Como a luta por melhores salários está mudando a cara do sindicalismo nos EUA

Uma longa série de protestos de trabalhadores nos Estados Unidos tem promovido uma mudança radical no discurso público sobre justiça econômica no país nos últimos anos. Utilizando táticas diferentes das do sindicalismo tradicional, o movimento Fight for $15 – ou “Lute pelos US$15” – vem conseguindo representar as demandas dos novos perfis de trabalhadores estadunidenses e tem obtido avanços inéditos na luta por um salário mínimo digno.

O movimento surgiu em 2012, a partir de um protesto em Nova York, onde 200 trabalhadores de cadeias de fast-food cruzaram os braços para exigir um salário de 15 dólares por hora e o direito de se sindicalizar sem retaliação. O piso nacional dos Estados Unidos, atualmente em US$ 7,25 por hora trabalhada, não é reajustado desde 2009.

Hoje, o Fight for $15 se expandiu para mais de 300 cidades em todo o mundo e não se limita mais a funcionários do setor de fast-food, mas também abarca profissionais de saúde, professores de ensino infantil, funcionários de aeroportos, professores adjuntos de universidades e trabalhadores do varejo.

Reimaginando os canais existentes para desafiar as barreiras aos direitos dos trabalhadores, a mobilização de base do movimento tem sido eficiente porque se propõe a olhar para os grupos mais precarizados dos EUA, muitas vezes considerados difíceis demais de organizar por sindicatos tradicionais.

Fight for $15 não se limita a uma categoria específica de trabalhadores vinculada a uma convenção coletiva. É o que explica Gary Chaison, professor de relações industriais da Clark University, de Massachusetts. “No movimento Fight for $15, os sindicatos estão ajudando a organizar, a partir das comunidades, um grupo de trabalhadores que está à margem da economia. Não são membros de sindicatos se protegendo. Trata-se de melhorar a condição das pessoas”, afirma Chaison.

Pressão no legislativo

O movimento tem ganhado popularidade principalmente entre quem ganha um salário mínimo no setor de serviços, que sofre com precariedade de renda e condições de trabalho. A mobilização deu nova cara ao debate em torno do salário mínimo nas políticas estaduais e federais no país.

Em janeiro, os democratas no Congresso dos Estados Unidos apresentaram um projeto de lei para aumentar o salário mínimo, marcando um divisor de águas no debate pela definição de um piso salarial nacional. O projeto foi apoiado por mais de 190 membros da Câmara e 31 do Senado.

No dia 6 de março, com 28 votos a favor e 20 contra, a comissão de Educação e Trabalho da Câmara aprovou o projeto que aumentaria gradativamente o salário mínimo federal para US$ 15 por hora até 2024.

Foi a primeira vez que o debate sobre a legislação do salário mínimo conseguiu apoio massivo desde a discussão de um projeto proposto na gestão de Barack Obama, em 2013, que não foi adiante.

O projeto de lei atual representa uma tentativa importante de aumentar o salário mínimo federal nos Estados Unidos.

Segundo um relatório de 2018 do Instituto de Política Econômica do país, nos últimos 30 anos, os salários de grande parte dos trabalhadores dos EUA se mantiveram em níveis tão baixos que, mesmo com empregos em tempo integral, os rendimentos, com relação ao tamanho das famílias, ainda ficariam abaixo da linha da pobreza definida pelo governo federal.

A consequência é um número crescente de trabalhadores que ganham o piso nacional – muitos se desdobrando entre vários empregos – com dificuldades de chegar ao fim do mês.

Estados

A mobilização por um piso nacional mais alto é resultado de campanhas salariais nos níveis estadual e local. Em março, Maryland se tornou o sexto estado do país a aprovar uma lei para aumentar o valor para 15 dólares por hora até 2025. Pelo projeto, o valor atual de US$ 10,10 deverá chegar a US$ 11 até 2020, e subir gradualmente nos próximos anos até chegar à meta.

Maryland seguiu os passos de Califórnia, Nova York, Illinois, Nova Jersey e Massachusetts, todos estados que aprovaram projetos para chegar ao piso de 15 dólares por hora. Atualmente, 29 dos 50 estados dos EUA, mais o Distrito de Colúmbia (distrito federal) têm pisos salariais acima do mínimo nacional. Washington e Massachusetts têm os maiores valores: 12 dólares por hora.

Apoiado pela União Internacional de Trabalhadores do Setor de Serviços (SEIU) e várias outras entidades, o movimento Fight for $15 está enfrentando grandes corporações para exigir direitos, incluindo a companhia aérea United Airlines, grandes redes de supermercados como Walmart e Target, e uma variedade de cadeias de fast-food como Wendy’s, Taco Bell e, a mais popular, McDonald’s.

Em 2015, cerca de 60 mil trabalhadores paralisaram em Atlanta, Boston, Nova York, Los Angeles e mais de 200 cidades em todo o país para protestar. As grandes manifestações conquistaram apoio internacional, com registro de protestos contra baixos salários no Brasil, na Nova Zelândia e no Reino Unido.

Em 2017, o movimento conseguiu mobilizar trabalhadores em Austin, Miami, Detroit e outras quase 200 cidades nos EUA para exigir o piso de 15 dólares por hora, além de direitos sindicais e licença-médica remunerada. Os protestos tiveram grande adesão em estados tradicionalmente republicanos, inclusive na Flórida, em Wisconsin e no Missouri.

“Nós merecemos dignidade. Merecemos 15 dólares por hora. Merecemos poder cuidar dos nossos filhos. Hoje eu não posso comprar nem um sapato para meu filho”, afirmou Kenya Banks, manifestante que trabalha em uma loja do Taco Bell no Missouri.

“Entrei no Fight for $15 e em um sindicato há pouco mais de seis meses porque realmente acredito que a luta que estamos fazendo deve ser universal. A organização em que você trabalha ou o estado em que você mora não deveriam importar. Todos merecemos respeito e remuneração digna. É por isso que estamos nos manifestando hoje, exigindo que o McDonald’s respeite os trabalhadores e nosso direito de sindicalização”, afirmou Eva Johnson, funcionária de uma loja da rede de lanchonetes na Flórida.

Com a pressão dessas mobilizações, novas leis foram aprovadas, como no caso de Maryland, além da conquista de aumentos voluntários em diversas empresas públicas e privadas. Estima-se que cerca de 22 milhões de trabalhadores receberão US$ 68 bilhões em aumento nos próximos anos.

Eleições

Campanhas como a do Fight for $15 têm ajudado a manter o debate salarial na agenda e tornaram a questão inevitável, principalmente com a aproximação das eleições dos EUA em 2020.

Em resposta aos movimentos populares, vários pré-candidatos presidenciais do Partido Democrata passaram a enfatizar a luta pelo aumento do salário mínimo como uma de suas principais bandeiras. Os senadores Bernie Sanders, Elizabeth Warren e Joe Biden fizeram do tema um dos principais assuntos de suas campanhas.

Enquanto isso, a gestão de Donald Trump e os governos estaduais, dominados pelos republicanos, têm atacado o direito de organização dos trabalhadores e se recusam a apoiar o aumento do piso salarial. A hostilidade dos republicanos com a pauta muitas vezes leva a impasses prolongados que impedem a aprovação de projetos de lei.

Repressão e represália

O movimento também enfrenta resistência de corporações que, muitas vezes, colaboram com o Estado para reprimir protestos. Em maio de 2014, 2 mil funcionários do McDonald’s realizaram um protesto na sede da empresa em Chicago. A polícia de choque reprimiu os manifestantes e prendeu quase 100 funcionários e 38 apoiadores da comunidade. A presidenta da SEIU, Mary Kay Henry, também foi presa.

Outra situação parecida aconteceu em setembro de 2014, quando a polícia prendeu 436 funcionários que tentaram protestar por melhores salários em 32 cidades dos Estados Unidos.

Também recentemente houve casos de empresas que tentaram reprimir as demandas suspendendo o pagamento dos salários. Foi o caso de funcionários do McDonald’s, que tiveram cortes nos pagamentos desde que começaram a se mobilizar.

Mas os membros do movimento não se deixam abalar. “Não vamos desistir e não vamos ser intimidados”, afirmou o diretor nacional do Fight For $15, Kendall Fells, em um protesto de 2016.

Fonte: Brasil de Fato, com Peoples Dispatch
Texto: Neeti Prakash
Tradução: Aline Scátola
Data original da publicação: 03/05/2019

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