Para o Ministério do Trabalho, comandado por Luiz Marinho (PT), a reivindicação é a participação nos debates sobre a regulamentação dos trabalhos em aplicativos. Para as plataformas – em especial o iFood -, os entregadores apresentam cinco pontos para melhorar suas condições de trabalho. Com esses dois alvos, trabalhadores de app de ao menos 12 estados brasileiros convocam uma paralisação para o dia 25 de janeiro.
“O foco é bloquear os pontos de entrega. Tanto shoppings como lojas de rua. A ideia é que neste dia os apps estejam desligados e os pontos bloqueados. A gente pretende, de fato, dar um prejuízo nas plataformas”, afirma Luiz Corrêa, presidente do Sindicato dos Prestadores de Serviços Por Meio de Apps do Rio de Janeiro (Sindimob).
Em São Paulo, a principal manifestação está marcada em Osasco (SP), em frente ao escritório do iFood. Entregadores que participaram do breque dos apps de 2020 – como Jr. Freitas, Paulo Lima, o Galo, e Edgar Francisco da Silva, o Gringo (presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil, a Amabr) – estão envolvidos na organização ou divulgação.
“Aqui no Rio de Janeiro vamos bloquear a coleta de pedidos em alguns pontos, mas o principal vai ser no Shopping Rio Sul, onde tem uma concentração muito grande de entregadores”, conta Luiz. “Essa primeira paralisação do ano simboliza exatamente isso: a luta antiprecarização”, define.
“Em Juiz de Fora (MG) vamos paralisar o dia todo e fazer uma atividade na rua Halfeld, para a sociedade, e nos pontos de coleta, para os companheiros”, relata Nicolas Santos, dirigente da Associação dos Motoboys, Motogirls e Entregadores de Juiz de Fora (AMMEJUF).
Cinco demandas para o iFood
“Quem manda na entrega é o iFood, por isso sempre falamos do iFood. Existe um monopólio do modal de entrega, eles têm 80% do mercado”, afirma Luiz, ao explicar que as reivindicações se voltam primordialmente para a gigante brasileira do delivery.
Os trabalhadores demandam que a taxa mínima paga por entrega aumente de R$6 para R$8. Também querem que deixem de existir as chamadas entregas duplas ou triplas, que é quando, sem ganhar por duas corridas, o entregador leva mais de um pedido na mesma viagem.
Em terceiro lugar, reivindicam uma apólice de seguro em caso de acidente e morte. De acordo com os organizadores da paralisação, as coberturas oferecidas pelo iFood não são eficientes.
Um caso emblemático foi divulgado pelo Intercept, quando Yuri Fontes, de 24 anos, morreu em um acidente no Rio de Janeiro enquanto fazia entrega para o iFood, em setembro do ano passado. A família não conseguiu acesso ao auxílio-funeral a tempo e, depois, teve o seguro de vida negado. Onze dias depois de sua morte, a conta de Yuri foi desativada por “má conduta”.
Outra reivindicação ao iFood é o retorno do plano de aluguel de bicicletas de R$9,90 por semana. “Antes era esse valor por conta de uma parceria do iFood com o Itaú. E acabou esse plano, agora quem depende dessa bike para fazer entrega tem que pagar R$59,90. Ficou muito pesado”, expõe Corrêa.
Por último, os entregadores exigem o fim das Operadoras Logísticas (OL). São empresas contratadas pelo iFood que funcionam como intermediárias entre a plataforma e os entregadores. Nelas, os entregadores trabalham com carga horária, subordinação a um supervisor e estão sujeitos a penalidades.
“Ora, se somos profissionais autônomos, isso não tem lógica”, argumenta Luiz. “O que o iFood faz, literalmente, é tirar a responsabilidade sobre o vínculo empregatício colocando essas OLs como laranjas”, critica.
Segundo o app, 20% dos entregadores cadastrados trabalham nesse modelo de OL. O restante trabalha na modalidade nuvem, que é aquela vinculada diretamente à plataforma e, a princípio, sem horário de trabalho estabelecido.
Questionado sobre as pautas da paralisação, o iFood informou que “esses movimentos são legítimos” e que desde 2020 “tem trabalhado na construção de espaços recorrentes e permanentes de escuta para ampliar o diálogo e melhorar a experiência dos profissionais com a plataforma”.
A regulação do trabalho em app
Quando tomou posse, em 3 de janeiro, o ministro Luiz Marinho, que assim como Lula foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, afirmou que vai apresentar até o fim do semestre uma proposta de regulamentação do trabalho em aplicativos. Segundo ele, o serviço atualmente é “semiescravo”. Não entrou, porém, em detalhes do que pretende.
Ouvidos pela reportagem, os entregadores que convocam a paralisação do dia 25 reclamam não terem sido chamados a participar do debate sobre a regulamentação da sua profissão.
“Já no grupo de transição do Ministério do Trabalho, incluíram nas reuniões grupos de pesquisa e, para representação de classe, três sindicais: UGT, CUT e CTB”, afirma Luiz Corrêa, com insatisfação.
“O próprio entregador está fora disso. As lideranças do Brasil inteiro estão fora disso. Só quem está participando são essas centrais sindicais. Na realidade eles têm que escutar o trabalhador. O trabalhador que vive na rua, que sabe o dia a dia, como que sofre, entendeu?”, critica Altemício Nascimento, que faz entregas em São Paulo.
André Reis, entregador em Salvador (BA), explica que não devem se mobilizar no dia 25 porque já fizeram uma paralisação em 13 de dezembro na capital baiana, região metropolitana e cidades do interior. Mas afirma que está de acordo com as reivindicações.
“Estamos remando contra a maré, pois devido ao desemprego no país, as empresas encontram terreno fértil para a exploração. Queremos ser profissionais autônomos. Na prática não somos: nosso trabalho está precificado e subordinado a um algoritmo”, diz André.
Não há uma proposta consensual sobre como deve ser regulamentado o trabalho em apps nem entre os que convocam a paralisação, muito menos entre as 1,5 milhão de pessoas que, segundo o IPEA, têm essa atividade como a principal fonte de renda. Porém, como reforça um levantamento feito pela Repórter Brasil, a maioria defende um modelo diferente do previsto pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e pela MEI (Microempreendedor Individual).
Segundo conta Luiz, a Sindimob, a partir de reuniões com outros entregadores e parlamentares como os deputados federais Professor Joziel (Patriotas) e Felício Laterça (Progressistas), elencou pontos para uma possível regulamentação.
Entre eles, uma previdência cuja contribuição viria das empresas de app e também, em porcentagem menor calculada a partir do ganho real, dos entregadores. Também preveem a existência de um seguro em caso de acidentes ou morte e que os bloqueios da plataforma só possam acontecer com justificativa e possibilidade de defesa.
“Tem que conversar com todas as lideranças do Brasil inteiro, juntar todo mundo, para ver qual é o melhor para a categoria. Não fechar e algumas pessoas decidirem pela gente”, afirma Nascimento. “Porque nós ainda não decidimos nada”, enfatiza.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério do Trabalho perguntando se aconteceram ou estão acontecendo reuniões sobre o tema com empresas e as centrais sindicais citadas; se há um plano para desenvolver uma proposta de regulamentação; e qual a posição sobre as demandas da paralisação do dia 25. A pasta se limitou a responder que “está em tratativas com os representantes dos trabalhadores sobre o assunto”.
Que regulamentação o iFood quer?
A maior empresa de delivery do país já expressa, ao menos desde 2020, que quer também uma regulamentação. Ao Brasil de Fato, o iFood informa que “há mais de um ano tem apoiado publicamente o debate sobre a regulação do trabalho em plataformas e a representatividade da categoria no debate com o poder público”.
“Reforçamos nosso compromisso de participar, em conjunto com entregadores, governo e setor, na construção de um modelo que entenda as novas relações de trabalho e garanta proteção e direitos aos trabalhadores”, diz a empresa, em nota.
Uma versão preliminar de um projeto de lei (PL) elaborado pelo iFood e obtido pelo Intercept mostra que o ponto central é que o vínculo entre a empresa e os entregadores seja considerado de natureza “comercial”, e não de trabalho.
O ponto central do PL é considerar que serviço oferecido pelo app não seja a entrega de comida, e sim a mera conexão entre restaurantes, consumidores e entregadores – todos vistos como clientes.
Para isso, o iFood propõe a criação de duas categorias. Os trabalhadores seriam chamados de “Prestadores de Serviço Independentes (PSI)” e as empresas, “Operadoras de Plataforma Tecnológica de Intermediação (OPTEC)”. “A relação mantida entre o PSI e a OPTEC será de natureza comercial, não se aplicando o disposto no Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”, diz o artigo 2º da proposta, se referindo à CLT.
Como mostra o documento, o plano era que ele fosse apresentado pela deputada federal Luísa Canziani (PSD), reeleita pelo Paraná na eleição de 2022. Ela preside a bancada parlamentar Frente Digital, criada em 2019 e que se propagandeia como “do futuro”. A atuação da bancada é definida pelo Instituto Cidadania Digital, um think tank criado no mesmo ano, que já teve como sócio João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood, e que tem como diretor-executivo, atualmente, Felipe Melo França.
O funcionamento é inspirado no da bancada ruralista, cujo motor financeiro e intelectual é o Instituto Pensar Agro (IPA), composto por associações do agronegócio que incluem gigantes transnacionais do ramo, como Bayer, Basf, BRF, JBS, Syngenta e Cargill.
O projeto feito pelo iFood, no entanto, ainda não foi apresentado para apreciação. Segundo o Intercept, em uma reunião online sobre o projeto, ocorrida em maio de 2022 entre a empresa e entregadores, a “chefe de comunidade” da empresa explicou que havia um entrave para protocolar o PL.
A parlamentar paranaense Canziani teria ficado “com muito medo de ter alguma manifestação contra ela em época eleitoral” e por isso, teria recuado. No entanto, o iFood, disse a funcionária, segue “engajando essa proposta”.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Gabriela Moncau
Data original da publicação: 16/01/2023