A crise econômica que tem afetado as companhias áreas no Brasil já bate no bolso dos trabalhadores do setor. Pilotos de avião, comissários e agentes em terra cruzaram os braços em 12 aeroportos do país entre as 6h e as 8h da última quarta-feira (03/02) para reivindicar um reajuste de 11% para repor a inflação. As empresas, no entanto, querem conceder o aumento parcelado durante 2016 alegando falta de caixa. “Lamentamos ter que fazer uma paralisação por tão pouco, mas a categoria não pode ficar sem a reposição da inflação. Nós contamos com o bom senso das empresas aéreas para que transtornos sejam evitados”, disse o presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), comandante Adriano Castanho.
Outras categorias de trabalhadores também estão anunciando paralisações. A polícia civil de Pernambuco, por exemplo, avisou que a partir de sábado, primeiro dia do carnaval, vai cruzar os braços, porque o governo do Estado desrespeitou o acordo coletivo que previa valorização da carreira a partir do mês de abril. Segundo os Sindicato dos policiais civis de Pernambuco, não foram cumpridas as reuniões de negociação que haviam sido acordadas em dezembro, quando ficou combinado que o Governo encaminharia à Assembleia mudanças nos planos de cargos e salários nesta segunda. Por isso, o setor decidiu pressionar por melhores condições. A pressão dos servidores reflete a queda na arrecadação de impostos que restringiu a receita de Estados e municípios. Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel vai enfrentar no dia 5 um ato do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação contra o parcelamento dos salários do funcionalismo e o pagamento do reajuste do piso da categoria.
Para o o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, 2016 será um ano marcado por grandes greves e paralisações. “A recessão paralisou o país, a inflação comeu o poder dos trabalhadores e mais de 4 milhões de empregos devem ser perdidos. Não há dúvidas que vários setores, principalmente da indústria, continuarão com a luta contra a política econômica do Governo Dilma”. Exageros a parte – Paulinho é um dos maiores entusiastas da tese do impeachment de Dilma –, a projeção da queda de empregos é uma realidade.
Um levantamento da Tendências Consultoria prevê que o país vai perder mais 1,4 milhão de postos de trabalho e a taxa de desemprego chegue a 9,5% no fim de 2016. “O impacto continuará acentuado na Indústria e na Construção Civil, mas também se intensificará mais na área de serviço e comércio”, explica o economista Rafael Baccioti da Tendências. Esses números se somam ao de 2015, quando o Brasil perdeu 1,542 milhão de empregos formais, segundo dados do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged).
Mesmo com esse fantasma das demissões, as paralisações devem continuar ainda mais fortes este ano para garantir o pagamento do reajuste da inflação passada. Alguns setores estão sem receber o décimo terceiro salário de 2015. “Desde 2013 as greves vêm aumentando por direitos que já são adquiridos [estão na lei]. É uma greve defensiva”, afirma José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Vicente chama a atenção para o fato de que as movimentações trabalhistas devem acontecer não somente lideradas por sindicato de categoria, mas também de empregados de empresas específicas que não estejam cumprindo acordos.
Em Minas Gerais, por exemplo, os trabalhadores da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) fizeram uma paralisação de mais de dois meses que terminou no fim de janeiro após acordo. A greve, a mais longa da categoria, pedia o fim das terceirizações, a contratação de 400 eletricitários, a participação linear nos lucros e resultados, além de um reajuste salarial e melhores condições de trabalho e saúde.
No ano passado, a retração da economia combinada com uma inflação acima dos 10% já havia feito a renda do brasileiro encolher 3,7%, após dez anos de crescimento. Essa redução inibiu o consumo que impactou as empresas, num círculo vicioso típico das crises econômicas. A produção industrial foi uma das mais afetadas pela recessão. No ano passado, o setor teve queda de 8,3%, o pior desempenho da atual série histórica da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciado em 2003. A maior queda foi sentida no setor automotivo, com um tombo de 25,8% na produção.
Servidores públicos, no entanto, também cruzam os braços por conta na demora da reposição da inflação. Médicos peritos fazem a maior paralisação da história do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que já dura mais de quatro meses. Ainda que parte dos trabalhadores tenham voltado a trabalhar no fim de janeiro para atender agendas prioritárias, a categoria se considera em “estado de greve”. Entre as reivindicações dos médicos peritos estão o reajuste salarial de 27,5% em duas parcelas, reestruturação da carreira, fim da contratação de peritos terceirizados e a regulamentação de 30 horas de trabalho semanais.
Viagens canceladas
A parada dos aeroviários e aeronautas causou transtorno para quem planejava viajar. O aeroporto de Congonhas, em São Paulo, foi um dos mais afetados. Das 19 decolagens programadas entre as 6h e as 7h30, 12 foram canceladas e quatro estavam atrasadas. Funcionários faziam protesto no saguão e seguravam faixas com os dizeres “A nossa segurança é a sua”. A fila de passageiros era grande no local. No aeroporto internacional de Guarulhos, o impacto foi menor. Segundo a GRU-Airport, até as 7h30 dos 87 voos programados um foi cancelado e duas decolagens e dois pousos sofreram atraso.
De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuário (Infraero), nos aeroportos de Recife, Porto Alegre, Brasília, São Paulo, Brasília, Salvador, Curitiba, Rio, Florianópolis, Campinas e Fortaleza houve pelo menos 103 atrasos e 70 cancelamentos até às 8h. Ainda segundo a Infraero, a situação deve ser normalizada ao longo do dia, mas não há uma previsão já que a paralisação impacta toda uma rede. O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) prevê que cerca de 300 voos sejam afetados e avalia fazer novas paralisações caso não cheguem a um acordo com as empresas.
Fonte: El País
Texto: Heloísa Mendonça
Data original da publicação: 03/02/2016