Se as exportações representam um dos principais indicadores da vitalidade econômica de um país, o Brasil tem razões para se preocupar. Graças ao prolongado cenário de desindustrialização da economia – ou seja, a participação cada vez menor da indústria no PIB do País –, sete commodities respondem hoje metade do valor das exportações brasileiras.
É o percentual mais alto desde os 51,4% registrado em 2011. No ano passado, as vendas do complexo soja, óleos brutos de petróleo, minério de ferro, complexo carnes, celulose, açúcar e café renderam US$ 120,3 bilhões ao País – o equivalente a 50,2% do total exportado. É como se a economia brasileira vivesse um período de reprimarização.
Houve em 2018 um forte aumento das exportações de soja, petróleo e celulose – produtos que ganharam espaço na pauta com alta simultânea de preços e volumes negociados com o exterior, num ano de crescimento ainda razoavelmente expressivo da economia global. Ao mesmo tempo, as vendas de produtos manufaturados mostraram pouco dinamismo, devido, sobretudo, ao impacto da crise da Argentina (grande compradora desses bens), além da crônica (e crescente) falta de competitividade da indústria nacional.
Parte importante do aumento da concentração da pauta nessas commodities se deve à recuperação dos preços de alguns produtos, diz o economista Fernando Ribeiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A participação dessas sete commodities caiu para a casa de 45% do total exportado em 2015 e 2016, período em que a média das cotações de venda dos produtos básicos ao exterior recuou quase 35%, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Em 2017 e 2018, os preços de exportação dos básicos reagiram, subindo 21%.
Tudo isso levou a participação das sete commodities no total exportado para a casa de 50%, um nível bastante elevado, mas ainda um pouco abaixo do recorde atingido em 2011. “Foi quando muitas commodities atingiram o seu pico histórico”, lembra Ribeiro, especialista em comércio exterior.
Em 2018, um dos grandes destaques foi o aumento das vendas do complexo soja (grão, farelo e óleo). Em valor, elas subiram 29%, para US$ 40,9 bilhões. As exportações de soja em grão subiram 22,7% em volume e 5,3% em preços. A fatia do complexo soja no total exportado passou de 14,57% em 2017 para um pouco mais de 17% em 2018.
Já a alta das vendas de óleos brutos de petróleo foi ainda mais significativa. Atingiu 51%, para US$ 25,1 bilhões. Com isso, a participação do produto na pauta pulou de 7,64% em 2017 para 10,48% em 2018. O volume exportado cresceu 12,4% e os preços, 34,4%.
As vendas de celulose também ganharam espaço nas exportações, de 2,91% em 2017 para 3,48% em 2018. O bom desempenho se deveu à alta de 19% dos preços e de 10,4% das quantidades exportadas. Já o minério de ferro fechou 2018 no terceiro posto, respondendo por 8,43% das exportações, um pouco menos que os 8,82% do ano anterior.
O açúcar e o café, por sua vez, perderam espaço na pauta em 2018, num ano marcado pela queda dos preços de exportação desses produtos, devido à grande oferta no mercado internacional. O complexo carnes também viu a sua participação recuar. Houve redução das exportações de frango, por causa das restrições da União Europeia (UE) e da Arábia Saudita, e de carne suína, nesse caso em virtude do embargo da Rússia.
A fatia de produtos primários na pauta passa a ganhar mais espaço especialmente a partir de meados da década passada, como destaca Welber Barral, sócio da Barral M Jorge Consultores. Houve então um salto dos preços de commodities, na esteira do fortíssimo crescimento da China. A participação das sete commodities no total vendido ao exterior pulou de 25,2% em 2000 para 38,7% em 2008, atingindo 51,4% em 2011. Desde então, nunca ficou abaixo de 45%.
Ao mesmo tempo em que as vendas de produtos primários mostram grande dinamismo desde os anos 2000, as exportações de produtos manufaturados vão mal, refletindo a falta de competitividade da indústria brasileira, segundo Barral e Ribeiro. “A concentração em produtos primários reflete o fato de que quase toda a indústria brasileira nunca conseguiu ser competitiva internacionalmente”, reforça Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP).
O economista do Ipea chama a atenção para o mau desempenho das exportações de produtos industrializados num prazo mais longo, mostrando as dificuldades de o país concorrer nesse segmento. No ano passado, o volume exportado de bens manufaturados ainda era quase 10% menor do que em 2008, enquanto o de produtos básicos aumentou 76,4% no período. Os números são da Funcex.
Para ele, a perspectiva é de aprofundamento do processo de avanço da fatia de commodities nas exportações do país. Barral também vê como provável a continuidade desse processo, uma vez que os setores que exportam produtos primários mantêm o dinamismo, enquanto a indústria sofre com a falta de competitividade.
Esse problema estrutural se deve aos custos elevados enfrentados pela indústria no país, diz Barral. Ele cita fatores como os problemas de logística, o custo de capital elevado, a burocracia e a complexidade tributária. “É a longa lista do custo Brasil.” Além disso, no curto prazo a fraqueza da economia da Argentina atrapalha as vendas de manufaturados do Brasil.
Para Ribeiro, é o momento de uma abordagem pragmática sobre o assunto. Dadas as vantagens comparativas do Brasil no segmento de commodities e os problemas de competitividade da indústria – que não serão resolvidos de uma hora para uma outra –, é importante traçar estratégias que consigam fazer com que o crescimento das exportações de produtos primários “transborde” para outros setores da economia, levando a maior expansão na indústria e nos serviços, avalia ele.
Um dos problemas apontados de uma pauta excessivamente concentrada em commodities é o país ficar sujeito às oscilações dos preços desses bens. As cotações desses produtos flutuam muito mais do que os dos produtos manufaturados e semimanufaturados, diz Nakabashi. “A oscilação nos preços das commodities altera o valor exportado de forma mais frequente e em maior magnitude, com efeitos maiores sobre a economia doméstica.”
Com isso, os choques internacionais têm maior potencial de afetar a economia brasileira, avalia Nakabashi. “Parcela da crise recente pela qual a economia brasileira atravessou é decorrente, em parte, da queda dos preços das commodities que ocorreu a partir da crise iniciada nos EUA em 2007-2008, apesar de os erros internos de política econômica terem sido mais relevantes.”
Para ele, a tendência é de manutenção da participação das commodities na pauta no curto e no médio prazo. “De qualquer forma, é importante fomentar uma maior agregação de valor nas commodities que exportamos, para que se possa aumentar a produtividade, o emprego e reduzir a dependência da oscilação de preços”, diz Nakabashi, para quem é necessário qualificar a mão de obra, reduzir entraves burocráticos e tornar o sistema tributário mais racional, para não penalizar os produtos com maior valor agregado.
Fonte: Vermelho, com Valor Econômico
Data original da publicação: 11/02/2019