“Digo sem reservas que trazer um sindicato para nossa unidade de Smyrna a tornaria não competitiva. Isso não é de seu interesse, nem da Nissan. Alerto-os para votar pelo seu futuro e por suas oportunidades na Nissan.” A declaração é do presidente do grupo Renault/Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn, e foi espalhada em vídeo para os funcionários da unidade da empresa em Smyrna, estado do Tennesse, no sul dos Estados Unidos.
Os empregados estavam prestes a participar de uma eleição que decidiria se aceitariam filiar-se a um sindicato que os represente perante a empresa, o United Auto Workers (UAW). Os funcionários que defendiam a sindicalização, e precisavam da concordância de metade mais um do quadro de pessoal, não conseguiram convencer a maioria. Venceu o medo.
A fala de Carlos Ghosn é de 2001, quando o UAW tentava pela segunda vez, sem sucesso, o referendo dos trabalhadores da Nissan no Tennessee. Mas a empresa não deixa que seus empregados a esqueçam nem um dia sequer. Ao não transigir nessa conduta, a Renalt/Nissan pode estar se expondo a uma campanha internacional que pode arranhar sua imagem. Esse foi o eixo de uma bateria de reuniões realizadas na semana que passou na região de Jackson, capital do estado do Mississippi. Desta vez, o UAW tenta levar o plebiscito aos trabalhadores da planta local da montadora japonesa, instalada em Canton.
Parlamentares locais, movimentos de estudantes, lideranças comunitárias e religiosas, além de sindicalistas de outras regiões – como o presidente da CUT, Vagner Freitas, e o secretário de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), João Cayres – participaram de diversas manifestações e reuniões de apoio à campanha Do Better Together (façamos melhor juntos) – que tem sentido amplo. “Com direito a uma representação sindical os trabalhadores se expressam coletivamente e constroem acordos que melhoram as condições e seu desempenho no trabalho; com isso a empresa também sai ganhando e também a comunidade onde está instalada”, diz o diretor do UAW Robert Lawson.
A reação da companhia se repete. Alega, segundo funcionários ouvidos pela reportagem, que a esmagadora maioria de seu pessoal não quer nem ouvir falar em sindicato. “Se é assim, por que não aceita que eles digam isso por meio de uma eleição limpa, com igualdade de condições para que ambos os lados defendam seus pontos de vista?”, rebate o dirigente Richard Bensinger, diretor da campanha do UAW no Mississippi.
Uma pesquisa conduzida pelo professor Lance Compa, da Universidade de Cornell, estado de Nova York, aponta que a fábrica pode estar errada. E em vários aspectos. “O vídeo de seu presidente mostra a boa relação da fábrica com a cidade e sugere um pânico caso a empresa resolva deixá-la. Mas não mostra que em outras regiões onde sindicatos e empresas se relacionam democraticamente, se constroem bons acordos e as empresas vão muito bem”, critica Compa.
O ator Danny Glover, que tem atuação destacada em movimentos por direitos civis, participou de dois eventos ao longo da semana e também criticou o pensamento do executivo: “Contradiz a realidade em diversos países onde a própria montadora atua, como França, Japão, Brasil e África do Sul, nas quais a presença de sindicatos em nada atrapalha o desempenho da fábrica”, diz.
O professor lembra que a companhia erra também ao ferir princípios básicos de convivência entre empregadores e empregados estabelecidos por organismos multilaterais. Entre eles a Organização Internacional do Trabalho, que reúne representantes do capital e do trabalho e de governos, e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, associação de 34 países ricos, com sede na França.
O relatório elaborado por Compa, a ser concluído no mês de março, servirá de base para ampliar o movimento do United Auto Workers nos Estados Unidos e internacionalizá-lo. A ideia é disseminar as denúncias das práticas autoritárias da Renault/Nissan nos demais mercados consumidores onde atua.
“É importante o envolvimento da sociedade, porque assim como ela desfruta das conquistas alcançadas pelo movimento sindical, essas conquistas chegam mais rápido quando ela entende e apoia nossas lutas”, argumenta Vagner Freitas. “Para empresas transnacionais, tanto faz onde elas fabricam seus carros. Por isso é importante que cada vez mais empresas aceitem construir um acordo global, no qual se estabelecem padrões mínimos de condições e as relações de trabalho, para que os desempenhos das empresas sejam reflexo do trabalho decente, e não do agravamento das desigualdades.”
Ação globalizada
O presidente da CUT lembra que os planos da montadora estão associados ao bom momento econômico do Brasil, onde o nível de emprego e de renda estão num ciclo de alta que já dura dez anos. “Se o momento em nosso país é bom para a estratégia da empresa, será bom também se conseguirmos expandir essa campanha até lá. Vamos conversar com a Força Sindical, com temos tido bom diálogo nos últimos anos, sobre o fortalecimento dessa batalha”, diz Freitas.
Tanto em Curitiba, onde fica a fábrica da Renault no Brasil, como em Resende (RJ), onde a Nissan instalará uma nova planta, os sindicatos dos metalúrgicos locais são ligados à Força Sindical. Em outubro, o presidente Carlos Ghosn anunciou que foram investidos US$ 285 milhões na ampliação das operações da unidade do Paraná. A Renault detém aproximadamente 5% do mercado brasileiro e pretende atingir 8% nos próximos três anos. A unidade de Resende terá investimentos de R$ 2,5 bilhões para entrar em atividade em 2014 com a meta de produzir 200 mil veículos/ano e saltar de menos de 2% para 5% do mercado.
“Boa parte desses investimentos sairá de linhas de crédito do BNDES. Será importante conversarmos com o principal banco de fomento do país para que os empréstimos tenham como contrapartida a garantia de trabalho decente, no Brasil e no mundo”, defende o presidente da CUT. “No caso da Nissan, isso se daria com a adesão a um acordo marco global e com o respeito às representações sindicais em qualquer do mundo.”
Em março, haverá no Mississippi nova reunião de sindicalistas de vários países, quando será apresentado o relatório final do estudo do professor Lance Compa. Dessa vez, além da CUT, com a presença do presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, e outros integrantes da central.
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Paulo Donizetti de Souza