Os prédios suntuosos e as construções são faraônicas no quarto país mais rico do globo, o Catar, sede da Copa do Mundo de 2022. Mas a imensa maioria de estrangeiros, muitos dos quais de países do sul da Ásia, como Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão vivem outra realidade. Superexploração da mão de obra, salários muito baixos e condições de trabalho precárias. Eles dão cara à desigualdade escondida pelas estatísticas oficiais do país que considera apenas a renda dos catarianos – minoria da população.
O Catar tem hoje cerca de 3 milhões de habitantes. Desse total, apenas 350 mil – cerca de 10% da população – são nativos. Os 90% restantes são formados por imigrantes que vêm também de países da África. São eles que dão marcha ao emirado que entrou para os 10 mais ricos há menos de uma década, segundo uma lista elaborada neste ano pela Global Finance, com base no PIB per capita. Uma economia erguida, principalmente, pela descoberta do petróleo e do gás natural, que respondem por mais da metade de suas receitas.
Toda essa riqueza, no entanto, não é usufruída pelos estrangeiros que, perante ao Estado, são tratados de forma desigual. Um levantamento divulgado neste sábado (25) pela BBC News Brasil mostra que, quem é cidadão do país tem direito a uma série de benefícios sociais. Entre eles o acesso gratuito ao sistema de saúde, auxílio-moradia e auxílio-transporte. Nesse caso, os nativos têm ainda um salário médio de cerca de US$ 700 mil por ano. Nenhum desses direitos, contudo, são concedidos aos imigrantes. Eles deixam seus países de origem à procura de trabalho e de uma vida melhor para si e suas famílias. Mas encontram no Catar condições de trabalho precárias, salários muito mais baixos e exploração.
Sistema de exploração no Catar
Um trabalhador da área de construção civil, por exemplo, ganha cerca de US$ 2 mil anuais. Há apenas um ano, o quarto mais rico do mundo fixou o salário mínimo a 1 mi riais – próximo de R$ 1.400. O que só ocorreu devido à pressão da Fifa. Antes disso, não havia um patamar mínimo para os imigrantes que, ainda com esse valor, não têm o suficiente para viver diante dos preços praticados no centro de Doha. Por isso, essas pessoas vivem, sobretudo, em bairros mais pobres e distantes. Muitos deles espremidos em prédios sem tratamento adequado de água e esgoto, como mostrou uma reportagem do UOL, ainda em 2019.
Até bem pouco tempo, esses trabalhadores também eram submetidos ao sistema de patrocínio, chamado, em árabe, de kafala. Por conta dele, os imigrantes não podiam deixar o país ou mudar de emprego sem a permissão do empregador. Se assim fizessem, eles enfrentavam acusações criminais por “fuga”, o que podia levar à prisão, detenção e deportação. Os empregadores do Catar também ficaram conhecidos por confiscar os passaportes dos funcionários, mantendo-os no país indefinidamente e em trabalho forçado.
Em 2016, segundo a BBC, o Catar aprovou uma lei que permitiu a trabalhadores que tivessem concluído seus contratos a mudar de emprego livremente. A medida também impôs multas às empresas que confiscavam os passaportes dos empregados. Na prática, porém, a retenção do documento ainda era possível legalmente caso houvesse um consentimento por escrito, o que era uma realidade para muitos trabalhadores.
Mudanças nem tão eficazes
Eles também eram obrigados a pagar uma quantia substancial, que variava de US$ 500 a US$ 3.500 antes de deixar seus países de origem para conseguir um emprego no Catar. Apenas em 2020, por conta da pressão internacional e da ameaça de perder o direito de realizar o mundial do futebol, o país se tornou o primeiro, no mundo árabe, a abolir o sistema kafala. Pouco foi estabelecido o salário mínimo. Sendo que todas essas mudanças envolveram os trabalhadores imigrantes excluídos das proteções da lei trabalhista, como os trabalhadores domésticos.
No entanto, outras legislações que facilitam o abuso e a exploração de estrangeiros também permaneceram. Em um relatório publicado em 2020, a ONG Human Rights Watch denuncia que os empregadores ainda são responsáveis por solicitar, renovar e cancelar as autorizações de residência e trabalho dos imigrantes. “Os trabalhadores podem ficar sem documentos sem que tenham culpa por isso quando os empregadores falham em realizar tais processos, e são eles, não seus empregadores, que sofrem as consequências”, destaca a HRW.
A organização também aponta que o Catar continua a impor penalidades severas por “fuga”. Às vésperas da Copa, no ano passado, a HRW também advertiu que os imigrantes sofrem ainda com “deduções salariais punitivas e ilegais”. Assim como enfrentam “meses de salários não pagos por longas horas de trabalho extenuante”.
Trabalhadores mortos
Há ainda a denúncia de que milhares de trabalhadores estrangeiros morreram na construção dos estádios e da infraestrutura para sediar a Copa do Mundo. O governo do Catar diz que 30 mil trabalhadores estrangeiros foram contratados apenas para construir os estádios. A maioria vem de Bangladesh, Índia, Nepal e Filipinas. Assim como a Human Rights Watch, outra organização em defesa dos direitos humanos, a Anistia Internacional, também estima que o número de vítimas das violações trabalhistas, embora incerto, chegue a cerca de 6.500.
Conforme reportou a RBA, a Federação Internacional de Sindicatos ICM (Internacional de Trabalhadores na Construção e na Madeira) também busca reparação e a defesa do direito desses trabalhadores junto à Fifa.
O governo catariano alega, no entanto, que seus registros de acidentes mostraram que, entre 2014 e 2020, houve 37 mortes de trabalhadores nas obras de construção de estádios, apenas três das quais foram “relacionadas ao trabalho”. No entanto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz que esse número é subestimado. O Catar, de acordo, com a OIT, não contabiliza as mortes por ataques cardíacos e insuficiência respiratória como relacionadas ao trabalho — embora esses sejam sintomas comuns de insolação, causados por trabalhos pesados em temperaturas muito altas.
Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 26/11/2022