CEO da Uber admite que empresa pode bancar direitos trabalhistas

O CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, tranquilizou os investidores preocupados com as novas regulamentações da União Europeia apresentadas em dezembro, dizendo a um grupo de banqueiros que sua empresa pode continuar a prosperar mesmo sob regras que a obrigariam a contratar motoristas como empregados.

“Podemos fazer qualquer modelo funcionar”, disse Khosrowshahi quando perguntado sobre a proposta de legislação da UE que exigiria que a Uber designasse motoristas como funcionários ou fornecesse direitos adicionais, como tempo de férias e aposentadoria.

Falando por vídeo em um “fireside chat” (conversa realizada com um moderador) realizado em 14 de dezembro pelo banco suíço UBS, Khosrowshahi disse aos investidores que as recentes decisões na Espanha e no Reino Unido não prejudicaram a empresa drasticamente.  No ano passado, ambos os países promulgaram regras que obrigam as empresas de aplicativos de serviços a fornecer mais proteção aos motoristas.

“Os negócios na Espanha cresceram quase a 40% em relação ao ano anterior, e as margens EBITDA da Espanha também estão muito próximas de nossas margens globais de longo prazo”, observou Khosrowshahi, referindo-se ao fluxo de caixa da empresa antes dos descontos de impostos e juros.

“Há muita demanda por nossa tecnologia, nosso serviço, nossa marca, nossa segurança, nossa confiabilidade. Portanto, qualquer modelo pode funcionar economicamente para nós”, acrescentou ele.

As observações despreocupadas do CEO da Uber parecem contradizer a posição da empresa nos Estados Unidos.

A classificação dos motoristas de aplicativo tornou-se uma das questões mais polêmicas da indústria de trabalho moderna nos Estados Unidos, onde estima-se que haja um total de 59 milhões de trabalhadores sem benefícios, sem horas garantidas ou a proteção de um sindicato. A Uber tem sido uma das principais forças na preservação deste modelo, investindo mais de 190 milhões de dólares em um referendo só para a Califórnia, a fim de reverter as regras que concediam à maioria dos motoristas o status de funcionários. A regulamentação, aprovada pela Assembleia do Estado da Califórnia em 2010 como Projeto de Lei 5, ou A.B. 5 na abreviação em inglês, visava tornar estes trabalhadores elegíveis para o salário mínimo, filiação a sindicatos e benefícios de assistência médica.

Em 2020, enquanto as empresas de serviços via aplicativos lutavam contra a lei nos tribunais da Califórnia, Khosrowshahi propôs a possibilidade de suspender temporariamente os serviços em todo o estado. A lei foi agora parcialmente revogada, mantendo o status dos motoristas de transporte e entrega como contratados independentes.

A Uber tem mantido seu foco na manutenção desta classificação em todos os mercados em que atua. Atualmente, a empresa está gastando milhões de dólares para defender e manter as leis de status de contratado independente para motoristas em Illinois, Massachusetts, Nova York e outros estados que consideraram uma reforma no sistema de serviços por aplicativo.

Os custos do empregador para benefícios de empregados tendem a ser mais altos nos EUA do que na Europa, devido ao sistema americano de cobertura de saúde, que é fornecido pelo empregador. Em muitos países europeus, o governo oferece benefícios de saúde e limita diretamente os custos de assistência médica.

Mas o ambiente político é diferente do outro lado do Atlântico em muitos outros aspectos. Apesar de uma série de vitórias do lobby  em torno da questão da classificação dos motoristas nos Estados Unidos, as marés mudaram recentemente na Europa, onde os tribunais e os representantes eleitos estão mais alinhados com os interesses trabalhistas.

Em agosto do ano passado, a Espanha promulgou a “Lei do motorista”, que exige que empresas de entrega de comida classifiquem os motoristas como funcionários. A Uber reagiu alegando que tais regras “prejudicam diretamente milhares de entregadores de alimentos que usam aplicativos de entrega para as tão necessárias oportunidades de renda flexível e deixaram claro que eles não querem ser classificados como funcionários”.

Como nos Estados Unidos, contratados independentes na Espanha não recebem uma série de benefícios oferecidos pelo empregador, tais como licença remunerada, e estão excluídos da filiação a sindicatos ou acordos de negociação coletiva. De acordo com a nova lei, a Just Eat, a maior plataforma de entregas de comida da Europa, assinou um contrato com os sindicatos espanhóis CCOO e UGT para garantir uma maior remuneração por hora trabalhada, férias prolongadas, carga diária de trabalho de no máximo nove horas, e outras proteções. A Uber Eats, entretanto, respondeu contratando uma frota de motoristas através de agências de emprego terceirizadas, um acordo que ajuda a empresa sediada na Califórnia a evitar a gestão direta de seus motoristas enquanto cumpre com a lei trabalhista espanhola.

No Reino Unido, tribunais decidiram no ano passado que a Uber deve classificar 70 mil motoristas como “trabalhadores”. A classificação de trabalhadores, uma distinção técnica de um contratado independente ou empregado sob a legislação trabalhista britânica, permite aos motoristas receberem um salário mínimo, tempo de férias e acesso a um plano de aposentadoria.

Na sequência da decisão do Reino Unido, Khosrowshahi publicou uma coluna de opinião se comprometendo a respeitar a decisão e tratar os motoristas como trabalhadores. “Após a decisão da Suprema Corte do Reino Unido no mês passado, poderíamos ter continuado a disputar os direitos dos motoristas a qualquer uma dessas proteções em um tribunal. Ao invés disso, decidimos virar a página. A partir de hoje, os motoristas de Uber no Reino Unido serão tratados como trabalhadores”, escreveu Khosrowshahi.

A série de derrotas para a gerência da Uber poderia se transformar num retrocesso muito maior, já que a UE está considerando agora a adoção em todo o território da lei de aplicativos da Espanha. A Confederação Europeia de Sindicatos disse que a UE “deve” seguir o exemplo da Espanha e adotar uma lei semelhante, um impulso que está crescendo no Parlamento Europeu.

Ao mesmo tempo em que admitiu a derrota no Reino Unido, a Uber continuou a se opor à “Lei do motorista” da Espanha e empregou lobistas em Bruxelas para impedir que um estatuto semelhante fosse promulgado em toda a UE. Ao revelar o contínuo sucesso comercial da Uber na Espanha apesar das proteções reforçadas dos trabalhadores, a chamada com investidores no mês passado desmente a defesa da empresa.

Ao serem solicitados a comentar sobre a aparente reviravolta de Khosrowshahi, a Uber enfatizou seu foco em tratar os motoristas como contratados independentes.

“Enquetes e mais enquetes mostram que os motoristas querem, na sua esmagadora maioria, permanecer como contratados independentes e trabalhar onde e quando quiserem – mas também que merecem mais proteções”, escreveu o porta-voz da Uber, Noah Edwardsen, em um e-mail para o Intercept.

“Na Europa, Accenture, Good Work, Oxford Economics e os últimos estudos da Copenhagen Economics (baseados em uma pesquisa com 16 mil entregadores europeus), assim como a Compass Lexecon, deixam claro que a razão número um para as pessoas acessarem a plataforma de trabalho é a flexibilidade para ganhar dinheiro enquanto equilibram outros compromissos, e prefeririam permanecer independentes. É por isso que acreditamos que a melhor resposta é proporcionar novos benefícios, ao mesmo tempo em que garantimos aos motoristas e entregadores manter a flexibilidade que eles valorizam”, continuou Edwardsen.

Mas defensores dos direitos trabalhistas veem uma empresa que é meramente forçada a cumprir as regras e não para em nada para maximizar o lucro para executivos e acionistas.

“A Uber sempre disse que não poderia se adaptar a um modelo de empregados que proporcionasse a seus motoristas proteções fundamentais na lei como um salário mínimo e o direito de formar um sindicato”, escreveu Steve Smith, porta-voz da Federação do Trabalho da Califórnia, em uma declaração ao Intercept.

“O reconhecimento de Dara Khosrowshahi de que a empresa pode se adaptar – e tem feito isso – a tratar os trabalhadores como empregados em outros países é uma bofetada na cara de cada motorista nos EUA que a Uber continua a explorar”, acrescentou Smith. “Isso resume-se à pura ganância de executivos ricos que farão qualquer coisa ao seu alcance para impedir que os trabalhadores tenham uma parte dos lucros que seu trabalho cria”.

Fonte: The Intercept Brasil
Texto: Lee Fang
Tradução: Maíra Santos
Data original da publicação: 20/01/2022

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