Estamos vivendo, em pleno século XXI, as formas mais predatórias do capitalismo. A reflexão é do sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes, responsável pela organização do livro Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0, lançado no último 1º de outubro. A publicação foi viabilizada através de parceria entre o Ministério Público do Trabalho (MPT/15ª região) e a Unicamp e traz artigos de 21 autores. Em entrevista concedida ao Portal da Unicamp, o pesquisador fala sobre alguns dos temas contemplados na obra, como o nível de destrutividade do capital, que o fez cunhar a expressão “capitalismo pandêmico”, e a expansão da uberização do trabalho, com trabalhadores convertidos a prestadores de serviços e enfrentando jornadas extensas, desprotegidas e desprovidas de direitos.
“No capitalismo do século XXI, da sua tecnologia mais avançada, nós estamos retornando a um nível de exploração que mais se assemelha ao capitalismo da acumulação primitiva, da protoforma do capitalismo, como digo no ensaio que abre esse livro. Nós estamos retornando a jornadas de trabalho de 10 horas, 12 horas, 14 horas, 16 horas por dia, como no início da Revolução Industrial, ou como nas colônias que se utilizavam de trabalho escravo”, analisa. Esse nível de exploração, conforme o professor, se aprofunda na pandemia, mas se atrela a um conjunto de medidas anteriores, como a Reforma Trabalhista, decorrente uma política econômica que ele classifica como “neoliberalismo primitivo”.
Traçando um paralelo entre o nível de destruição do capital, as queimadas no Brasil e a circulação do novo coronavírus, Ricardo Antunes chama o capitalismo atual de “tóxico e virótico”, ou de “capitalismo pandêmico”, uma vez que combina crescente níveis de exploração e degradação humanas à destruição do meio-ambiente. Por isso, afirma: “É preciso reinventar o mundo. Onde o trabalho tenha dignidade e sentido humano e social, onde não haja destruição da natureza”.
Para o docente, que também lançou recentemente o e–book Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado, dada à tragédia social, que combina cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras informais, uberizados e desempregados com o crescente lucro das grandes corporações, não há como o capitalismo se reorganizar. O abissal nível desigualdades, junto à destruição dos direitos sociais, só conhecerão um limite: “esse limite se chama luta social, rebelião, confrontação, descontentamento”, pontua.
Confira a entrevista e assista também ao vídeo “Trabalho e adoecimento?”, em que Ricardo Antunes e a professora da Unicamp e médica do trabalho Márcia Bandini falam sobre a relação entre trabalho e saúde.
Como você pontua no e-book Coronavírus: o trabalho sob foto cruzado e também no livro Uberização, trabalho digital e indústria 4.0, vivemos um sistema de metabolismo antissocial do capital. O que isso significa e como culmina, junto à crise estrutural, no que você chama de capital pandêmico?
O capitalismo se parece com o corpo humano. Marx usou a ideia do metabolismo social como sendo similar, metaforicamente, ao metabolismo humano. Nós temos órgãos que no seu todo funcionam, e alguns são mais vitais que outros. O capitalismo é assim. Foi o filósofo húngaro István Mészáros que cunhou a expressão sistema de metabolismo social do capital, que só se reproduz destruindo. Eu dou três exemplos que eu desenvolvo longamente no e–book e no livro novo [Uberização, trabalho digital e indústria 4.0]. A destruição do trabalho é mundial. Nós temos hoje uma grande população na informalidade. Mês atrás a Organização Internacional do Trabalho [OIT] estimava que chegaríamos a 1 bilhão e 600 milhões de pessoas na informalidade, mas temos mais que isso, porque é impossível mensurar a informalidade. Há dois meses o IBGE disse que a informalidade no Brasil estava diminuindo, em plena pandemia, e alguém falou “puxa, que bom”. Não, não é bom. É porque o informal está perdendo emprego. É uma tragédia ainda maior porque se você tem um informal trabalhando é trágico, mas ele come. Se você tem um informal desempregado você tem uma tragédia mais profunda.
Então o sistema de metabolismo social do capital e é destrutivo em relação ao trabalho, é destrutivo em relação à natureza. Nós chegamos hoje num capitalismo tóxico e virótico. Nós hoje respiramos um ar contaminado, o aquecimento global compromete o mundo, especialmente os países da periferia. Estamos vendo no Brasil as queimadas. O país pegando fogo no sentido literal, com queimadas na Amazônia, no Pantanal, em reserva florestal no Paraná, em Minas Gerais. Temos os derretimentos das geleiras e quando as geleiras derretem os vírus que estavam lá sedimentados se esparramam. Quando há queima generalizada no Amazonas isso afeta totalmente as condições ambientais, ecológicas e os vírus começam a circular. O capitalismo é destrutivo porque ele supõe energia fóssil, tem produção descontrolada no agronegócios, como a criação de gado, altamente comprometedora do meio-ambiente, extração mineral, destruição de florestas, queimadas, etc, agrotóxicos que poluem os rios, a lista é enorme. É um sistema de metabolismo social destrutivo e é destrutivo em relação ao gênero humano.
O capitalismo se estruturou no século XVIII como sistema de metabolismo social e eu quis chamar nesse meu livro pela primeira vez esse sistema de metabolismo social de antissocial. É possível enfatizar, na linha do meu amigo Mészáros, que é um sistema de metabolismo antissocial do capital. O capitalismo não tem como se reorganizar dado ao tamanho da tragédia global, que não é só no sul do mundo. Veja a situação dos imigrantes no norte do mundo, sendo jogados nos mares. Mas como assim? “O mundo europeu é dos europeus”, mas quantos italianos, alemães, portugueses e espanhóis vieram, por exemplo, para a América Latina no século passado? Está tudo errado e é por isso que eu chamo de sistema de metabolismo antissocial do trabalho. É preciso reinventar o mundo, onde o trabalho tenha dignidade e sentido humano e social, onde não haja destruição da natureza. Como vão viver nossos filhos e netos? Com contaminações pulmonares uma atrás da outra. Já estão falando que o próximo vírus da Sars vai ser tenebroso, que a Covid pode ter formas mais violentas. Por isso chamo no livro de capitalismo virótico ou capitalismo pandêmico.
No início da pandemia, algumas análises apontavam para a oportunidade de repensar hábitos de consumo. Hoje as intenções de consumo dos brasileiros voltam a crescer. Na reabertura de comércios, por exemplo, registros mostram as ruas lotadas e filas para entrar em lojas. É possível usar esse exemplo para pensar a perda de sentido social do trabalho?
É possível, mas com cuidado porque não são a mesma coisa. O que é o trabalho dotado de sentido humano social? Por exemplo, a produção bélica, de armas e de bombas, qual o sentido que tem? Um sentido destrutivo, altamente lucrativo e que só pode vender se mata pessoas, se elimina povos. É um trabalho que enriquece as grandes corporações. Mas assim como esse exemplo há muitos outros. Quantos dos produtos que nós consumimos, por exemplo, um medicamento que poderia custar US$1 ou US$2 e custa U$50 porque ele é embalado, tem plástico, tem metal, é colorido, fofinho, tem algodãozinho. Ou seja, a droga medicamentosa poderia custar mais barato se não fosse o invólucro. É a sociedade involucral. Essa pandemia mostrou qual o trabalho que é útil, por exemplo o trabalho dos cuidados. Nós passamos a dar valor ao trabalho das trabalhadoras domésticas.
Qual o sentido humano e social da produção de automóveis? É ter um carrão, é poluir o ar, é disputar com o outro qual o carro melhor, percebe? Enquanto a produção deveria ser de trens, de ônibus de transporte coletivo. O consumo é a expressão fetichizada e estranhada de uma sociedade que é depauperada na vida e no momento em que ela pode fazer algo ela vive seu momento catártico e de regozijo no consumo.
Há naturalmente um represamento que decorre por estarmos fazendo parte de uma população em isolamento. É natural que em algum momento se precise comprar algumas coisas que estão faltando. Agora, o capitalismo não funciona sem esse momento catártico do consumo. É o gozo supremo de uma sociedade desprovida de sentido humano societal. Então tem a ver sim, até porque a produção se enfeixa no consumo e o consumo depende da produção. O que enriquece as grandes corporações é esse ciclo.
Por exemplo, porque eu tenho que trocar todo ano de celular? É um problema complicado porque o celular nosso não é programado para durar 10, 15, anos. Eu posso tomar um cuidado danado, colocar capinha, não deixar cair. Com um ano de uso, já deu problema e não conecta mais a bateria nele. A bateria não entra mais. Mas como assim? Eu não deixei cair. O automóvel, quanto tempo duram os automóveis? Quando eu era menino, na década de 1960, eles podiam durar 30 anos. Hoje o automóvel é programado para durar quatro ou cinco anos. E se eu bato o automóvel e compromete três ou quatro peças, a perda é total, porque se eu for recuperar as peças sai mais caro que o automóvel. No mundo que nós temos, isso faz parte de uma lei de tendência decrescente do valor de uso das mercadorias. Elas podem ter o máximo de qualidade total, mas elas têm que durar cada vez menos e, como duram cada vez menos, vou ter que comprar cada vez mais. Um celular por ano, um carro por ano, um televisor por ano, um micro-ondas por ano.
A destruição ambiental é brutal, o depauperamento do trabalho é brutal porque há uma complexa maquinaria informacional digital. Algoritmos, inteligência artificial, internet das coisas, 5g. É muito espetacular a 5g, vou dar um exemplo sobre a Apple e a empresa chinesa Huawei. A Apple produz os seus celulares na FoxConn chinesa, numa montadora terceirizada. Em 2010 houve 16 tentativas de suicídios de trabalhadores numa fábrica que produz, que monta para a Apple. Isso gerou uma grita generalizada e não foi só nesse ano, as mortes se sucederam a tal ponto que a Apple foi pressionada. Se ela monta seus produtos na FoxConn, ela é corresponsável pelas mortes da FoxCOm. A Huawei, concorrente chinesa, e a Alibaba, funcionam com um sistema na China chamado 9.9-6. É um sistema onde os trabalhadores e as trabalhadoras trabalham das 9h às 21h, 12 horas por dia, e seis dias por semana. Fácil né? É esse mundo que nós queremos? Enquanto o resultado desse vilipêndio, dessa exploração brutal do trabalho, é que eu vou ter uma maquininha aqui que vai fazer meu gozo catártico durante um ano, depois ele vira pó e precisa comprar outro. O consumo é um enfeixamento desse quadro trágico.
No seu ebook, você aponta que estamos vivendo a forma mais destrutiva das relações capitalistas. Durante a pandemia, mais de metade da população perdeu rendimentos e os índices de desemprego novamente batem recordes. Cresce a intermitência, a uberização, o número de desalentados, a terceirização, como você pontua. Ao mesmo tempo, o patrimônio dos super ricos teve um grande aumento, segundo mostrou relatório da Oxfam de julho. O que acontece durante a pandemia que aprofunda ainda mais essas relações de crescente acúmulo, em uma ponta, e de precariedade, em outra? Qual o limite – se há – da desproporção dessa balança?
Há um limite e esse limite se chama luta social, rebelião, confrontação, descontentamento. Eu não sei como o mundo vai se rebelar, mas é possível. Nesse governo atual, agora a renda emergencial caiu para R$300 e já disse a figura que preside esse país que isso não vai ser eterno. Quando as populações estiverem 40%, 50%, 60% na informalidade e sem recurso, como elas vão fazer? Vão ficar esperando nas periferias, nos morros, nas comunidades a comida divina que virá dos céus, provavelmente por obra do espirito santo? Não. Entende? Então o limite quem vai dar é o nível de confrontação social que nós vamos entrar. Mas, professor, qual alternativas você vislumbra? Eu vou brincar. Eu vislumbro a alternativa Bacurau, em que em um dado momento uma comunidade que está sendo vilipendiada vai buscar o caminho deles. Eu imagino a alternativa do Coringa, também um filme espetacular e emblemático, onde um individuo desprezado socialmente se torna o líder simbólico da rebelião contra os ricos. E imagino também, para provocar, a alternativa do Parasita. Uma família operária trabalhadora que achou que estava feliz empregada e na verdade estava vivendo um inferno. E o final do filme é forte, quando o pai da família se dá conta da tragédia que a sua família se envolveu nesse trabalho.
O que estou sugerindo é que o limite vai ser dado pelas lutas sociais. Agora saindo do metafórico e dando dados concretos, houve o breque dos apps, as duas paralisações dos trabalhadores uberizados, no sentido amplo, que não é só o trabalhador que transporta pessoas em automóveis, mas aquele que usa a moto, a bicicleta para transportar comida em toda essa parafernália: Uber, Uber Eats, Ifood, Amazon, Rappi, essas maravilhas que não param de crescer. A Amazon tem uma propaganda que diz que de ‘A a Z tem tudo na Amazon’ e sabe o que isso significa? Ela começou vendendo livros, depois criou hipermercados e hoje ela faz tudo. Se eu quiser traduzir um artigo meu para mandarim eu consigo entrar uma plataforma da Amazon, que vai encontrar um tradutor ou tradutora. Trabalho que não é regulamentado, não tem direitos do trabalho. Isso eu trato nesse livro que organizei e que é uma pesquisa do grupo de pesquisa Metamorfoses do Mundo do Trabalho aqui do IFCH [Instituto de Filosofia e Ciências Humandas] da Únicamp, que eu coordeno, junto com o MPT da 15ª região, região de Campinas. Nós fotografamos isso, temos um cenário onde os trabalhadores e trabalhadoras se metamorfoseiam em prestadores de serviços e empreendedores e não têm a legislação social protetora do trabalho. Ou seja, no capitalismo do século XXI, da sua tecnologia mais avançada, nós estamos retornando a um nível de exploração que mais se assemelha ao capitalismo da acumulação primitiva, da protoforma do capitalismo, como digo no ensaio que abre esse livro. Nós estamos retornando a jornadas de trabalho de 10 horas, 12 horas, 14 horas, 16 horas por dia, como no início da Revolução Industrial, ou como nas colônias que se utilizavam de trabalho escravo. Então o limite vai ser dado pelas lutas sociais, porque o capital não tem limites.
Um dos discursos que sustentam e buscam justificar a existência dos trabalhos precarizados, principalmente os uberizados, é o do empreendedorismo e do “proletário de si próprio”, como você menciona. Por que esse discurso é problemático?
Na pandemia essas empresas de plataformas estão ganhando muito dinheiro. Muitas pequenas empresas, que empregam muito, quebraram. O governo as abandonou. Ele podia ter dado apoio às pequenas e médias empresas condicionado a não demitir ninguém e não fez isso. Os trabalhadores foram para a rua. O mito do empreendedorismo começou a derreter. Quantos empreendedores perderam tudo? Como eu digo, há o empreendedor, que sonha ser burguês de si próprio mas esta mais próximo de ser um proletário de si mesmo. Não estou criticando quem virou empreendedor, porque se a pessoa não tem o que fazer precisa se virar. Estou criticando quem imaginou que a saída do empreendedorismo fosse a saída do mundo. Agora não tem salário, não tem consumidor e não tem previdência. Muitos deles vêm que perspectiva? Depressão, suicídio e adoecimento. E depender de uma renda emergencial que é verdadeiramente irrisória. 300 reais é quanto as classes médias pagam semanalmente para o seu cachorrinho no pet shop. Para não falar das classes burguesas, porque aí é a gorjeta do cafezinho.
Eu falei em escravidão digital quanto eu estava finalizando meu livro O Privilégio da Servidão. É o trabalho que está dentro dos algoritmos, dos celulares, dentro da IA [Inteligência Artificial], mas trabalha 10, 12 horas por dia, tem metas, chega em casa, vai trabalhar em casa. Sempre falo o trabalhador e a trabalhadora, pensando na divisão sociosexual, racial e étnica do trabalho, para compreender o que chamo de nova morfologia do trabalho. A uberização é uma modalidade que começou com o zero hour contract. Médico, advogado, cuidados, engenheiros e professores vão fazer qualquer trabalho. A uberização não atinge só trabalhadores de plataformas de automóveis, de motos e bicicletas. Tem médico uberizado, advogado uberizado, arquiteto uberizado, jornalista uberizado. E os teus direitos? Que direito? Você é MEI, é intermitente, você trabalha e ganha pelo seu trabalho. O risco que nós corremos é criar uma infernal sociedade dos uberizados onde a maioria da classe trabalhadora vai ser uberizada. Atenção, STF que vive aprovando essas medidas. O STF não devia ter a competência para julgar essas questões do trabalho. Para isso existe o Tribunal Superior do Trabalho e é bom que o TST se atente também. Para o capitalismo de hoje não há espaço para justiça do trabalho. No artigo que escrevi com Vitor Filgueiras no livro novo mostramos 11 pontos que mostram que uberizado é sim contratado porque quem tem o comando é a plataforma, que não vende a tecnologia, ela explora a força de trabalho e faz a espoliação, porque o trabalhador/a tem que comprar o carro ou alugá-lo, comprar ou alugar a moto ou bicicleta, tem que pagar celular, pagar a conexão, tem que comprar até mesmo a mochila, pagar se adoece.
Terceirização irrestrita, reforma trabalhista, reforma de previdência formaram um conjunto de destruição à direitos no âmbito do trabalho e da seguridade social que já vinha se mostrando destrutivo para os trabalhadores. Agora temos as reformas administrativas, que incorporam medidas prejudiciais ao serviço público. Frente a um crescente contingente de trabalhadores precarizados, quais são as consequências da devastação dos serviços públicos? E como você avalia o discurso de que o serviço público é inchado?
É um vilipêndio. O serviço público não pode ser privatizado e desfigurado por esse neoliberalismo primitivo. Nós temos no Brasil um poder autocrático, com traços negacionistas, de destruição da ciência e o corolário disso no plano da política econômica é um neoliberalismo primitivo que assusta os neoliberalistas mais sofisticados. Eu não tenho apreço nenhum por nenhuma variante do neoliberalismo, nem a sofisticada nem a primitiva. Aliás não sei qual a pior, porque o neoliberal sofisticado é mais complexo, então o neoliberal tem a aparência de um social democrata e a alma de um predador. O neoliberalismo tem a alma da predação e qual é a predação? A privatização do que for possível e o desmonte das atividades públicas sociais do Estado. Então saúde dá lucro? Privatiza? Educação dá lucro? Privatiza. Estradas dão lucro? Privatiza. Cárcere dá lucro? Privatiza. O resultando é que estamos criando o desmonte do Estado brasileiro.
Depois que voltei da Índia que escrevi que o Brasil caminha celeremente para se tornar uma Índia na América Latina. A Índia é um país com mais de 1 bilhão de pessoas, com uma burguesia riquíssima e absolutamente minoritária porque combina-se um sistema de classes com um sistema de castas. Eu conheço o Brasil inteiro e a miséria brasileira eu já vi. Na Índia foi um choque, porque eu não podia imaginar que a degradação do ser humano chegasse nesse nível. Hoje aumentou o desemprego, a massa de trabalhadores e trabalhadoras que não encontram trabalho, e tudo isso tende a aumentar. Você precisaria de um serviço público muito mais estruturado. É verdade que precisaríamos reinventar o serviço público, profundamente público e social. A ideia de destruir o serviço público e criar “serviço privado”, entre aspas, é a destruição da sociedade brasileira. Caminharemos para sermos uma sociedade com um nível de miséria que se aproxima da Índia? E quais são os países que mais estão se destruindo na pandemia? Vejamos quais são os países que mais estão se destruindo na pandemia? A Índia, os Estados Unidos e o Brasil. Três países do vilipêndio, três países da destruição e da predação. Tomara que possamos aprender com outros países, onde o trabalho público foi vital para minimizar a tragédia da pandemia. Não fosse o SUS a nossa tragédia seria muito maior. E o SUS existe não por causa desse governo, que tentou destruí-lo. O SUS é uma conquista da população brasileira, e haveremos de torná-lo um exemplo. Ele é o ponto de partida de um trabalho público dotado de sentido público e social. Sem ciência desenvolvida nas universidades e sem pesquisa das instituições de fomento, nós nos tornaremos uma Índia tropical.
Fonte: Unicamp
Texto: Liana Coll
Data original da publicação: 08/10/2020