lhes permita viver com dignidade, com sua família.”

A questão é crucial para o futuro da arrecadação dos países: sem emprego, esses trabalhadores ameaçados deixariam de contribuir para o Estado e ainda poderiam gerar mais despesas, com benefícios como seguro-desemprego. A compensação pelo imposto dos robôs se insere nesse contexto. Entretanto, os críticos à medida evocam os riscos para a competitividade e à inovação para os países que derem esse passo contra as máquinas.

“A tributação nunca é suficiente. Ela é um elemento entre outros para tentar valorizar o trabalho, em especial o menos qualificado. Há muitas outras medidas que devem ser tomadas em conjunto, como combater a precariedade do mercado de trabalho, promover mais igualdade de gêneros”, destaca o economista francês.

Tributação da economia digital

Sterdyniak avalia que essa reflexão começou recentemente em nível europeu, na esteira da nova tributação da economia digital. Os países da União Europeia avaliam a adoção da chamada “taxa GAFA”, que atinge gigantes da internet como Google, Amazon, Facebook e Apple e já foi instaurada pela França.

“Ainda estamos longe disso porque não há acordo dentro da Europa. Países como a Holanda, a Irlanda e até a Bélgica oferecem regimes fiscais muito favoráveis às empresas, permitindo que elas paguem pouco imposto sobre a renda do capital, em relação aos seus vizinhos europeus”, observa o especialista do OFCE.

A Coreia do Sul foi o primeiro país a tentar frear os efeitos negativos da robotização da produção e dos serviços. Seul impôs limites à dedução de impostos para as empresas altamente automatizadas.

Fonte: RFi Brasil
Data original da publicação: 27/05/2020