Há mais de um ano, Rogério de Lucena, de 21 anos, está sem trabalhar. O rapaz, que vive com a mãe e o irmão no Conjunto AE Carvalho, na Zona Leste de São Paulo, também parou de frequentar as salas de aula aos 18, quando só então completou a oitava série, e nunca mais voltou a estudar. “Se soubesse que ficaria tanto tempo parado, poderia ter voltado à escola, mas agora o meu foco é conseguir um emprego”, lamenta. A última oferta que recebeu foi no início do ano passado na área de siderurgia, mas como o salário “não era muito tentador”, preferiu recusar e continuar recebendo as parcelas do seguro-desemprego. Após meses esperando uma nova oportunidade, ele se diz desestimulado. “Nem entrego mais meu currículo nas empresas. Elas nunca chamam para entrevistas. Por enquanto, vou vivendo com a ajuda da minha mãe”.
Num Brasil com baixas taxas de desemprego, histórias como a de Lucena são comuns entre pessoas de 15 a 29 anos. De acordo com o IBGE, em 2013, um a cada cinco jovens brasileiros (20,3%) não trabalhava nem estudava. O perfil do chamado “nem-nem” mostra que ele tem geralmente escolaridade menor em relação aos outros jovens e 44,8% deles vivem em famílias com renda de um quarto do salário mínimo por pessoa, na condição de filho. Quanto à localização, a maior parte dos representantes dessa “geração” está concentrada no Nordeste do País.
Apesar de uma parcela desse grupo não estar fora do mercado de trabalho por escolha própria, a maioria deles não procura emprego e agregam um “nem” a mais ao apelido pouco honroso. São os chamados “nem-nem-nem”, que em números absolutos representam 7,334 milhões de jovens brasileiros que nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego.
“Nos últimos dez anos, o número de nem-nens que procuravam emprego diminuiu. Em 2004 eles totalizavam 32% e, em 2013, caiu para 26%”, explica a pesquisadora do IBGE Cíntia Agostinho, uma das autoras do informe Síntese de Indicadores Sociais 2014. O estudo conseguiu traçar o perfil desse grupo de jovens, mas não analisou os motivos pelos quais essas pessoas desistem do mercado de trabalho.
Uma das razões para entender esse fenômeno pode ser atribuída ao aumento de renda das famílias chefiadas por trabalhadores menos qualificados. De acordo com o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, entre 2003 e 2013, o salário mensal desses trabalhadores aumentou 50% em termos reais, enquanto o dos profissionais com ensino superior subiu apenas 10%. “O jovem, filho de profissionais menos qualificados, que antes trabalhava ou procurava emprego por necessidade de complementar a renda da família, já não precisa mais fazê-lo agora que o pai ganha mais”, afirma.
O especialista explica ainda que, “livres” da obrigação de ajudarem em casa, esses jovens deveriam estar estudando. “O problema é que eles não têm muito interesse de ir ao ensino médio. Acham que a escola é enfadonha e que não servirá para o mercado de trabalho, não encontram sentido. A base da maioria desses jovens é muito fraca, eles possuem muita dificuldade de concentração. Oferta de escolas públicas e cursos gratuitos no Pronatec não faltam, bastava querer “, afirma.
Marcelo Henrique dos Santos, de 18 anos, por exemplo, desistiu dos estudos há 3 anos, quando chegou ao ensino médio. Decidiu, segundo ele, começar a trabalhar, ao invés de apenas “fazer bagunça na sala de aula”. A escola já não lhe despertava mais interesse. Passou por dois empregos informais e há 5 meses está desempregado. Santos vive com a mãe, que trabalha como empregada doméstica, e às vezes consegue alguns “bicos” consertando computadores. “Quero fazer um curso de manutenção de micro, mas antes preciso de um emprego, em qualquer setor mesmo, para poder pagar”, explica.
Projeções
O grupo dos nem-nem-nens não faz parte da população economicamente ativa do País (PEA), mas é capaz de interferir nas taxas de desemprego. Se deixam de procurar trabalho, não pressionam a taxa de desemprego. Para Naercio, a desaceleração da economia pode reverter esse panorama.
De acordo com o especialista, nos últimos anos, o número absoluto de jovens caiu pela primeira vez na história – principalmente pela queda da fecundidade-, mas projeções do IBGE indicam que o número começará aumentar novamente a partir de 2015, criando um problema para uma economia de crescimento pífio.
“Se a geração de empregos estagnar, esse contingente de jovens que chegarem no mercado ficarão desempregados, o que causará pressões para redução dos salários. É um ciclo. Se esse processo atingir o salários e o emprego dos adultos menos qualificados, os filhos que hoje estão fora do mercado, terão que voltar a procurar trabalho, o que pode aumentar ainda mais a taxa de desemprego”, explica. “Para que isso não ocorra, o país precisaria aumentar rapidamente a sua produtividade, mas não há muito indícios que isso aconteça no curto prazo”, conclui.
Respiro e novos caminhos
Os quase 10 milhões de nem-nens no Brasil possuem diferentes perfis. Dentre eles, há quem tenha decidido parar os estudos e o trabalho, para dar um respiro, viver um período sabático e repensar a vida profissional.
O publicitário Mateus Martins, de 29 anos, resolveu parar tudo em novembro do ano passado, após 3 meses “de trabalho exaustivo” na campanha eleitoral de um dos candidatos ao Governo de Minas Gerais. “Pretendo voltar a trabalhar só em março. Já fiz uma viagem de 20 dias para o Sul do Brasil, estou agora 40 dias no Sudeste Asiático e, quando voltar, ainda quero mais duas semanas em Jericoacoara”, conta o publicitário, que está financiando esse momento de descanso com algumas economias e o salário do último emprego.
Mais do que umas férias prolongadas, Martins quer aproveitar o período para repensar a carreira, adquirir “mais repertório” e tentar novos rumos em 2015. “Uma nova agência, uma nova cidade, outra função dentro do mercado de comunicação. Tudo isso junto ou nada disso. Ainda estou pensando”, explica o publicitário que, enquanto se decide, resolveu deixar todos seus pertences na casa do pai.
Fonte: El País
Texto: Heloísa Mendonça
Data original da publicação: 11/01/2015