O pior momento do macrismo

Rubén Armendáriz

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 23/04/2018

O macrismo está atravessando seu pior momento desde que assumiu o governo em dezembro de 2015. Sua expectativa de que a Copa do Mundo da Rússia seria a água benta que apagaria o fogo da raiva coletiva está indo para o espaço. O governo parece não perceber que a realidade dos debates sobre os monumentais aumentos das tarifas dos serviços públicos (água, luz, gás, etc) já provoca problemas, mesmo eles estando na frente dos seus narizes.

Se o Governo não mudar sua postura com relação ao que as pessoas chamaram de tarifazo (ou “tarifão”, o super aumento das tarifas dos serviços públicos), seu futuro imediato pode ficar muito complicado, flertando com o tenebroso. Há muita raiva acumulada nas ruas, e pela primeira vez nestes 28 meses de governo há uma generalizada convergência entre as oposições social (movimentos organizados), política e grande parte da população que leva os protestos às ruas, e justamente quando começam a chegar às casas as primeiras contas com aumentos.

O Governo cortou a renda dos aposentados e ordenou um aumento de salários por baixo da inflação, avançando com uma fortíssima alça das tarifas, em um pacote demolidos, com enorme impacto também na classe média. O humor das classes média e média baixa é um termômetro político relevante que foi decisivo em outros momentos críticos na recente história do país neste século.

Os maiores problemas que o governo deverá abordar são a inviabilidade de um programa insustentável, os investimentos que não chegam, o baixo crescimento econômico e o déficit comercial, os problemas causados pela seca, inflação e pobreza que param de crescer e uma crise política da coalizão governante que agrava ainda mais a crise econômica.

Milhares de trabalhadores, donas de casa, estudantes acompanharam as associações sindicais e sociais, todos com velas acesas nas mãos, numa marcha pelo centro de Buenos Aires, reclamando ao governo que suspenda ao menos por um ano os abusivos aumentos nos serviços públicos e que se restabeleçam os valores de dezembro passado.

A inflação galopa e o custo de vida aumenta todos os meses. O poder aquisitivo dos salários continua caindo, enquanto aumentam as demissões de trabalhadores e eliminação de fontes de trabalho. Os empregados bancários pararam por dois dias, após rejeitar um paupérrimo aumento, que ficou longe de compensar o aumento no custo de vida. Os professores continuam em conflito, assim como os operários, em diferentes zonas do país.

Para entender o que acontece, basta um dado: o peso das contas de luz e gás sobre a renda do conjunto da população argentina se multiplicou por sete desde a chegada de Mauricio Macri à Casa Rosada, há pouco mais de dois anos, e as tarifas de serviços significam hoje 14,5% do total do salário dos trabalhadores. Antes dele, essa relação era de apenas 2,7%. Entre dezembro de 2015 e abril de 2018, as tarifas de gás natural para a área metropolitana de Buenos Aires registraram aumentos entre 400 e 920%, enquanto as eléctricas tiveram alças que oscilaram entre 800 e 2300%.

“Se o objetivo era reduzir o déficit fiscal com o fim dos subsídios, longe de encontrar uma solução, o que se fez foi aumentar o problema. Cortaram os impostos a setores de alta renda, como o das exportações agroindustriais, e substituiu o gasto em subsídios pelo pagamento dos juros da dívida”, comentou o economista Pablo Manzanelli do instituto Cifra, ligado à Confederação de Trabalhadores Argentinos (CTA).

As políticas implementadas buscavam levar a um incremento da produção de hidrocarbonetos, mas o resultado foi o oposto: em 2017 houve queda tanto na produção de petróleo como de gás. “O resultado real é a consumação de uma transferência de renda em detrimento dos trabalhadores, que devem destinar a maior parte de seus recursos ao pagamento de serviços públicos”, analisa o investigador.

Mas isso não é tudo. Segundo números do Banco Central argentino, a fuga de capitais pela economia do setor privado foi de 2,5 bilhões de dólares em março, chegando a 6,9 bilhões em todo o primeiro trimestre do ano, e com um acúmulo de 24,3 bilhões nos últimos doze meses.

E isso se falamos em fuga líquida. A saída bruta é ainda mais impressionante: 4,6 bilhões de dólares em março, 13 bilhões no primeiro trimestre e 50,8 bilhões no último ano. Desde dezembro de 2015, a fuga neta já se elevou a 41, bilhões de dólares e a bruta, a 91,7 bilhões. Esta última é uma cifra quase idêntica ao que se tomou de dívida externa no mesmo período, e que permite observar de forma intuitiva qual é o destino dos dólares da dívida: financiar a fuga de capitais.

Rubén Armendáriz é jornalista e cientista político uruguaio, analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *