Contra a preservação do insustentável

Fotografia: Boitempo

A publicação de “‘É tudo novo’, de novo?” não poderia vir em melhor (ou será pior?) hora. Exatamente quando o capitalismo, além de destrutivo, torna-se também pandêmico e letal. Será que vamos engolir, uma vez mais, o mesmo vilipêndio, com nova plumagem e uma envelhecida maquiagem?

Ricardo Antunes

Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 03/01/2022

Depois de o autor da obra “É tudo novo”, de novo: as narrativas sobre grandes mudanças no mundo do trabalho como ferramenta do capital experimentar uma vigorosa atividade como auditor fiscal do trabalho, o que encontramos quando a ela se acrescenta um sólido processo de investigação teórica? Já em sua tese de doutorado (Estado e direito do trabalho no Brasil, Universidade Federal da Bahia, 2012), Vitor Araújo Filgueiras pôde demonstrar a densidade de seu trabalho acadêmico. Contrariamente à máxima do ideário do capital (que, quanto mais crise acarreta, mais embuste propaga), nossa convicção acerca do autor é reiterada neste novo livro, com o sugestivo título “É tudo novo”, de novo.     

Concebido em cinco capítulos, o texto trata das narrativas do capital sobre as “novidades” do mundo do trabalho e desmonta suas falácias, oferecendo muitas evidências empíricas, encontradas em diferentes países. E o faz percorrendo o mesmo roteiro temático: o novo cenário internacional e políticas nacionais; as novas tecnologias; as novas empresas e novas relações de trabalho; os novos trabalhadores; as novidades e suas promessas, suas tantas falácias, interrogando-as a cada passo e a cada capítulo. Sem fugir da polêmica e do áspero debate, Vitor oferece um livro ao mesmo tempo sintético e direto. 

É muito curiosa a estratégia do capitalismo (cuja prioridade não é outra senão incrementar a acumulação), que, em sua busca para forjar uma nova versão para justificar a velha empulhação, está levando a humanidade para um beco sem saída. A devastação generalizada do trabalho (para não falar da destruição da natureza) é mais do que emblemática, acarretando mais desemprego e precarização, além de “normalizar” as aberrações presentes no trabalho informalintermitente e uberizado.

Em vez de combater esse defeito estrutural pela raiz, o que faz o sistema de metabolismo antissocial do capital? Alardeia um fictício mundo novo, muito fetichizado e “algoritmizado”, visando turbinar o velho (sempre tentando adicionar algum “fair play”, para usar uma ironia inglesa). É assim que a derrelição e a corrosão dos direitos da classe-que-vive-do-trabalho vêm se tornando o novo leitmotiv do capital, ludíbrio apresentado como “conquista” e “avanço” social.

Fotografia: Boitempo

É contra essa impostura que este libelo de Vitor Araújo Filgueiras se volta. Para preservar o insustentável, para eternizar o que é finito e socialmente horroroso, o léxico do capital é mais uma vez turbinado, justificando o título do livro, em seu desdobramento: de novo? Por isso, a publicação desta obra não poderia vir em melhor (ou será pior?) hora. Exatamente quando o capitalismo, além de destrutivo, torna-se também pandêmico e letal.

Será que vamos engolir, uma vez mais, o mesmo vilipêndio, com nova plumagem e uma envelhecida maquiagem?

Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da coleção Mundo do Trabalho, da Boitempo.

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