Acredite se quiser, mas uma das profissões do momento nos Estados Unidos é a de caminhoneiro. Com base em dados do Censo americano, o site da National Public Radio (NPR), a rede pública de rádios do país, mostra que se trata do emprego mais popular em 29 Estados americanos.
Isso não quer dizer que dirigir caminhões seja uma carreira disputada. Sua popularidade está apenas no fato de ter vagas disponíveis e pagar um salário decente.
Diferentemente de inúmeras profissões que decaíram nos últimos anos, o serviço como caminhoneiro se manteve imune às forças que eliminaram vários postos de trabalho.
Nas últimas décadas, computadores e máquinas automáticas substituíram secretárias, bancários, frentistas, caixas de supermercados e tantas outras profissões. Mas as entregas de bens ainda não podem ser feitas por um prestador de serviços em outro país, e os trajetos de longa distância ainda não foram automatizados.
Mesmo assim, os caminhoneiros podem ser os próximos na lista de empregos sob risco de extinção. Empresas como Google, Uber e Tesla estão desenvolvendo veículos sem motorista, começando justamente por protótipos capazes de cumprir viagens longas.
Se conseguirem automatizar as entregas, isso não seria apenas uma benesse para as empresas distribuidoras, mas também para a segurança nas estradas – apenas nos Estados Unidos, até 4 mil pessoas morrem a cada ano em acidentes envolvendo grandes caminhões (com a culpa quase sempre atribuída a um erro do condutor).
Mas caminhões que dirigem sozinhos não seriam bem-vindos em todas as áreas. Alguns críticos do conceito ressaltam que o fim dos caminhoneiros teria um efeito dominó sobre outros empregos.
Nos Estados Unidos, até 3,5 milhões de motoristas e 5,2 milhões de pessoas que atuam diretamente no setor de distribuição e entregas ficariam desempregadas. Além disso, as inúmeras paradas localizadas nas principais rotas rodoviárias poderiam ficar abandonadas.
Ou seja, os caminhões autoconduzíveis poderão arruinar milhões de vidas e trazer consequências desastrosas para um setor significativo da economia.
Futuro sombrio
Esse tipo de alerta sombrio costuma ser emitido com frequência, não apenas na indústria da distribuição, mas também em várias outras áreas da força de trabalho mundial.
Conforme máquinas, softwares e robôs vão se tornando mais sofisticados, alguns especialistas temem que estejamos à beira de perder milhões de empregos.
Segundo um estudo recente feito por analistas da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, a próxima onda de avanços tecnológicos vai colocar em risco até 47% de todos os empregos dos Estados Unidos.
Mas será que essas projeções são verdadeiras? E se forem, devemos nos preocupar? Se os robôs tomarem nossos lugares, vamos virar preguiçosos profissionais, como retratado no filme Wall-E? Ou será que as inovações tecnológicas nos darão mais liberdade para ir atrás de empreitadas mais criativas e compensadoras?
A mão que alimenta
Para podermos responder a essas perguntas, devemos reconhecer que a tecnologia, a inovação e a mudança das normais culturais sempre alimentaram a rotatividade da força de trabalho.
As máquinas vêm tomando nossos empregos há séculos. “As economias de mercado nunca ficam paradas”, afirma David Autor, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “As indústrias vivem ascensões e quedas, os produtos e serviços mudam – e isso vem acontecendo há muito tempo.”
No passado, enquanto algumas profissões desapareceram, outras surgiram. Habilidades artesanais, que eram um grande trunfo para um trabalhador do século 18, foram substituídas pelo know-how da produção industrial, com o advento da manufatura de larga escala no século 19. Mas na década de 1980, muitas das tarefas feitas por pessoas durante a Revolução Industrial já eram executadas por máquinas.
De maneira geral, essas mudanças trouxeram resultados mais positivos do que negativos para a sociedade. “A automação nos deu mais tempo, e conseguimos realizar mais coisas”, diz Autor.
As máquinas de lavar transformaram uma tarefa de horas em algo que pode ser feito com um simples apertar de botão; ferramentas elétricas tornaram a construção civil mais eficiente; e computadores eliminaram trabalhosos cálculos e escritas. Houve uma melhora na qualidade de vida e na segurança das pessoas. “Deveríamos ficar felizes que muitos desses empregos desapareceram”, afirma Carl Frey, um dos autores do estudo feito pela Universidade de Oxford.
Ritmo acelerado
Mas, em comparação com o passado, o ritmo com que as transformações no mercado de trabalho ocorrem hoje é muito mais acelerado. Com a possível exceção da Revolução Industrial, nunca assistimos a uma mudança tão rápida na sociedade e na economia.
E, apesar de ser cedo para confirmarmos, os números indicam que o mercado de trabalho não está evoluindo rápido o suficiente para acompanhar essas mudanças. A relação entre postos de trabalho e a população geral tem caído nos países desenvolvidos, independentemente da crise econômica mundial que começou em 2008.
“Acredito que isso mostra que a economia digital não criou muitos empregos diretos, e os empregos criados tendem a se concentrar em grandes cidades”, afirma Frey. “Isso faz os preços aumentarem, cria desigualdades e impede que as pessoas morem ou se mudem para os lugares onde esses empregos estão surgindo.”
Conforme alguns trabalhos começaram a marchar rumo à extinção, muitas pessoas que costumavam executá-los – agentes de viagens, telefonistas, técnicos de laboratório fotográfico, gráficos etc. – acabaram migrando para profissões que pagam menos – como garçons, faxineiros, jardineiros e outros – porque não tinham a formação necessária para ir para empregos da camada econômica equivalente.
“Há uma enorme mudança nas habilidades necessárias hoje no mercado de trabalho, mas ela não se reflete no nosso sistema educacional”, explica Alison Sander, diretora do braço de análises para o futuro do Boston Consulting Group.
Autor concorda: “De fato, há uma demanda cada vez maior por trabalhadores com formação superior e uma série de habilidades refinadas, mas uma queda vertiginosa na necessidade de pessoal com educação média”.
Isso significa que uma enorme parcela da população que, nas últimas décadas, tinha um padrão de vida elevado, hoje já não pode mantê-lo.
E o problema só deve se intensificar nos próximos anos, à medida em que trabalhos que envolvam rotinas ou tarefas repetitivas mentais ou físicas têm mais chances de serem eliminados pela automação.
Empregos do futuro
Na lista de carreiras ameaçadas estão os atendentes de lanchonetes, caixas, operadores de telemarketing, contadores, garçons e até jornalistas.
Além disso, empregos que antes eram mais desafiadores e precisavam de uma alta especialização podem ser tornar comuns por causa da automação, como já ocorre, por exemplo, em certos setores da medicina, como a radiologia.
Mas a automação não necessariamente significa a ruína de vários outros setores. Enquanto houver tarefas que exijam algum nível de envolvimento humano, ainda há espaço para pessoas de carne e osso.
Quando a ferramenta de busca do Google começou a decolar, há pouco mais de uma década, por exemplo, houve o medo de que bibliotecários se tornariam seres obsoletos. Em vez disso, aumentou o número de vagas nessa carreira, exigindo novas habilidades. “Se uma máquina pode substituir um ser humano completamente, aquela pessoa é supérflua. Mas se essa pessoa puder gerenciar aquela máquina, ela se torna mais valiosa”, explica Autor.
Junta-se a isso o fato de que máquinas e softwares muito provavelmente jamais poderão substituir certos empregos. Até hoje, o homem é muito superior em qualquer trabalho que envolva criatividade, empreendedorismo, habilidades interpessoais e inteligência emocional.
As carreiras que precisam delas? Clérigos, enfermeiros, palestrantes motivacionais, cuidadores, treinadores esportivos, artistas – todos com muitas chances de se dar bem em um mundo mais automatizado.
E mesmo que restaurantes comecem a usar tablets nas mesas para preparar os pedidos e robôs venham servir a comida, a sociedade pode não querer adotar essas mudanças. É possível que continuemos a querer que outros seres humanos venham a nossas mesas ou dirijam nossos táxis.
Este é um fenômeno que reflete na recente reaparição de artesões nos grandes centros urbanos do planeta. Hoje, há um mercado cada vez maior para móveis e outros objetos feitos à mão, para alimentos caseiros e com um toque pessoal, e por tantas outras artes e serviços. E isso significa também o surgimento de empregos digitais para ajudar a aumentar a venda desses produtos.
Exemplos de compensações
A realidade é que para cada carreira que a tecnologia elimina, sempre haverá uma onda de novos caminhos profissionais a serem explorados e criados. Assim como alguns dos empregos de hoje – gerente de mídias sociais, designer de aplicativos, diretor de impacto ambiental – teriam sido inimagináveis em 1995, não podemos prever que novos tipos de trabalho surgirão no futuro.
Mas conseguimos imaginar com base em números e tendências. Sander prevê um futuro onde conselheiros genéticos, biobanqueiros, autores de realidade aumentada, especialistas em antienvelhecimento e experts em mitigação de desastres naturais urbanos poderão ocupar os lugares mais quentes da economia, assim como outras profissões que decorrerão da concentração cada vez maior de pessoas nas grandes cidades.
Ao mesmo tempo, não devemos assumir que a economia vai se ajustar às mudanças. Não há garantias de que tudo funcione bem no futuro. Para tornar a transição o menos dolorida possível, precisamos ser proativos em assegurar que a destruição de certas carreiras seja feita com a provisão adequada para aqueles que perderem seu papel na sociedade.
“Se conseguirmos criar recursos sem uma grande demanda de mão de obra, o problema terá que ser: ‘temos muita riqueza – como vamos distribuí-la?'”, diz Autor.
Opções socialmente responsáveis podem incluir um apoio melhor para aqueles que estão temporariamente desempregados e treinamento acessível para ajudá-los a mudar para um novo setor.
Alguns países, setores e empresas estão respondendo melhor a essas mudanças do que outros. Para Sanders, de um lado, há organismos reguladores rígidos que podem impedir a inovação, como a recente proibição do Uber na França, por exemplo. Por outro, há o caso da Alemanha, onde 1,5 milhão de pessoas se matriculam em cursos preparatórios remunerados a cada ano, saindo deles com alta formação para atuar em áreas técnicas.
Hoje, mais de 4 mil empresas em todo o mundo montaram seus próprios centros de formação e treinamento. Outras companhias estão tentando mudar sua demografia para evitar a perda de empregos. A BMW, por exemplo, está modificando suas fábricas para atender às necessidades de seus funcionários mais velhos, em vez de obrigá-los a se aposentar.
No entanto, pode até ser que um dia as máquinas e a inteligência artificial tomem o lugar de seres humanos em várias áreas. Isso não é algo necessariamente ruim, especialmente se isso levar a um aumento da riqueza e do bem estar de todos.
Fonte: BBC Brasil, versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future
Texto: Rachel Nuwer
Data original da publicação: 07/08/2015