por Igor Natusch
Mais do que apenas insensível ou incompetente, o governo de Jair Bolsonaro tem se apresentado, desde o começo, como uma ameaça existencial à classe trabalhadora brasileira. Não apenas na pandemia, quando seu desprezo pela ciência e obsessão em forçar trabalhadores a colocarem a saúde em risco contribuiu para quase 700 mil mortes, mas também na promoção de uma política econômica que massacra a população, recolocando o Brasil diante da tragédia da fome generalizada. A precarização dos empregos e a queda no poder aquisitivo são legados de um governo que, não contente em massacrar seu próprio povo, ataca as instituições brasileiras com ferocidade inédita – o que faz com que a defesa de trabalhadores e trabalhadores seja, também, um embate em nome da preservação da democracia.
Para enfrentar um inimigo desta dimensão, é preciso união. E o sindicalismo brasileiro, ponta de lança em repetidas lutas no passado, agora promove a aproximação de ideias e iniciativas, em uma pauta unificada para o período eleitoral. Em uma união inédita, nove centrais sindicais constituíram uma frente programática, com o objetivo de derrotar Bolsonaro e promover uma guinada, desviando do atual projeto de barbárie e construindo bases para um novo caminho.
Em abril, a Conferência da Classe Trabalhadora (Conclat) em São Paulo aprovou uma agenda unificada de reivindicações para apresentar aos candidatos do campo democrático. No documento Pauta da Classe Trabalhadora, constam demandas como o fim da política de paridade internacional no preço dos combustíveis, a volta do imposto sindical, a formalização dos empregos mediados por aplicativo, a aplicação de imposto sobre grandes fortunas e dividendos e a revogação parcial da reforma trabalhista aprovada no governo de Michel Temer.
O texto foi assinado pelas seguintes entidades: Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Intersindical Central, Intersindical Instrumento de Luta, Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Pública Central do Servidor e União Geral dos Trabalhadores (UGT).
“A unidade das centrais sindicais (no contexto eleitoral de 2022) é a grande novidade do sindicalismo brasileiro. Os trabalhadores já estão sendo beneficiados com esse movimento. A terceira Conclat da classe trabalhadora é o primeiro grande passo para um futuro que beneficiará a todos”, celebra Ricardo Patah, presidente nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
“Esse documento reúne um conjunto propositivo, que olha para políticas sociais, de saúde, educação, segurança, habitação, transporte”, enumera o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, assessor do Fórum das Centrais Sindicais. “Há uma prioridade, que é o combate à fome, à carestia, e isso dialoga com a retomada da política de valorização do salário mínimo e com o enfrentamento de todas as formas de desigualdade”. Na segunda metade de agosto, o documento foi entregue ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas eleitorais e conta com o apoio da maioria dos dirigentes no comando das centrais sindicais signatárias. Ciro Gomes (PDT) também recebeu o documento, e a previsão é de que a Pauta seja entregue também a Simone Tebet (MDB) e aos candidatos ao Executivo em diferentes estados da Federação.
A agenda conjunta para as eleições deste ano é mais um desdobramento do Fórum das Centrais, que vem promovendo a aproximação das entidades no enfrentamento conjunto de questões relacionadas com a política institucional. Em um processo que acontece ao menos desde o começo dos anos 2000, e que se reforça a partir do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, essa construção toma agora um caráter de urgência, mas sem deixar de lado disputas que vão além do encontro com as urnas, como a reforma da previdência e a precarização sistemática dos mecanismos de proteção da classe trabalhadora.
“A unidade das Centrais, traduzida em ações, mobilização popular e pressão sobre o Congresso Nacional, tem sido fundamental à resistência e luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora, da democracia e da solidariedade, principalmente desde o golpe de 2016 e a posterior eleição de um presidente criminoso”, enfatiza Sergio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Também fundamentada no princípio da solidariedade, a unidade das centrais fortalece a nossa luta para recolocar o país no caminho do desenvolvimento e do crescimento sustentável, com geração de empregos de qualidade e o resgate dos direitos trabalhistas e previdenciários”, acrescenta.
Na leitura de Miguel Torres, presidente da Força Sindical, o Fórum das Centrais se constitui como um importante instrumento de luta da classe trabalhadora. “O Fórum fortalece a unidade das centrais, como fonte de debate, diálogo democrático e (elaboração de) estratégias para a defesa dos interesses dos trabalhadores.”
Visão compartilhada por Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). “Em unidade com as outras centrais, os movimentos sociais e as forças democráticas e progressistas, a CTB participa ativamente da resistência e luta contra o retrocesso, as ameaças fascistas e o governo Bolsonaro; em defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos e interesses da classe trabalhadora brasileira, que é a maior vítima das crises sanitária e econômica”, diz o dirigente.
Diante de um cenário político brutalizado, no qual a violência é usada com cada vez menos pudor por setores ligados ao pensamento reacionário, cabe às centrais conectadas ao Fórum também somar forças com iniciativas que buscam proteger o sistema eleitoral e as instituições democráticas brasileiras. Atualmente, as centrais sindicais participam de uma Coalização em Defesa das Eleições, com dezenas de entidades nacionais. Além disso, como explica Clemente Ganz, o sindicalismo foi decisivo nas articulações que levaram à Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, cuja leitura aconteceu no último dia 11 de agosto.
A partir de janeiro de 2023, na medida em que Jair Bolsonaro não seja mais presidente, duas das medidas prioritárias que Clemente Ganz aponta são a valorização do salário mínimo e o combate ao desemprego, a partir de uma lógica de proteção de renda. “Esses milhões de pessoas que estão desempregadas, desocupadas, que estão na pobreza, miséria, fazem com que essas medidas sejam urgentes, trazendo impacto positivo sobre a dinâmica econômica. Do ponto de vista sindical, as centrais defendem que o governo tome iniciativas imediatas de mudança na legislação, visando a valorização do sindicato como parte na negociação coletiva. Isso pode ser rapidamente colocado e aprovado, impactando todo o governo e abrindo caminho para várias outras iniciativas que precisam ser tomadas, muitas delas a partir de atuação junto ao Congresso Nacional.”