Eles não são apenas russos. Sua tônica: rapinar o Estado, engordar riquezas velhas e impor espírito extrativista.
Marcio Pochmann
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 06/06/2022
O principal trunfo da hegemonia neoliberal foi a configuração do capitalismo de oligarcas. Ou seja, a dominância das estruturas de mercado por oligopólios privados, quando não monopólios, e a conformação de sistema político com o poder do dinheiro concentrado em pequeno grupo pertencente a poucos grupos econômicos (plutocracia).
Isso fica evidente a partir da década de 1990, quando a receita neoliberal foi implantada a um só golpe na antiga União Soviética. O imediato resultado foi a constituição da superclasse dos oligarcas que se fortaleceu através da destruição da sociedade industrial, conforme descreveu David Hoffman no seu livro The Oligarchs: Wealth and Power in the New Russia.
Com a queda do PIB em 54% ocasionada pela desindustrialização, o desemprego se generalizou, o consumo alimentar se reduziu à metade e 1/3 da população passou a viver abaixo da linha de pobreza. Sob o comando de Boris Yeltsin (1991-1999), aconselhado por Jeffrey Sachs, a terapia de choque (privatização massiva, corte radical dos gastos sociais, liberação geral dos preços, desregulação dos mercados internos e internacionais) foi implementada à imagem do que os Chicago boys fizeram no Chile do ditador Augusto Pinochet (1973-1990). Da força econômica dos oligarcas obtida nas jogatinas das privatizações, emergiu o poder político que passou a controlar a mídia comercial e a dominar partidos na arena eleitoral.
No caso brasileiro, guardada a devida proporção, a adoção do receituário neoliberal durante a Era dos Fernandos (Collor, 1990-1992, e Cardoso, 1995-2002) decidiu o rumo da ruína imposta à sociedade industrial constituída entre as décadas de 1930 e 1980. Este foi o período em que as oligarquias assentadas no antigo mandonismo, clientelismo e coronelismo foram fortemente constrangidas pela emergência ativa das classes e frações de classe sociais próprias da sociedade urbana e industrial, como a classe média assalariada e burguesa e operária industrial.
Ressalta-se que há mais de 13 décadas, a conversão do Brasil ao capitalismo havia sido condicionada pela reafirmação da governança oligárquica presente na passagem do antigo regime monárquico (1822-1889) para o republicano. Por 41 anos, os governos da República Velha (1989-1930) foram legítimos representantes da elite dos grandes proprietários rurais do agronegócio da época (política do café com leite).
A adoção da terapia do choque neoliberal, ainda que interrompida durante os governos do PT (2003-2015), fundamentou o novo regime dos oligarcas no Brasil, destrutivo que foi das antigas classes sociais intermediárias assalariadas e da burguesia e operariado industrial. Ao monopolizar crescentemente o mercado econômico e as esferas política e cultural, o sistema político democrático perdeu vitalidade, asfixiado pelo controle das políticas econômicas e sociais em benefício dos interesses de poucos.
É nesse sentido que a palavra oligarquia permite explicitar melhor o governo de elites, não sendo, portanto, fenômeno exclusivamente russo. Os oligarcas têm a segurança de sua riqueza e contam com uma rede protetiva de escritórios de advogados e gestores de patrimônio. Além, é claro, do próprio sistema político e midiático a seu favor.
O regime dos oligarcas é próprio do capitalismo de compadrio, em que a prosperidade dos negócios não resulta da livre competição nos mercados, mas do retorno do dinheiro acumulado pelo entrelaçamento dos interesses de empresários com políticos, resultando em manipulações orçamentárias e políticas governamentais de natureza clientelistas.
A liberalização e desregulamentação se mostram fundamentais para que a superclasse dos oligarcas se constitua e prolifere através do favorecimento de licenças, incentivos e subsídios governamentais. Assim, o empreendedorismo e práticas competitivas inovadoras submetidas ao risco são substituídos pelo capitalismo de compadrio que se difunde no governo e sistema político e midiático, distorcendo ideais econômicos e políticos da sociedade e do Estado.
Nestas circunstâncias, as instituições nacionais vão sendo contaminadas pelo espírito extrativista. Assim, as tradicionais instituições vinculadas aos poderes judiciário, executivo e legislativo terminam se desviando do seu princípio público para servirem ao poder concentrado na esfera da pequena elite dos oligarcas.
O espírito extrativista que se impregna nas instituições submetidas às reformas neoliberais se fundamenta no objetivo de extrair o máximo de renda possível da população em benefício dos próprios controladores institucionais. O exemplo da condução diretiva da Petrobras desde 2016 parece ser perfeito: uso de atribuições que se desviam do interesse público geral para atender a especificidade de clientelas. Os oligarcas vivem de dividendos obtidos inadequadamente da extração econômica da renda da população, sobretudo da parcela mais pobre.
Marcio Pochmann é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.